Na proposta para mudar o pagamento dos precatórios (valores devidos a empresas e pessoas físicas após sentença definitiva na Justiça), o governo quer alterar a regra para honrar de imediato apenas os pagamentos de até R$ 66 mil, que representam mais de 80% das sentenças devidas pela União, segundo apurou o Estadão com fontes que participam das negociações. Segundo uma fonte da área econômica, esses credores continuarão recebendo o dinheiro "na bucha".
Essas mudanças deverão ser incluídas em Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em elaboração pelo governo para conseguir o apoio no Congresso. A proposta nem saiu do Executivo e já enfrenta resistência entre parlamentares e no mercado financeiro.
Para precatórios acima daquele valor, haverá um regime especial de parcelamento em dez anos, mas a duração é distinta: entre R$ 66 mil (dez salários mínimos) e R$ 66 milhões, a regra será transitória e valerá até 2029; para os débitos superiores a R$ 66 milhões (o equivalente a mil vezes o salário mínimo), a regra de pagamento em prestações será permanente.
A regra transitória será acionada sempre que o valor global orçado para precatórios ultrapassar uma proporção da receita corrente líquida, que ainda está sendo definida e pode ficar em 5%. Para isso, serão parcelados os precatórios do maior ao menor valor, até que o gasto esteja enquadrado no limite.
A ideia do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, era encaminhar o texto ontem ao Congresso, com a narrativa de que a aprovação do texto seria fundamental para garantir um aumento do programa Bolsa Família para valores acima de R$ 300 e até próximo de R$ 400. Mas a estratégia deu errado e o governo teve de recuar diante da repercussão negativa.
As propostas que mudam as regras do pagamento dos precatórios e de reformulação do Bolsa Família foram discutidas pelos ministros da Casa Civil, da Cidadania (João Roma), da Secretaria de Governo (Flávia Arruda) e pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Reação
No mercado, há críticas pelo fato de a medida mirar o "curto prazo" eleitoral, sem observar as consequências para boa parte dos credores desses precatórios. Uma fonte do mercado observa que o direito de receber as dívidas judiciais é muitas vezes vendido por empresas em situação delicada (e muitas vezes sem acesso a crédito) para fazer caixa. Ao parcelar os precatórios e tornar o recebimento desses valores mais incerto, o governo comprometeria o funcionamento desse mercado e, no limite, deixaria empresas sem acesso a recursos novos.
Segundo apurou a reportagem, cerca de R$ 40 bilhões dos precatórios previstos para 2022 devem se enquadrar nas regras de parcelamento. Desse valor, 15% vão precisar ser pagos à vista, ou seja, ainda no ano que vem. O restante será parcelado - e, eventualmente, poderá ser antecipado com os recursos de fundo que o governo quer criar (leia abaixo).
Um valor de R$ 89 bilhões para o pagamento dessas sentenças para 2022 foi repassado pelo Judiciário para a elaboração do Orçamento do ano vem, salto de R$ 33 bilhões em relação aos R$ 56 bilhões que o Ministério da Economia previa para as despesas com precatórios.
Na sexta, o Estadão mostrou que o "meteoro" que o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse querer acertar com um "míssil" era o pagamento dos precatórios. A despesa fica sob o guarda-chuva do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação, e o governo já tem outras pretensões para o espaço disponível, como a reformulação do Bolsa Família.
Na defesa da PEC, Guedes tem dito que não se trata de confisco nem "pedalada", porque existe precedente para Estados e prefeitos, que podem parcelar o pagamento dos precatórios. O ministro e sua equipe se dizem confiantes de que o Congresso e o STF vão garantir a "executabilidade" do Orçamento em 2022 e nos próximos anos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.