A PEC dos Precatórios, entregue na segunda-feira (9) pelo governo federal ao Congresso Nacional, acaba com a "regra de ouro", uma das principais normas fiscais que vigoram no país desde a Constituição de 1988. Considerado um dos pilares necessários para o equilíbrio das contas públicas, o dispositivo impede a emissão de dívida pelo governo para o pagamento de despesas correntes, como salários e conta de luz, por exemplo.
O problema é que, desde 2014, a arrecadação de tributos e as demais receitas correntes não têm sido suficientes para cobrir todas essas despesas do Orçamento. Os sucessivos rombos nas contas públicas nos últimos anos forçaram todos os governos desde então a pedirem autorização ao Congresso para usar os chamados créditos suplementares, a única exceção hoje prevista na "regra de ouro".
Somente no ano passado, o crédito suplementar aprovado pelo Congresso para burlar a "regra de ouro" totalizou R$ 346,6 bilhões. O valor se refere a despesas orçadas antes mesmo da pandemia que não teriam cobertura pela arrecadação de tributos prevista para 2020. Em 2019, esse crédito extra somou quase R$ 260 bilhões.
Nos últimos anos, o governo enviou ao Congresso propostas orçamentárias incompletas, dependentes da aprovação desses créditos extraordinários para serem de fato executadas em sua totalidade.
O que a PEC dos Precatórios propõe agora é simplesmente um novo atalho para burlar a "regra de ouro", permitindo que o governo se endivide para pagar despesas correntes desde que isso já esteja incluído na própria proposta orçamentária.
Dessa forma, o governo não mais precisaria negociar com os parlamentares a aprovação da fatura adicional do orçamento, ficando livre para pagar despesas correntes com a emissão de mais dívida.
Ao ser questionado sobre o fim da "regra de ouro", um técnico que acompanha o Orçamento federal confirmou que a PEC dos Precatórios de fato enterra a norma fiscal, mas avaliou que ela já tinha de fato pouca serventia nos últimos anos — em que o teto de gastos se tornou praticamente a única âncora fiscal do país.
De acordo com o Tesouro Nacional, no acumulado em 12 meses até junho de 2021, as receitas com operações de crédito superaram as despesas em R$ 96,8 bilhões.