No dia 21 de julho, ao som dos sinos que indicam a abertura dos negócios na segunda maior bolsa de valores do planeta, a Nasdaq, o tradicional telão da fachada do prédio de meio século de história localizado na Times Square, em Nova York, exibia uma frase de boas-vindas à Zenvia.
A empresa criada em Porto Alegre aceitava a acolhida com a devida pompa e levantava quase R$ 1 bilhão na soma de seu IPO (lançamento inicial de ações, na sigla em inglês) de US$ 150 milhões e uma oferta paralela de participação, realizada na mesma data.
O sócio-fundador e CEO da Zenvia, Cassio Bobsin, acompanhava, do Brasil, o desenrolar dos fatos nos Estados Unidos. Naquele momento, relembrava a trajetória da startup nascida há exatos 18 anos, em um porão do bairro Auxiliadora. O patrimônio: duas mesas, dois computadores e uma grande ideia.
— É difícil assimilar, a ficha cai aos poucos, dia a dia — diz Bobsin.
À época, em 2003, no início da democratização dos celulares ainda sem conexão com a internet, ele e o sócio perceberam a futura e latente demanda por canais de conversação entre clientes e empresas, como se estas fossem pessoas. Desenvolveram soluções e produtos que aplicam inteligência artificial em vários canais — e-mail, WhatsApp, chats e Instagram —, pensados para os diferentes momentos da jornada de consumo, seja na compra, no pré ou no pós-venda.
Hoje o serviço é usado por bancos, varejistas, montadoras automobilísticas internacionais e uma infinidade de outros setores. Ao todo, são 11 mil clientes no Brasil e também nas 10 maiores economias da América Latina, como México, Argentina e Colômbia.
Antes de chegar ao mercado de capitais, entretanto, foram oito aquisições, que alçaram a companhia gaúcha ao posto de maior plataforma de comunicação para experiência do cliente da América Latina, com cerca de R$ 500 milhões em receita e mais de 800 colaboradores no time.
— É um orgulho mostrar que é possível construir uma empresa global de tecnologia a partir de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. As pessoas valorizam o que é daqui, mas quando se fala em tecnologia parece que só é bom se for de fora. Estamos presos a uma matriz tradicional e, por isso, é satisfatório provar que dá para fazer diferente — comemora Bobsin.
O recente movimento da Zenvia, conforme explica o sócio da consultora internacional PWC Brasil, Rafael Biedermann, a credencia — ao lado de Nelogica, Warren e Agibank — a se consolidar como uma das maiores nativas digitais gaúchas. O termo, pouco empregado no Brasil, delimita aquelas empresas, oriundas dos ecossistemas de startups, que oferecem soluções tecnológicas.
Por outro lado, explica o executivo, a estratégia também traduz a atual aceleração no mercado de IPOs. Para se ter uma ideia, somente a Nasdaq teve 87 captações em 2020. Juntas, somaram quase US$ 20 bilhões. Os meios de pagamento PagSeguro e Stone (2018), a corretora XP Investimentos (2019) e, na véspera do IPO da Zenvia, o e-commerce Vtex (2021) foram algumas das brasileiras que optaram por Nova York.
É um orgulho mostrar que é possível construir uma empresa global de tecnologia, a partir de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul
CASSIO BOBSIN
Sócio-fundador e CEO da Zenvia
Por aqui, não é diferente. Há três anos, existiam quatro empresas de tecnologia na B3, a bolsa nacional. Em 2021, de 32 ofertas de IPOs, nove envolveram as chamadas techs. Isso elevou para 16 o número de companhias digitais listadas em bolsa, superando, inclusive, os bancos, com 12 representantes. Biedermann comenta:
— A condição diferenciada do Estado nos ecossistemas gerou empresas sólidas, e a vertente de startups em bolsa é bastante atraente para alcançar a maturidade. É claro que temos algumas muito fortes, mas é difícil capturar quem será a próxima.
Fintech nacional de impacto global
Com um aporte de R$ 550 milhões, no final do ano passado, feito pelos fundos Crescera e Vulcan, para a aquisição de fatia minoritária da empresa, a Nelogica é outra digital do Estado capitalizada para crescer ainda mais em 2021. Criada em 2005 por Marcos Boschetti (CEO) e Fabiano Kerber (CTO), passou a oferecer as mesmas informações, antes acessadas apenas pelos grandes bancos, aos pequenos investidores.
É considerada a primeira fintech (desenvolvem produtos financeiros totalmente digitais) brasileira a gerar um impacto global. Seus softwares participam, hoje, de milhares de ordens de compra e venda diariamente no mercado de capitais. Tem mais de 1 milhão de clientes e 400 colaboradores. Nos últimos três anos, as receitas cresceram sempre acima de 100%. No primeiro semestre de 2021, o salto foi maior, chegando a 150%. E a meta é dar vazão a uma nova expansão internacional.
O Estado precisa deste movimento. É necessário despertar a atenção e a necessidade de fazer a transformação digital.
JOSÉ GALLÓ
Ex-CEO da Renner
À frente da Renner por mais de duas décadas, o ex-CEO José Galló considera justamente a Nelogica e a Zenvia como as duas empresas digitais do Rio Grande do Sul com as posições mais sólidas no momento e também as detentoras dos melhores prognósticos de futuro.
Desde que deixou o mais alto posto da rede varejista, o executivo tem investido, via fundo Quartz, em startups brasileiras. É um dos fundadores do Instituto Caldeira, na zona norte de Porto Alegre, e entusiasta do setor.
— O Estado precisa deste movimento. É necessário despertar a atenção e a necessidade de fazer a transformação digital. Por muito tempo, isso foi captado com maior intensidade em outros lugares do Brasil, mas, agora, temos esses dois e belos exemplos — comenta Galló.
Segundo ele, Nelogica e Zenvia são empresas emblemáticas, servem de inspiração e enviam aos jovens a mensagem de que é possível, sim, criar companhias mundiais a partir de pequenas startups.
— O critério, além de olhar para uma boa ideia, é avaliar se ela tem um bom empreendedor. Ambos os casos tiveram ótimas ideias e uma capacidade brutal de execução por parte de seus fundadores. É isso o que se procura, ideias e gestores capazes levá-las à grandeza através do tempo –— pontua.
Uma “gigante emergente”
Considerada pela KPMG como uma das “gigantes emergentes” do Brasil, a porto-alegrense Warren guarda o trunfo de crescer na mesma proporção em que desafia os modelos tradicionais da indústria nacional de investimentos. É desse modo que, desde 2017, avança a passos largos em um mercado que conta com sólidos concorrentes. De quebra, se habilita a ser uma das grandes empresas gaúchas do futuro.
A estratégia, conforme explica Tito Gusmão, CEO e sócio-fundador da startup, é popularizar o padrão de investimentos das maiores fortunas para uma faixa de pessoas com patrimônios menores. Em pouco mais de quatro anos, já são 200 mil clientes e 460 funcionários. A expectativa é alcançar a marca de R$ 9 bilhões sob gestão em breve.
Porto Alegre é a base, com equipes comerciais em Florianópolis, Curitiba, Joinville, Blumenau, Jaraguá, Itajaí, São Paulo e Rio de Janeiro. De 2019 para cá, foram três rodadas de investimentos, lideradas por Ribbit Capital (R$ 25 milhões), QED Investors (R$ 125 milhões) e, em 2021, o fundo soberano de Cingapura GIC (R$ 300 milhões), investidor global de longo prazo de empresas como Nubank, por exemplo.
A soma dos aportes chega a R$ 450 milhões. Dinheiro que será usado, segundo Gusmão, para bater de frente com os principais concorrentes: XP e BTG Pactual. A meta é reduzir os custos de aquisição de clientes agora, para economizar depois.
— Se você tem um cliente mal servido, é mais barato convencê-lo a sair e vir para a Warren, considerando que 90% do dinheiro dos brasileiros está concentrado em cinco bancos e em produtos de péssima qualidade. Então, o investimento é para acelerar o processo, porque o mesmo movimento daqui a seis anos pode ser muito mais oneroso — afirma.
Com posição sólida e recursos para expansão, ainda assim Gusmão faz certas ressalvas ao rótulo de unicórnio, concedido àquelas startups que atingem estimativas de valor acima de US$ 1 bilhão antes de abrirem capital (IPO). No país, são 11, entre elas PagSeguro, 99 Táxi, IFood e Nubank. A Warren é avaliada como um dos prováveis.
— Esse modelo de crescer rápido significa queimar muito dinheiro no presente com uma estratégia de médio prazo. No nosso caso, a gente tem planos de fazer um IPO que pode ser no país ou fora, daqui a três ou quatro anos — revela.
Conexão com os não nativos
Há 20 anos, quando lançou a primeira startup, o gaúcho Marciano Testa, fundador e CEO da Agibank, enfrentou um cenário de escassez de tecnologia, recursos e marcos regulatórios para a desconcentração do mercado bancário nacional. Mesmo neste ambiente, criou um marktplace (ponto de venda virtual) para distribuição de crédito.
Naquela época, a visão foi bastante avançada. Tratava-se de um site que fazia o cruzamento de dados entre a oferta dos bancos e os potenciais clientes tomadores. A partir disso, em evolução natural, ele obteve a licença do Banco Central para criar uma fintech.
Em 2017, começou a construir o que hoje é o Agibank, um banco digital omnichannel (estratégia de uso simultâneo de canais de comunicação que permite a convergência entre o ambiente virtual e físico) com mais de 3 milhões de clientes no Brasil.
Ele explica que, dos chamados neobanks (novos bancos digitais), o seu é o único que tem 12 pontos físicos de acesso e relacionamento, os touchpoints. São locais sem caixas tradicionais e que não utilizam papel.
— É um processo de consultoria digital, ou uma inclusão digital assistida. Temos uma função importante de acolher um perfil de brasileiros que não são nativos digitais, mas encontra nos nossos 820 hubs (ponto de conexão estratégico) os portões de entrada para esse mundo.
Depois de cancelar um IPO de R$ 9 bilhões em 2018, o banco digital recebeu aporte de R$ 400 milhões em 2020, do fundo Internacional Vinci Partners. No primeiro semestre de 2021, as receitas bateram em R$ 848,4 milhões, 18% acima do que foi registrado em igual período de 2020.
Temos uma função importante de acolher um perfil de brasileiros que não são nativos digitais
MARCIANO TESTA
FUNDADOR E CEO DA AGIBANK
Em março, a empresa inaugurou o investimento de R$ 20 milhões em um novo hub de 19 mil metros quadrados em Campinas (SP). A meta é acelerar o crescimento e a expansão pelo Brasil.
A escolha por São Paulo deixa o banco mais próximo do principal centro financeiro do país e com acesso a recursos para desenvolver novos projetos e fortalecer a operação, que se torna cada vez mais nacional. Além disso, ganha fôlego na atração de talentos para suportar os desafios futuros da instituição.
Batizado de Agi Campus, o local tem capacidade para 670 posições de trabalho e a proposta é fomentar ainda mais a área de inovação da empresa. Nas próximas semanas, conforme antecipa Testa, o banco lançará uma nova plataforma digital no mercado. Ainda guardada a sete chaves, a estratégia converge com o plano agressivo de crescimento nacional da empresa.
A ascensão em números
- Zenvia
IPO de R$ 1 bilhão na Nasdaq em julho de 2021 - Nelogica
Venda de fatia minoritária por R$ 550 milhões em 2020 - Agibank
Campus de R$ 20 milhões e aporte de R$ 400 milhões em 2020 - Warren
Captação de R$ 450 milhões em três rodadas de 2019 a 2021