Economia

Material do futuro

Mais forte do que o aço e maleável a ponto de permitir celulares flexíveis: como o grafeno pode transformar o RS

Substância presente no grafite já é produzida em escala industrial no Estado e tem potencial para superar o impacto do silício e do plástico na indústria

Juliana Bublitz

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Um novo e promissor cenário começa a se descortinar no Rio Grande do Sul, a partir da pesquisa e produção de uma substância que vem sendo chamada pelos cientistas de “material do futuro”. Foco de iniciativas em curso no Estado, o grafeno é o elemento químico mais fino, leve e forte já descoberto e tem potencial para superar o impacto do silício e do plástico na indústria, revolucionando o mercado em praticamente todas as áreas — da telefonia celular à medicina regenerativa.

Como o diamante e o carvão, o componente é uma das formas do carbono e é derivado do grafite, cujas reservas abundam no Brasil. Foi isolado pela primeira vez em 2004, na Universidade de Manchester, na Inglaterra, e, desde então, tornou-se cobiçado mundo afora.

Motivos não faltam: é duzentas vezes mais resistente do que o aço, mas também é maleável e funciona como eficiente condutor térmico e elétrico. Pode ser usado em quase tudo, de aparelhos eletrônicos com telas resilientes e flexíveis (imagine a possibilidade de contorcer o celular) a baterias energizadas em segundos, peças automotivas, artigos esportivos e até pele e órgãos artificiais.

Aos poucos, as dificuldades e os custos envolvidos na fabricação começam a ser suplantados. Relatórios produzidos periodicamente pela consultoria Research and Markets estimam duas centenas de companhias atuando na área, com a China avançando a passos largos no setor. No Brasil, onde os obstáculos à ciência são maiores, o Rio Grande do Sul conquista espaço no mapa da vanguarda. 

— Já dominamos o processo de produção e estamos desenvolvendo aplicações para empresas em escala industrial. Esse é o nosso diferencial, o grande trunfo. Deixou de ser uma promessa, deixou de ser apenas pesquisa acadêmica e ultrapassou os limites dos laboratórios. Estamos alçando o Estado e o país a um novo patamar — destaca o reitor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Evaldo Antonio Kuiava. 

Desde março de 2020, o parque tecnológico da instituição (TecnoUCS) abriga a UCSGraphene, considerada a maior planta de geração de grafeno da América Latina, com capacidade para produzir cinco toneladas anuais do produto. A título de comparação, o projeto MGGrafeno, um dos pioneiros no país, em Minas Gerais, cuja planta opera desde 2018, atinge o volume de cerca de 300 quilos da substância por ano.

Com investimento próprio superior a R$ 20 milhões, o empreendimento sulino é fruto de 15 anos de estudos e conseguiu desenvolver um produto standard, mais barato e adaptável à realidade brasileira, despertando o interesse de uma longa lista de empresas, entre elas uma gigante do setor automotivo (leia mais detalhes abaixo). 

Atraído pelo êxito da experiência, o presidente Jair Bolsonaro deve conhecer a unidade em julho, em visita a Caxias. Bolsonaro é um conhecido entusiasta da exploração de materiais do tipo, incluindo o nióbio (metal usado principalmente na confecção de ligas metálicas).

Essas substâncias também estão no radar de uma outra iniciativa em andamento no território gaúcho que promete bons resultados. Trata-se da Aliança para Inovação em Baterias, que, embora ainda esteja no início, reforça a ofensiva para inserir a região na rota global da nanotecnologia. 

O projeto é um braço do movimento Aliança para Inovação de Porto Alegre, que originou o Pacto Alegre (união de esforços para transformar a Capital), e reúne pesquisadores das três maiores universidades gaúchas: UFRGS, PUCRS e Unisinos. O objetivo é propor soluções inovadoras em armazenamento de energia, essencial na vida contemporânea. O caminho traçado segue o exemplo da UCS.

— Vivemos um novo momento no Estado, em que estamos posicionados de forma estratégica no país. O que precisamos agora é acelerar. Temos de alterar a nossa matriz produtiva para as tecnologias do futuro. Nos últimos dois ou três anos, esse caminho vem se tornando cada vez mais real. Não podemos ficar para trás — resume o diretor de inovação da UFRGS, Luiz Carlos Pinto da Silva Filho, coordenador do Pacto Alegre.

Da UCS para o mundo

Em operação há um ano e três meses, a UCSGraphene já coleciona uma longa lista de clientes e parceiros. Até agora, a unidade sediada em Caxias do Sul firmou termos de cooperação técnico-científica com 132 empresas — 90% delas fora do Estado — para a venda de grafeno ou o desenvolvimento de aplicações com base na substância. Entre os parceiros, estão companhias do porte da Ford e da Marcopolo.  

Credenciado junto ao Inmetro e à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), o empreendimento também é habilitado para certificar grafite e grafeno produzidos em outros locais. 

— Somos uma unidade de negócios vinculada à UCS, mas com autonomia na tomada de decisões e com conexão direta com o mercado. Entendemos que de nada adianta termos papers publicados (artigos em revistas acadêmicas), se esse conhecimento não chegar à sociedade. Queremos fazer a diferença — afirma Diego Piazza, coordenador da UCSGraphene.

Totalmente automatizada e sustentável, a planta elabora grafeno 100% nacional, com tecnologia própria (mantida em sigilo) e grafite extraído no sudeste do país. 

O principal diferencial, segundo o empresário português Hugo Souza, diretor da Zextec Consultoria (parceira dos projetos da UCSGraphene e responsável por estabelecer as pontes com o mercado), é o barateamento do produto, obtido a partir de estudos que permitiram o desenvolvimento de um grafeno padrão standard (básico), adaptado à realidade da indústria brasileira (para aplicação, por exemplo, em revestimentos, polímeros, metais, cerâmicas e compósitos). Em determinados locais, o custo por grama, dependendo da técnica de fabricação e da finalidade, pode superar facilmente os US$ 100.  

— Hoje, o preço de venda da UCSGraphene é de R$ 10 a R$ 15 o grama, em média, conforme a composição. O que temos aqui é uma ideia fora da caixa, disruptiva. É uma iniciativa muito positiva para toda a indústria do Rio Grande do Sul, que passa a ter acesso a um produto extraordinário, de baixo custo, elaborado por uma universidade com mais de 50 anos de história e de credibilidade — destaca Souza.

Aliança pela inovação aposta em baterias

Assinado em abril deste ano, o acordo entre UFRGS, PUCRS e Unisinos em torno da Aliança para Inovação em Baterias tem por objetivo desenvolver e transferir tecnologia para a vida real. A ideia é aproveitar os laboratórios já existentes nas três instituições para pensar e propor novos acumuladores de energia, com materiais como grafeno, nióbio e eletrólitos em estado sólido. 

Juntos, os pesquisadores planejam disputar editais da Financiadora de Estudos e Pesquisas (Fipe) e da Rota 2030, programa ligado ao setor automotivo. 

— Ainda estamos no início, estudando as possibilidades. A ideia é nuclear uma equipe que possa posicionar o Estado como um ator ativo nesse cenário das baterias, que são cada vez mais importantes na nossa vida cotidiana. Qualquer avanço aí, de durabilidade ou recarga mais rápida, é bem-vindo. Vamos atrás de dinheiro para financiar as ações da rede e entendemos que, sobretudo do ponto de vista dos carros elétricos, há uma ampla gama de oportunidades — diz o professor do Instituto de Física da UFRGS, Cristiano Krug, um dos coordenadores operacionais da aliança.

A iniciativa tem o apoio do E-24 Mobility Lab, instituto de ciência, tecnologia e inovação sem fins lucrativos responsável pela ligação entre o grupo e as empresas interessadas em projetos de pesquisa e desenvolvimento. A primeira parceria, segundo o diretor do E-24, Carlos Martins, já foi firmada e envolve a Baterias Excell, que tem fábrica em Cachoeirinha, na Região Metropolitana, e mira nos benefícios do grafeno (cargas mais rápidas e maior durabilidade). 

A intenção, daqui para frente, é ampliar as perspectivas e diversificar a paleta.

— A ideia da rede é abrir novos horizontes, aproveitando a capacidade ociosa dos laboratórios. O ponto central é tentarmos entender qual é a nossa vocação. O grafeno, sem dúvida, é uma das apostas — diz Martins.

“É impossível não destacar o lado disruptivo do grafeno”, diz pesquisador de instituto pioneiro 

Divulgação / Mackenzie
Daniel Cunha Elias

Fundado em 2013, o Instituto Mackenzie de Pesquisas em Grafeno e Nanotecnologias (MackGraphe), da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, foi o primeiro do gênero na América Latina e abriu caminho, no Brasil, para estudos na área. À frente do MackGraphe, Daniel Cunha Elias destaca, em entrevista a GZH, as potencialidades da substância.

Qual é a importância do grafeno e das pesquisas envolvendo esse material? 

O grafeno é um nanomaterial de carbono cujas características trazem grandes benefícios no desenvolvimento de produtos de alto valor agregado e com grande impacto tecnológico. É um material muito novo, que tem sido explorado academicamente há 16 anos e comercialmente há oito. Sendo assim, ainda existe muito espaço para desenvolvimento de pesquisa e inovação com esse produto. Além disso, por se tratar de um nanomaterial, é impossível não destacar o lado disruptivo do grafeno e, por isso, as parcerias entre a indústria e a academia são fundamentais para o desenvolvimento de produtos à base de grafeno. 

Quais são os usos possíveis desse produto e que perspectivas temos? 

O grafeno tem sido utilizado em diferentes produtos no mundo. As principais aplicações têm sido feitas no desenvolvimento de compósitos (materiais formados pela união de outros materiais com o objetivo de se obter um produto de maior qualidade), de dispositivos de armazenamento e geração de energia, sensores e biossensores, tintas, adesivos, recobrimento e dispositivos eletrônicos, entre outras. 

Qual é o cenário hoje, no Brasil e no mundo, tanto em relação à pesquisa quanto à produção? 

O cenário é muito promissor. Eu diria que o grafeno deixou de ser o material do futuro e é uma realidade. Já tem sido produzido em larga escala em vários países do mundo e, no Brasil, ainda existe muito campo para desenvolvimento. 

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