A ideia sempre foi fazer um grande evento para dar o start na operação da primeira fábrica de grafeno em escala industrial da América Latina. Mas uma pandemia interrompeu os planos da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Nem por isso, a cerimônia de apresentação do UCSGraphene, na tarde desta quarta-feira (15), foi menos especial.
— O que estamos fazendo hoje é internacional. Estamos colocando Caxias, o Rio Grande do Sul, o Brasil na vanguarda mundial da tecnologia — discursou o presidente da Fundação Universidade de Caxias do Sul (Fucs), José Quadros dos Santos, para um pequeno grupo de pessoas que acompanhava a inauguração da planta.
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Grafeno, material milagroso para a indústria
Reitor da universidade, Evaldo Kuiava destacou a importância do feito não apenas para a UCS, mas para a comunidade. A produção do conhecimento faz com que não se ande "a reboque do mundo", disse. Mas mais que produzir, ele ressaltou a necessidade da sistematização e do compartilhamento desse conhecimento.
— Estamos rompendo paradigmas, inovando, mudando o jogo, tendo uma relação muito mais profícua com o setor industrial — acrescentou.
Kuiava, que conduziu os convidados pelo bloco 71 do campus-sede da instituição, onde está instalada a fábrica, fez questão de destacar que todos os equipamentos o UCSGraphene foram produzidos por empresas locais, reforçando o elo entre a universidade e a comunidade regional. As atividades começaram há um mês e a capacidade de produção de 42 quilos de grafeno por mês — 500 quilos por ano — está próxima de ser atingida. Já são 10 empresas com quem o UCSGraphene trabalha no desenvolvimento e aplicação do material, entre elas, a Marcopolo. As demais não são reveladas já que há contratos de confidencialidade.
A UCS tem termo de cooperação com a 2D Materials, empresa com sede em Singapura que detém expertise na produção do grafeno. O convênio, assinado no ano passado, permite a contratação e o desenvolvimento de pesquisas, projetos e serviços técnicos e tecnológicos em materiais avançados. A universidade também tem acordo de cooperação com o Instituto Mackenzie, de São Paulo, que trabalha com grafeno.
— Desejamos que o Brasil se torne referência em tecnologia. Não somente importador, mas criador de riquezas — frisou Diego Piazza, coordenador do UCSGraphene.
A fábrica é resultado de um trabalho de pesquisa iniciado em 2005, um ano após o isolamento do material durante um estudo inglês premiado com o Nobel de Física. Até agora, contudo, não havia capacidade para a produção do material em escala industrial.
Se fosse uma empresa
Universidade filantrópica, a UCS tem propósitos diferentes de uma empresa. Mas o presidente da FUCS, José Quadros dos Santos, não deixou de comparar o desempenho da instituição com a iniciativa privada. Até brincou que esta quarta-feira seria um dia perfeito para um IPO (abertura de capital da empresa), caso se tratasse de uma corporação.
— A quantidade de entregas que fizemos nos últimos dias: respiradores, testes, pesquisa com a UFPel (Universidade Federal de Pelotas), telemedicina e, agora, o grafeno. Em 15 dias, apresentamos cinco respostas de alto nível. Quando passamos por um momento como esse (de pandemia), de onde vem a resposta? — questionou Santos durante a cerimônia, que também foi transmitida ao vivo pelo Facebook.
APLICAÇÕES
Considerado o material mais leve e resistente já desenvolvido, além de ter excelente condutividade térmica e elétrica, o grafeno pode ter aplicações em diversas áreas do cotidiano, passando por setores de tecnologia, segurança e fármacos, por exemplo. Esse potencial de gerar soluções inovadoras desperta o interesse da indústria da região, que tem trabalhado junto à UCSGraphene para fabricar produtos com o novo material.
Entre as aplicações já pesquisadas na instituição estão tintas, cerâmicas, medicina regenerativa, coletes a prova de balas e capacetes. Para cada utilização, o grafeno precisa de um processo de produção diferente.
O GRAFENO
:: Formado a partir do carbono, assim como o diamante, o carvão e o grafite, do qual é oriundo, caracteriza-se pela organização hexagonal dos átomos. Foi isolado pela primeira vez em 2004, na Inglaterra, pelos cientistas Andre K. Geim e Konstantin S. Novoselov, pesquisa que ganhou o Prêmio Nobel de Física em 2010.
:: É um material de elevada transparência, leve, maleável, resistente ao impacto e à flexão, excelente condutor térmico e elétrico, entre outras propriedades.
:: O grafeno é o material mais leve e forte do mundo, sendo 200 vezes mais resistente do que o aço e superando até o diamante. Uma folha de grafeno de 1 metro quadrado pesa 0,0077 gramas e é capaz de suportar até 4kg.
:: Também é o material mais fino que existe, com espessura de um átomo, ou 1 milhão de vezes menor que um fio de cabelo.
:: Por ser uma tecnologia disruptiva, o grafeno tende a competir com tecnologias existentes e substituir materiais com décadas de uso. As aplicações permitem desenvolver produtos com alta resistência mecânica, capacidade de transmissão de dados e economia de energia.
:: Como material de alta engenharia, o grafeno é um dos principais recursos da atualidade em nanotecnologia, sendo utilizado na produção de telas e displays LCD, touchscreens, componentes eletrônicos com altíssima capacidade de armazenamento e processamento de dados, baterias de recarga instantânea, entre outros.