Após a crise do coronavírus destruir empregos, o Rio Grande do Sul busca a retomada no mercado de trabalho com carteira assinada. Em intervalo de três meses, de julho a setembro, o Estado criou 24,2 mil vagas formais. Na prática, o resultado mostra que os gaúchos recuperaram o equivalente a 18% dos postos que tinham sido fechados no começo da pandemia. De março a junho, houve perda de quase 135 mil empregos.
A reação vem ganhando força com o passar dos meses, o que gera uma porção de alívio para trabalhadores e empresários. Conforme analistas, o Rio Grande do Sul deve registrar novos números positivos até o final de 2020, mas ainda sem recompor todas as perdas da crise. Em 2021, um dos fatores que ameaçam a retomada é o fim de medidas de estímulo à economia, incluindo o auxílio emergencial.
Para chegar ao percentual de vagas já recuperadas, GZH comparou dados do Caged, o cadastro de empregos formais do Ministério da Economia, que analisa o saldo de vagas. O indicador corresponde à diferença entre contratações e demissões.
Ou seja, de março a junho, quando o mercado de trabalho ficou no vermelho, os cortes superaram as admissões em quase 135 mil contratos. O número é maior do que a população de um município como Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo (131,4 mil habitantes).
Passado o efeito inicial da crise, o Estado voltou a ter desempenho positivo em julho. Assim, acumulou, até setembro, 24,2 mil contratações a mais do que demissões. A marca é proporcional ao número de habitantes de São Jerônimo, na Região Carbonífera (24,4 mil).
Economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo entende que o mercado de trabalho "está se recuperando", mas de maneira "insuficiente" para ultrapassar todos os prejuízos no curto prazo:
— A volta da economia gera contratações, mas existe muita incerteza quanto ao futuro. Isso causa um freio nas admissões. Estamos vendo uma recalibragem no mercado de trabalho para operar em novo nível de atividade econômica.
Nos últimos meses, o movimento também é de alta no país — e em velocidade superior à gaúcha. Após perder quase 1,6 milhão de postos de março a junho, o Brasil gerou 697,3 mil vagas de julho a setembro. Ou seja, recuperou o equivalente a 43,7% dos empregos formais destruídos no começo da pandemia.
Melhor setembro da série histórica
Em setembro, tanto o país quanto o Estado tiveram o melhor desempenho para o mês desde o início da série histórica do Caged, com dados a partir de 1992. O saldo ficou positivo em quase 313,6 mil empregos no Brasil. No Rio Grande do Sul, foram 15,8 mil.
Para o professor Ely José de Mattos, da Escola de Negócios da PUCRS, o nível de retomada do mercado de trabalho chega a surpreender diante da magnitude da crise. Na visão do economista, a melhora recente está relacionada a medidas de estímulo aos negócios e de preservação de empregos. Porém, com o fim de ações como o auxílio emergencial, existem riscos no cenário para 2021, frisa Ely:
— Com a pandemia, o governo teve de gastar para valer, jogar dinheiro de helicóptero. É preciso ver o que ocorrerá depois da virada do ano, quando a renda do auxílio, por exemplo, deixar de existir.
O professor lembra que, mesmo com o alento no setor formal, a taxa de desemprego está em avanço no país. É que o índice de desocupação, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também contempla trabalhadores informais. Segundo a pesquisa, um profissional é considerado desempregado quando procura, mas não encontra ocupação, com ou sem carteira.
À medida que mais pessoas voltarem a buscar oportunidades, a taxa tende a subir. Esse impacto, aliás, começa a ser sentido com maior vigor. No trimestre encerrado em agosto, o desemprego chegou a 14,4% no país. É o maior patamar da série histórica do IBGE, iniciada em 2012.
Construção na dianteira
O eletricista Álvaro Francisco Peres, 36 anos, andava preocupado. Em meados deste ano, não conseguia mais encontrar clientes para prestar serviços, de forma autônoma, durante a pandemia. Foi aí que um amigo viu um anúncio de vagas de trabalho na construtora MRV.
Pressionado pelas despesas, o morador de Alvorada, na Região Metropolitana, não pensou duas vezes e fez a inscrição no processo seletivo. Em julho, foi contratado pela empresa, encerrando período de cerca de 40 dias sem trabalho.
Peres, agora, é responsável por realizar instalações elétricas em obras. A oportunidade trouxe alívio para o pagamento de contas que começavam a se acumular, como o aluguel da residência na qual mora. Pai de dois filhos, o trabalhador não atuava com carteira assinada havia cerca de um ano.
— Sou muito agradecido. Familiares e amigos ainda estão sem emprego. Agora, busco melhorar na profissão — diz. — Tive muita sorte. Um amigo viu o anúncio da vaga, fez um print (captura de tela) e me mandou. Aí fui atrás — emenda.
Conforme o Caged, a construção é o setor que apresenta o maior percentual de empregos recuperados durante a pandemia no Estado. De março a junho, o setor perdeu 5,9 mil vagas com carteira assinada. Em seguida, de julho a setembro, teve abertura de 3,6 mil, o equivalente a 61,1% dos contratos encerrados anteriormente.
— Imaginávamos que a construção se recuperaria de maneira mais rápida, porque há uma demanda represada. O setor já vinha em retomada, apesar de lenta, antes da pandemia. A previsão é de que mais empregos sejam recuperados até o final do ano — diz Gelson Santana, presidente do Sticc, o sindicato que representa os trabalhadores do ramo em Porto Alegre.
No Estado, a indústria apresenta o segundo maior percentual de vagas retomadas. De julho a setembro, as fábricas abriram 14,7 mil postos, o equivalente a 33,9% dos contratos encerrados nos quatro meses anteriores (43,3 mil). No comércio, o percentual chegou a 19,7%.
O único setor que seguiu no vermelho foi o de serviços. Após fechar 44,6 mil empregos entre março e junho, perdeu outros 954 nos três meses seguintes. Restrições à atividade de parte das empresas do segmento freiam a geração de vagas, apontam economistas.