Atingida em cheio pelo coronavírus, a economia gaúcha perdeu 123,1 mil empregos com carteira assinada em intervalo de três meses. Além de causar preocupação entre analistas, a destruição de vagas formais durante a pandemia reforça a projeção de que o mercado de trabalho tende a reagir em ritmo lento.
Para chegar ao número de postos cortados, GaúchaZH cruzou dados ajustados do estoque do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. Esse indicador mede a quantidade de vagas com carteira assinada ativas em todo o país.
Em fevereiro, antes de a covid-19 atingir os gaúchos, o Rio Grande do Sul tinha 2,549 milhões de postos formais em estoque. Três meses depois, em maio, o volume baixou para 2,426 milhões. Ou seja, houve redução de 4,8% no total de vagas com carteira assinada. Isso não quer dizer que todos os cortes tenham sido motivados pelo coronavírus, mas a covid-19 é apontada como a grande vilã do cenário. O primeiro caso de contaminação foi divulgado em 10 de março no Estado.
A título de comparação, o número de vagas perdidas supera o tamanho da população de um município do porte de Bagé, na Campanha (121,1 mil habitantes). Também é maior do que a capacidade, somada, dos estádios Arena do Grêmio e Beira-Rio – cerca de 111,3 mil lugares.
– A questão é como repor os cortes em massa. Estamos falando de destruição de empregos, mas ainda não temos ideia da destruição de empresas. Com menos empresas, há menos possibilidades de as pessoas se recolocarem em um futuro próximo – ressalta Patrícia Palermo, economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS).
Em números absolutos, o Rio Grande do Sul teve o quarto maior volume de vagas perdidas do país, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os paulistas registraram o corte mais expressivo (460,2 mil), indica o Caged. Já o estoque de empregos no país passou de 39,152 milhões, em fevereiro, para 37,664 milhões, em maio. Ou seja, houve perda de quase 1,5 milhão de postos no período.
– O impacto no mercado de trabalho mostra a magnitude da crise. No Rio Grande do Sul, onde há peso maior da agricultura, também tivemos estiagem – lembra o economista Ely José de Mattos, professor da Escola de Negócios da PUCRS.
Atropelamento
Nos três primeiros meses de pandemia, a indústria de transformação perdeu 40,3 mil vagas em estoque, sinalizam microdados do Caged. Em seguida, aparecem segmentos do comércio e de serviços.
– Parte da economia estava em trajetória de recuperação, mas foi atropelada pela covid-19. É o caso de serviços. Outros setores já não estavam tão bem antes, como a indústria, e também foram prejudicados pela pandemia – afirma o economista Fábio Pesavento, professor da ESPM em Porto Alegre.
Além de provocar demissões, a crise do coronavírus dificulta a busca por emprego. Recente pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica essa tendência. Em maio, o Rio Grande do Sul tinha 450 mil pessoas que gostariam de trabalhar, mas não conseguiram procurar vagas formais ou informais em razão da pandemia ou da escassez de oportunidades. O grupo, segundo o IBGE, pode reunir profissionais que foram demitidos recentemente, mas não chegaram a buscar recolocação. No país, o contingente foi estimado em 5,3 milhões.
O Estado ainda somava à época 480 mil desempregados. São pessoas que estavam sem ocupação e seguiam em busca de novas oportunidades, mesmo com as restrições impostas pelo avanço da covid-19.
– O número de desempregados só não é maior agora porque tem gente que perdeu o trabalho, mas não sai de casa para procurar – reforça Patrícia.
Analistas afirmam que incertezas relacionadas ao comportamento da pandemia dificultam projeções mais detalhadas para o mercado de trabalho. No momento, a principal leitura é de que a reação tende a ocorrer em ritmo lento.
Em meio à crise do coronavírus, o governo federal sinalizou nas últimas semanas que pretende estender o auxílio emergencial e a autorização para suspensão de contratos ou corte de jornada e salários. As ações buscariam recompor parte da renda perdida por uma parcela dos trabalhadores, incluindo informais, e preservar empregos com carteira assinada. Na visão de analistas, as medidas podem diminuir prejuízos, mas é preciso ir além.
Desde o início da pandemia, um dos principais gargalos enfrentados pelas empresas é no acesso a crédito. Pesquisa lançada pelo Sebrae-RS no mês passado estima que 39% dos micro e pequenos negócios buscaram financiamento no Estado. Desses, apenas 33% conseguiram obter empréstimos.
– Bato na tecla de que é preciso auxiliar as pequenas e médias empresas. A ajuda ainda não chegou. Houve a abertura de linhas de crédito com taxas de juro menores, mas não existem mecanismos para implementá-las. Precisamos de uma política de empréstimos. Além disso, é necessário manter o auxílio emergencial pelo menos até o fim do ano – avalia o economista Ely José de Mattos, professor da Escola de Negócios da PUCRS.
Analistas também mencionam que, no pós-pandemia, uma forma de estimular a economia e a geração de empregos seria a realização de obras de infraestrutura. As dificuldades fiscais vividas pelo país, entretanto, dificultam grandes desembolsos públicos na área, diz Fábio Pesavento, professor da ESPM em Porto Alegre. Para atrair aportes privados, acrescenta o economista, será preciso avançar na reforma tributária.
– Temos atrativos para oferecer a investidores estrangeiros, mas é fundamental deixar as regras claras. A reforma tributária é primordial. Atingiria toda a economia – frisa Pesavento.
Por ora, uma das questões que preocupam empresários é o abre e fecha dos negócios. O Rio Grande do Sul, por exemplo, decidiu aumentar restrições nas últimas semanas em razão do avanço no número de casos de coronavírus.
– Essa intermitência é muito complicada para as empresas – ressalta a economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo.