Abalada por dificuldades de infraestrutura nos últimos anos, a energia eólica tem sopro de otimismo no Rio Grande do Sul. Após idas e vindas, o Estado registra avanço em obras cruciais para destravar projetos de geração de eletricidade a partir do vento. Essas melhorias integram pacote com investimento previsto de R$ 5,3 bilhões em novas linhas de transmissão e subestações.
O governo estadual e empresas envolvidas afirmam que os trabalhos seguem durante a pandemia, apesar das restrições impostas pelo coronavírus. As obras pertencem a cinco lotes de empreendimentos, leiloados em dezembro de 2018, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Segundo o cronograma estipulado à época pela Aneel, as construções têm de ser finalizadas em prazo de quatro a cinco anos após a assinatura dos contratos, celebrada em março de 2019. Ou seja, até o primeiro trimestre de 2023 ou 2024. Mas tanto o governo do Estado quanto empresas projetam que o intervalo será reduzido em parte dos lotes.
A previsão da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura é de que uma parcela das obras seja entregue ao longo de 2021. O pacote abrange 2,9 mil quilômetros de novas linhas e 10 subestações.
O segmento de transmissão de energia é responsável por conduzir a eletricidade produzida em usinas e parques até a rede de distribuição. Essa, por sua vez, faz a conexão com os endereços dos consumidores. O problema gaúcho é que a capacidade de absorver mais geração se esgotou diante das dificuldades de escoamento.
Por isso, o Estado precisa do reforço nas linhas e subestações. Sem elas, novos projetos não conseguem sair do papel, e o segmento de energia eólica é atingido em cheio. Ao realizar o leilão em 2018, a Aneel frisou que as obras seriam destinadas, principalmente, a "integrar" o potencial desse setor.
— Em 2019, chamamos os consórcios vencedores do leilão para conversar. Fizemos um trabalho de ordenamento dos licenciamentos, para que a entrega de linhas de transmissão fosse antecipada. As obras seguem durante a época de pandemia — relata o secretário estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos Júnior.
O Rio Grande do Sul é a quarta força em energia eólica no país. Está atrás de trio da Região Nordeste: Rio Grande do Norte, Bahia e Ceará. A capacidade instalada nos 80 parques gaúchos dependentes do vento é de cerca de 1,8 mil megawatts (MW).
Desde 2017, o poder de geração está estacionado nessa faixa, devido aos obstáculos de transmissão. A título de comparação, o Rio Grande do Norte, líder nacional, alcançou a marca de 4,5 mil MW. O dado consta em boletim de junho da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica).
A partir das obras, a expectativa de representantes do setor é de que novos empreendimentos ganhem corpo. Hoje, os projetos de parques eólicos no Rio Grande do Sul somam 10,5 gigawatts (GW) em potência instalada, o equivalente a 10,5 mil MW, de acordo com dados da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura.
As propostas estão em diferentes fases de licenciamento junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Não há garantia de que todas avançarão com as novas linhas e subestações, mas a quantidade de projetos pode turbinar os números gaúchos nos próximos anos.
— Com as obras, o que era um entrave técnico deixa de existir — pontua o empresário gaúcho Ricardo Pigatto, presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel).
A fonte eólica representa 21% de toda a capacidade instalada do setor elétrico gaúcho (9 GW). É a segunda maior na matriz do Estado, dividindo o posto com as usinas termelétricas fósseis (21%). A liderança segue com a hidrelétrica, que responde por 51% de todo o potencial.
— A partir das obras, há uma janela de oportunidades para os próximos anos — analisa Guilherme Sari, presidente do Sindicato das Indústrias de Energias Renováveis do Estado (Sindienergia-RS).
Grande parcela do investimento de R$ 5,3 bilhões integrava o chamado Lote A, que mergulhou em impasse a partir de 2014. À época, a Eletrosul, subsidiária da Eletrobras, venceu o leilão para fazer as obras. Mas, diante da crise em suas finanças, buscou parceria com os chineses da Shanghai Electric.
Em setembro de 2018, quando havia esperança de que o acordo pudesse desengavetar os empreendimentos, os asiáticos comunicaram a desistência. Assim, a Aneel cassou a concessão da Eletrosul. Três meses depois, promoveu outro leilão, dividindo as obras em lotes menores.
Impacto no mercado de trabalho
Ao promover o leilão de linhas de transmissão e subestações, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) projetou, em dezembro de 2018, que quase 12,9 mil empregos diretos poderiam ser gerados com a construção dos cinco lotes que atingem o Estado. Esses trechos foram batizados como 10, 11, 12, 13 e 14.
No Brasil, a estimativa apontava para 28 mil novas vagas. As previsões contemplam todo o período de construção das estruturas.
Para saber como está a geração de empregos no Estado, GZH questionou as empresas responsáveis pelas obras. A única que detalhou os números de novas vagas de trabalho até o momento foi a Taesa.
A companhia é responsável pelo Lote 12. Conforme a Aneel, o conjunto de obras pode gerar cerca de 1,5 mil empregos.
A Taesa menciona que essa estimativa deve ser alcançada no pico dos trabalhos. Até o momento, o Lote 12 abriu 300 vagas. As demais devem ser preenchidas com a evolução do projeto. As empreiteiras contratadas para construir as estruturas buscarão os profissionais necessários, diz a Taesa.
O lote com a maior quantidade de empregos previstos no Estado é o 10. A estimativa da Aneel indica 6,1 mil novas vagas até o final das obras nesse trecho, que está nas mãos do Consórcio Chimarrão.
Em nota, a Cymi Construções, integrante do consórcio, afirma que está "contratando, sempre que possível, mão de obra local, criando empregos diretos e indiretos", mas não cita números.
Os empreendimentos
Lote 10
Vencedor: Consórcio Chimarrão
O que prevê: 1,2 mil quilômetros de linhas de transmissão e duas subestações
Prazo para término das obras: quatro anos
Investimento estimado: R$ 2,4 bilhões
O que dizem os responsáveis: a Cymi Construções, integrante do consórcio vencedor, afirma que os trabalhos seguem na pandemia. A empresa relata que a expectativa é de antecipação das obras em quase dois anos. Essa previsão já havia sido comunicada pela companhia ao governo do Estado em 2019. Assim, as melhorias seriam finalizadas em 2021
Municípios impactados: Candiota, Pinheiro Machado, Piratini, São Jerônimo, Canguçu, Eldorado do Sul, Amaral Ferrador, Dom Feliciano, Camaquã, Cerro Grande do Sul, Barão do Triunfo, Sertão Santana, Mariana Pimentel, Guaíba, Dois Irmãos, Ivoti, Lindolfo Collor, Capela de Santana, Montenegro, Portão, São Sebastião do Caí, Araricá, Gravataí, Nova Hartz, Novo Hamburgo, Sapiranga, Charqueadas, Triunfo, Nova Santa Rita, Rio Grande, Capão do Leão, Pelotas, Turuçu, São Lourenço do Sul, Cristal, Camaquã, Sentinela do Sul, Barão do Triunfo, Arroio dos Ratos, Santa Vitória do Palmar, Rio Grande, Capão do Leão, Arroio Grande, Guaíba e Porto Alegre
Lote 11
Vencedora: CPFL
O que prevê: 85,4 quilômetros de linhas de transmissão e três subestações
Prazo para término das obras: quatro anos
Investimento estimado: R$ 348,9 milhões
O que dizem os responsáveis: o projeto segue na pandemia, "visto que a obra é considerada essencial e de utilidade pública". Na Capital, a empresa está implantando duas linhas de transmissão de energia elétrica subterrâneas. A companhia acrescenta que a entrega das obras deve ocorrer em "tempo inferior" ao prazo estabelecido pela Aneel
Municípios impactados: Porto Alegre, Vila Maria, Caraá, Osório, Santo Antônio da Patrulha, Canoas, Esteio, Glorinha, Gravataí e Sapucaia do Sul
Lote 12
Vencedora: Taesa
O que prevê: 587 quilômetros de linhas de transmissão e duas subestações
Prazo para término das obras: quatro anos
Investimento estimado: R$ 610,3 milhões
O que dizem os responsáveis: as obras estão em andamento, apesar de "paralisações parciais" em razão da crise do coronavírus. A Taesa afirma buscar o "cumprimento do cronograma de entrega"
Municípios impactados: Santana do Livramento, Quaraí, Alegrete, Rosário do Sul, São Gabriel, Cacequi, Dilermando de Aguiar, Santa Maria, Itaqui e Maçambará
Lote 13
Vencedora: a Sterlite arrematou o lote, mas, em 2020, vendeu o projeto, batizado de Pampa, para consórcio que envolve a Cymi Construções
O que prevê: 316 quilômetros de linhas de transmissão e uma subestação
Prazo para término das obras: quatro anos
Investimento estimado: R$ 776,8 milhões
O que dizem os responsáveis: a Cymi relata que "os trabalhos de implantação do empreendimento foram iniciados e estão em avanço, respeitando o cronograma do contrato de concessão"
Municípios impactados: Capivari do Sul, Alvorada, Viamão, Dois Irmãos, Ivoti, Lindolfo Collor, Taquara, Capela de Santana, Montenegro, Portão, São Sebastião do Caí, Santo Antônio da Patrulha, Araricá, Eldorado do Sul, Glorinha, Nova Hartz, Parobé, Sapiranga, Charqueadas, Triunfo e Gravataí
Lote 14
Vencedora: Neoenergia
Extensão: 769,3 quilômetros de linhas de transmissão e duas subestações
Prazo para término das obras: cinco anos
Investimento estimado: R$ 1,2 bilhão
O que dizem os responsáveis: a empresa afirma que segue com a construção como previsto no plano de negócios, "apesar de interferências pontuais no calendário da obra, por conta da pandemia"
Municípios impactados: Rio Grande, Capão do Leão, Pelotas, Turuçu, Cristal Camaquã, São Lourenço do Sul, Cerro Grande do Sul, Sertão Santana, Mariana Pimentel, Guaíba, Eldorado do Sul, Capivari do Sul, Osório, Santo Antônio da Patrulha, Caraá, Rolante, Taquara, São Francisco de Paula, Jaquirana, Cambará do Sul, São José dos Ausentes, Timbé do Sul, Santana do Livramento, Rosário do Sul, São Gabriel, Cacequi, Dilermando de Aguiar, Santa Maria, Charqueadas, Triunfo, Montenegro, Nova Santa Rita e Capela de Santana. O projeto também busca reforçar o atendimento elétrico em municípios de Santa Catarina (Morro Grande, Nova Veneza, Siderópolis, Forquilhinha, Treviso e Urussanga)