A desistência da Shanghai Electric do investimento de cerca de R$ 4 bilhões em linhas de transmissão no Rio Grande do Sul abala o ânimo do setor de energia e deve atrasar novas iniciativas na área. A confirmação da renúncia dos chineses ao empreendimento foi comunicada pela empresa à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nesta sexta-feira (21). A informação foi antecipada pela colunista de Zero Hora Marta Sfredo.
O investimento bilionário, que integra o Lote A, previa a construção de 1,9 mil quilômetros de linhas de transmissão no Rio Grande do Sul. O conjunto de obras, que deveria ser entregue em 2022, ampliaria em 4,8 mil megawatts (MW) a capacidade de o Estado escoar energia.
A Eletrosul havia vencido o leilão para a realização dos trabalhos em novembro de 2014, mas a crise em suas finanças impediu o avanço do projeto. Quase três anos depois, em outubro de 2017, a Aneel aprovou acordo que transferiu a responsabilidade pelo controle do investimento da subsidiária da Eletrobras para a Shanghai Electric.
No último mês de agosto, o governo do Estado convocou cerimônia no Palácio Piratini, em Porto Alegre, para a assinatura do contrato entre as empresas e uma nova parceira, a Zhejiang Energy, que ajudaria a financiar as obras. Para o avanço do investimento, as partes envolvidas chegaram a formar uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), batizada de SZE Transmissora de Energia Elétrica S/A.
Na manifestação enviada à Aneel nesta sexta-feira, a Shanghai Electric afirmou que a SZE "não apresentará a garantia de fiel cumprimento" das medidas estabelecidas no documento. Com o revés, espera-se que o projeto do Lote A passe a integrar novo leilão, a ser realizado pela Aneel, em dezembro deste ano, em busca de eventuais interessados.
Caso se concretizassem, os empreendimentos previstos dariam fôlego ao setor elétrico gaúcho. Segundo avaliação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão que responde pela administração do conjunto de usinas e linhas no país, o Rio Grande do Sul não tem, no momento, condições de receber mais geração de energia por falta de conexão com a rede de transmissão.
— A desistência do projeto representa mais um atraso. Deve haver a licitação em dezembro. Depois, os trâmites de viabilidade podem levar cerca de um ano. A partir disso, serão necessários mais 48 meses para a construção. Ou seja, são pelo menos cinco anos de espera, sem expansão de grandes projetos térmicos e eólicos — avalia Ricardo Pigatto, presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel).
Em documento endereçado a investidores, a Eletrobras comentou no começo da noite de sexta-feira a desistência dos chineses. "A Shanghai Electric Group Co. Ltd informou à Aneel — Agência Nacional de Energia Elétrica, por meio da correspondência protocolada, que desistiu da negociação e não entregará a garantia de fiel cumprimento ao contrato de concessão Aneel Nº 001/2015, providência essa indispensável para que a SZE Transmissora de Energia S. A receba a referida concessão (...). A companhia manterá o mercado informado acerca do assunto objeto deste comunicado", diz o texto.
Por meio de nota, a Secretaria Estadual de Minas e Energia disse que recebeu a notícia "com surpresa" e que o próximo passo da Aneel "será iniciar o processo de declaração de caducidade da concessão na próxima terça-feira (25). Neste processo, a Eletrosul deverá ter prazo pré-determinado para apresentar sua defesa e/ou nova alternativa de assunção deste negócio".
Leia a manifestação na íntegra:
É com surpresa que recebemos a notícia de que a Shanghai Electric não vai apresentar garantia para assinar o Termo Aditivo ao Contrato de Concessão nº 001/2015, em que se compromete a realizar investimento de R$ 4 bilhões no Rio Grande do Sul. Este comprometimento foi reiterado pela recente abertura da Sociedade de Próposito Específico (SPE) no estado, além de suas declarações públicas de interesse sobre este negócio estratégico.
Com a apresentação da carta de renúncia da Shanghai, o próximo passo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) será iniciar o processo de declaração de caducidade da concessão na próxima terça-feira (25). Neste processo, a Eletrosul deverá ter prazo pré-determinado para apresentar sua defesa e/ou nova alternativa de assunção deste negócio.
Reafirmamos a importância estratégica do empreendimento do Lote A não somente pela sua capacidade de escoar energia — especialmente nos novos parques eólicos em projeto no Estado — bem como a sua importância como investimento, gerando emprego e renda.
A cronologia do impasse
29 de dezembro de 2016
Diante das dificuldades financeiras da Eletrosul e apontando "risco iminente de não cumprimento das obrigações contratuais", a Aneel apresenta um relatório de falhas e transgressões à legislação e ao contrato.
20 de junho de 2017
Confrontada com a perda da concessão, a Eletrosul apresenta à Aneel um plano de transferência do contrato para a empresa chinesa Shanghai Electric.
24 de outubro de 2017
A Aneel aprova a transferência de controle societário, deixando claro que é uma "alternativa à extinção da outorga", e define prazo de 180 dias para a conclusão do processo.
27 de abril de 2018
Eletrosul explica motivos para o não atendimento do prazo e solicita mais 120 dias.
3 de julho de 2018
A Aneel aceita a prorrogação do prazo e adverte que, em caso de descumprimento, determinaria a caducidade do contrato.
27 de agosto de 2018
No Palácio Piratini, é anunciado o acordo entre a Eletrosul e as empresas asiáticas.
28 de agosto de 2018
É solicitada autorização prévia para transferência da concessão à Sociedade de Propósito Específico SZE Transmissora de Energia Elétrica S/A, e encaminhada documentação de habilitação.
29 de agosto de 2018
A Superintendência de Concessões, Permissões e Autorizações de Transmissão e Distribuição solicita a complementação de documentação de habilitação.
4 de setembro de 2018
A SZE apresenta documentação complementar e solicita o prazo adicional para a entrega da Certidão de Equivalência aos Documentos para Habilitação, exigida nos editais para empresas estrangeiras.
11 de setembro de 2018
A SZE complementa a documentação de habilitação.
21 de setembro de 2018
A Shanghai Electric afirma que a SZE "não apresentará a garantia de fiel cumprimento" das medidas previstas em contrato, o que provoca novo revés ao projeto.