As demissões de trabalhadores mais velhos, que integram grupo de risco da covid-19, aceleraram durante a pandemia. De março a junho, o Rio Grande do Sul teve 4,3 mil desligamentos de profissionais com 65 anos ou mais. O número representa alta de 47,1% frente a igual período de 2019 (2,9 mil). Em termos percentuais, trata-se do maior avanço por faixa etária no Estado.
Os dados refletem cortes ou pedidos de demissão de trabalhadores com carteira assinada. As estatísticas fazem parte do Caged, o cadastro de empregos formais do Ministério da Economia.
De março a junho, a faixa etária imediatamente anterior, de 50 a 64 anos, registrou a segunda maior alta percentual nos desligamentos. Conforme o Caged, essa parcela teve 43,1 mil demissões, avanço de 13,3% em relação a igual período de 2019 (38 mil).
No Rio Grande do Sul, o primeiro caso de coronavírus foi confirmado em março. O fato de pessoas com mais de 60 anos pertencerem ao grupo de risco da covid-19 é um dos motivos que podem explicar, em parte, os cortes de empregos, dizem economistas.
Além disso, profissionais com mais experiência tendem a apresentar salários maiores em setores diversos. Contudo, em momentos de crise, estão sujeitos a entrar na mira de demissões, já que empresas buscam enxugar despesas e preservar o caixa.
– Uma das questões que podem explicar o fenômeno é o grupo de risco. Outro ponto está relacionado à experiência acumulada ao longo da carreira. O capital humano representa um dos elementos importantes na remuneração do trabalhador. Muitas vezes, as empresas cortam custos como estratégia de sobrevivência – analisa Oscar Frank, economista-chefe da CDL Porto Alegre.
No sentido contrário ao dos profissionais mais velhos, os trabalhadores de 25 a 29 anos viram o número de demissões encolher durante a pandemia. De março a junho, foram 60,2 mil desligamentos no Estado, baixa de 10,2%, a maior entre as faixas etárias.
No total, o Rio Grande do Sul teve 364,5 mil demissões no período. Apesar da crise, o número sinaliza recuo de 4,1% em relação a 2019. O que chama atenção é que, em igual intervalo, a quantidade de contratações diminuiu mais. Foram 233,6 mil admissões, tombo de 36% na comparação com o recorte de março a junho do ano passado.
Ou seja, embora o número geral de cortes tenha caído, a crise dificultou – e muito – a abertura de novos postos formais. Segundo analistas, a criação de oportunidades dependerá do ritmo de reação da economia.
No Estado, o saldo de empregos, que mede a diferença entre contratações e demissões, ficou negativo em 130,9 mil vagas de março a junho. Isso significa que, em termos absolutos, os cortes superaram as admissões no período, reflexo direto da crise do coronavírus. Em 2019, o saldo de fechamento havia sido inferior, de cerca de 15 mil vagas.
– Hoje, temos políticas autorizadas pelo governo federal para preservação de empregos. As medidas não favorecem a criação de vagas, mas evitam demissões – pontua Frank, em referência a ações como suspensão de contratos ou corte de jornada de funcionários.
Avanço no Brasil
A alta nos desligamentos de trabalhadores mais velhos não é exclusividade do Rio Grande do Sul. No país, onde a pandemia começou antes, também houve elevação nos últimos meses. Balanço do primeiro semestre aponta que quase 67 mil profissionais com 65 anos ou mais saíram do emprego, o que representa crescimento de 25%.
Aprovada no ano passado, a reforma da Previdência instituiu idade mínima para aposentadoria no Brasil – de 65 anos para homens e de 62 para mulheres. Com as mudanças, o desafio de conseguir empregar trabalhadores por mais tempo deve crescer no pós-pandemia, avalia o economista Ely José de Mattos, professor da Escola de Negócios da PUCRS.
– Vamos ter uma dificuldade maior para recolocação de trabalhadores mais velhos. Quando empresas retomarem as atividades, a tendência é de que não estejam entre os primeiros contratados. Setores intensivos em mão de obra costumam buscar antes funcionários mais jovens. Além disso, existe um preconceito com os mais velhos, não só no Brasil – aponta Ely.
Horizonte carregado de incertezas
Analistas mencionam que o mercado de trabalho pode ter deixado o fundo do poço para trás. Entretanto, o horizonte para os próximos meses está carregado de incertezas. Isso significa que a retomada dependerá, em grande parte, do cenário da pandemia.
Um dos indícios de que a pior fase da crise pode ter ficado no retrovisor é o alívio nos pedidos de seguro-desemprego. Em julho, o Rio Grande do Sul teve 32,7 mil solicitações do benefício – voltado a trabalhadores formais demitidos sem justa causa. Trata-se do menor volume desde fevereiro (27,8 mil), quando a covid-19 ainda não causava prejuízos para empresas e famílias gaúchas.
Economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank entende que a reação dos negócios no pós-pandemia tem de ser estimulada pela agenda de reformas no país:
– O cenário ainda é de preocupação, os riscos seguem elevados. Precisamos de um bom ritmo de crescimento da economia para que as pessoas prejudicadas voltem ao mercado de trabalho. Quanto mais tempo ficam afastadas, mais difícil é a recolocação. A única saída para colocar o país em outro patamar é a agenda de reformas.
Para tentar mitigar os efeitos da crise, o governo federal aderiu nos últimos meses a medidas como o auxílio emergencial de R$ 600, direcionado a grupos como o de trabalhadores informais. Professor da Escola de Negócios da PUCRS, o economista Ely José de Mattos considera que, apesar das dificuldades fiscais, o país não pode abandonar totalmente esse tipo de suporte ao longo do segundo semestre.
– Há uma escalada de otimismo com alguns indicadores positivos da economia nas últimas semanas. Mas essa melhora é sinal de que o país tem de manter algum tipo de auxílio, não necessariamente no valor atual. A retomada da economia deve seguir, mas de forma muito desigual entre os setores. Há uma série de incertezas, só que não podemos enxergar terra arrasada – frisa Ely.