Em manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso se junta a críticos do fatiamento da Petrobras para privatização e cria novo foco de tensão com o governo, a quem acusa de usar subterfúgios para encolher estatais sem autorização legislativa. Na petição, os parlamentares solicitam ser incluídos como parte interessada em ação sobre a venda de subsidiárias de estatais, alegando que a Petrobras burla decisão do tribunal ao separar refinarias em novas subsidiárias para venda.
A empresa não comenta o assunto, mas a avaliação interna é que a ação tem motivação política e cria insegurança jurídica em negociações já em curso. No centro da disputa está a abertura de processo para a venda de oito das 13 refinarias da empresa, mantendo apenas as unidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.
"A Petrobras está instituindo empresas para alienar parte integrante do seu patrimônio direto, e portanto desvirtuando a autorização legal para a criação de novas subsidiárias com o objetivo de não submeter a venda de seus ativos ao procedimento licitatório e autorização legislativa", diz manifestação enviada pelo Congresso ao STF na quinta-feira (2).
O texto se refere à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5624, de junho de 2019, na qual o tribunal decidiu que a venda de subsidiárias de estatais não precisam de autorização do Congresso, necessária apenas se o governo decidir vender a "empresa-mãe".
A ação foi movida por funcionários da Caixa Econômica Federal e da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), que questionavam artigo da Lei das Estatais, aprovada pelo governo Michel Temer em 2016.
Em sua manifestação ao STF, os parlamentares destacam que o governo não avançou na venda de nenhuma estatal de controle direto, mas vem avançando na venda de subsidiárias, com 71 ativos alienados. Por isso, pede à Corte que esclareça a decisão sobre venda de subsidiárias para evitar "tentativas de burla à exigência de autorização legislativa para alienar controle acionário das estatais". "Isso porque, a fim de atingir metas de desestatizações e de desinvestimentos, estão em curso subterfúgios que possibilitam encolher o tamanho das empresas-matrizes ilimitadamente", afirma o texto.
Desde 2015, quando implantou seu plano de venda de ativos, a Petrobras já se desfez de diversas subsidiárias existentes, como as empresas de gasodutos Transportadora Associada de Gás (TAG) e Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e as petroquímicas Suape e Citepe. Também vendeu na Bolsa 62,5% das ações da BR Distribuidora.
Os processos foram questionados na Justiça por sindicatos de petroleiros, mas sem sucesso. A venda da TAG chegou a ser debatida também no STF, que derrubou liminar contrária ao negócio, de R$ 33,5 bilhões, obtida pelos sindicatos no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A estratégia de criar novas subsidiárias para vender ativos é mais evidente no negócio de refino, já que as refinarias não têm CNPJ próprio e sua transferência a uma nova empresa facilita as negociações ao separar previamente passivos que poderiam criar insegurança ao comprador.
Líder de Frente Parlamentar em Defesa da Petrobras e articulador da manifestação do Congresso ao STF, o senador Jean-Paul Prates (PT-RN) defende que as refinarias são ativos essenciais para a atividade da Petrobras e a redução da presença estatal no segmento desvirtua a intenção de criação da empresa, em 1953.
— Uma coisa é um negócio em que a empresa entrou, não gostou e quer vender, como parque eólico, energia solar, mineração e até petroquímica — argumenta. — Essas aí a gente entende que, mesmo sendo subsidiárias, são subsidiárias que não fazem parte da coluna vertebral da empresa e podem ser objeto de decisão meramente administrativa.
Ele diz que a Lei do Petróleo, de 1997, permitiu à Petrobras constituir subsidiárias "para o estrito cumprimento de atividades do seu objeto social". A criação de empresas para a venda de ativos, diz a manifestação do Congresso, pode ser uma estratégia para driblar "o controle congressual na venda do patrimônio público".
A Petrobras diz que vende ativos para reduzir seu endividamento e buscar recursos para investir nas reservas gigantes de petróleo do pré-sal. O plano, que tem o apoio do mercado financeiro, prevê a saída total de negócios considerados não prioritários, como energia, biocombustíveis e petroquímica, por exemplo.
A partir do governo Temer, ganhou apoio político para vender também refinarias, com o argumento de que o monopólio estatal no setor prejudica tanto o consumidor quanto a própria empresa. Em 2019, com apoio da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) assinou acordo com a empresa determinando a redução de sua participação no segmento, processo que enfrenta a resistência de sindicatos e foi alvo de uma greve no início do ano.
A entrada do Congresso no debate gerou resposta da área econômica do governo. Na segunda-feira (6), em nota conjunta, os ministérios da Economia e de Minas e Energia disseram que "reforçam a necessidade de se fazer cumprir a decisão do STF e apoiam o processo de transição do segmento de refino para um quadro de maior pluralidade de agentes".
No mesmo dia, em evento virtual promovido pela corretora XP, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, evitou comentários sobre o assunto, mas disse:
— Estamos muito confiantes de que estamos fazendo a coisa certa e, se estamos fazendo a coisa certa, não há o que temer.
Dentro da estatal, a ação do Congresso foi recebida com surpresa. No fim de junho, a companhia recebeu propostas pela Refinaria Landulpho Alves, na Bahia, que está em fase mais avançada de negociações. Nas próximas semanas, espera propostas pela Refinaria Presidente Vargas, no Paraná.
Associação que reúne as petroleiras com operações no país, o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) criticou a ação, alegando que o país requer regras claras para atrair investimentos.
— Ao colocar isso em risco, cria-se uma ameaça à mobilização de empresas nacionais e internacionais que participam deste e de outros processos (de venda de ativos) — disse.
Para o advogado Alexandre Chequer, sócio do escritório Tauil & Chequer Advogados, a petição do Congresso foca em uma "tecnicalidade", já que a criação de uma subsidiária é apenas um instrumento jurídico para permitir a transferência do ativo.
— Estão reabrindo a discussão por uma questão política — afirma.
— Na leitura do governo, precisa de autorização para vender apenas o controle acionário. Mas, se você transformar toda a sua companhia em subsidiária e começar a privatizar, daqui a pouco você pode reduzir a empresa a um escritório — rebate o advogado Ângelo Remédio, do escritório Garcez Advogados, que representa sindicatos em ações contra venda de ativos.
Um dos autores da lei que quebrou o monopólio estatal em 1997, o senador Prates defende que não há ideologia nas críticas à venda de ativos, mas que os planos da empresa, que preveem a saída de diversos Estados e foco na região Sudeste, deveriam ser objeto de debate.
— É uma total reconfiguração do papel estatal da Petrobras. E isso tem que passar pelo Congresso — diz.