O presidente Jair Bolsonaro sancionou, com vetos, o novo marco legal do saneamento nesta quarta-feira (15). O texto abre espaço para a iniciativa privada atuar com mais força na exploração dos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto.
Aprovada pelo Senado no final de junho, a lei é apontada como instrumento crucial para a recuperação econômica pós-pandemia do coronavírus. Participaram da cerimônia, entre outros ministros, os chefes da pasta de Economia, Paulo Guedes, e de Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Bolsonaro marcou presença por videoconferência.
Um dos principais pilares do novo marco é proibir que empresas públicas estaduais — que atualmente dominam o setor — fechem contratos sem licitação com os municípios, que são os titulares dos serviços de saneamento. Com isso, se espera que a iniciativa privada participe mais ativamente desse mercado.
A expectativa é de que, com a nova lei, haja uma onda de privatizações e investimentos de empresas no setor.
— Esperamos de R$ 600 bilhões a R$ 700 bilhões em investimentos em saneamento nos próximos anos — comentou Guedes.
— O marco do saneamento dá perspectiva de universalização concreta, real e efetiva — disse Marinho. — Temos carteira de mais de R$ 50 bilhões pronta para ser oferecida ao setor privado — acrescentou.
A nova lei também estabelece metas para a universalização dos serviços. Até o fim de 2033, as empresas do setor terão de garantir o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto. Quem ainda não possui metas contratuais terá de incluí-las, por aditivo, até março de 2022, sob risco de ter o contrato encerrado.
Para que cidades pouco atrativas financeiramente não sejam escanteadas nos investimentos privados, o projeto de lei do saneamento cria a figura dos "blocos". Dessa forma, será possível unir, para a prestação de serviços, municípios lucrativos aos menos atrativos.
O texto também institui a Agência Nacional de Águas (ANA) como órgão formulador de diretrizes regulatórias para o setor, inclusive a definição das tarifas pagas pelos consumidores. A ideia é centralizar na ANA a edição de "normas de referência" para serem adotadas pelas agências reguladoras estaduais e empresas do setor.
Vetos
Ao sancionar o texto, o presidente vetou, ao todo, 11 trechos do novo marco do saneamento legal. Eles devem ser analisados pelo Congresso, que pode derrubá-los e retomar os dispositivos aprovados inicialmente. São eles:
Resíduos sólidos e drenagem
O governo vetou todo o artigo que desobrigava a licitação para serviços de resíduos sólidos e drenagem, segundo assessoria de imprensa da República. O veto é parte de um acordo do governo com o Senado. Da forma como foi aprovado pelo Congresso, o novo marco só obrigaria a concorrência para os serviços de água e esgoto, o que gerou forte reação das empresas privadas que trabalham com resíduos sólidos.
A indignação com o trecho do marco, agora barrado, ganhou ainda mais força após a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) fechar no início do mês um contrato para tratar resíduos sólidos em Diadema (SP). O negócio tem prazo de 40 anos.
De acordo com o presidente-executivo da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), Luiz Gonzaga, o setor de resíduos sólidos é dominado há anos por empresas privadas e pela livre concorrência, com quase "zero influência" de companhias públicas. Ele alegou que as empresas públicas não têm nenhuma expertise na área. Por isso, disse ele, não faz sentido que a lei traga essa desobrigação.
— Se não é bom (contrato sem licitação) para água e esgoto, por que tem que ser para resíduos e drenagem? — questionou.
Renovação de contratos de estatais
O presidente também vetou trecho que autorizava que as estatais renovassem por mais 30 anos os contratos de programa (sem licitação) atuais e vencidos, desde que isso ocorresse até março de 2022. O prazo também valeria para formalização das "situações de fato", quando há prestação de serviço sem contrato assinado.
Essa sobrevida aos contratos, agora barrada, é considerada importante para as estatais porque o marco legal proíbe que novos contratos sem licitação sejam fechados. Agora, a concorrência será uma regra no setor, o que vai de encontro ao domínio das empresas públicas nesse mercado.
Em nota divulgada para a imprensa, o Planalto alegou que o artigo posterga soluções para os impactos ambientais e de saúde pública decorrentes da falta de saneamento básico e da gestão inadequada da limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. "Ademais, os dispositivos foram vetados por estarem em descompasso com os objetivos do novo marco legal do saneamento básico, que orientam a celebração de contratos de concessão, mediante prévia licitação, estimulando a competitividade da prestação desses serviços com eficiência e eficácia, o que por sua vez contribui para melhores resultados."
Privatização
Ao sancionar o novo marco legal do saneamento, Bolsonaro vetou trechos de artigo que trata dos processos de privatização de empresas estatais de saneamento, segundo nota divulgada pela assessoria da Presidência.
Nos casos em que há venda do controle acionário da estatal, com substituição do contrato de programa (fechado sem licitação), o dispositivo barrado define que caso os entes públicos decidam pela não anuência à proposta, eles assumam a prestação dos serviços, mediante a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados.
Em comunicado à imprensa, o Planalto afirmou que os dispositivos criavam uma nova regra para indenização de investimentos não amortizados das prestadoras de saneamento, gerando insegurança jurídica. "Ademais, como não é possível na prática a distinção da receita proveniente de tarifa direcionada para um ativo, haveria inviabilidade de pagamento da indenização", afirmou