A mudança de hábitos de consumo no período de distanciamento social poderá trazer reflexos após o fim da pandemia de coronavírus, na avaliação de consultores de varejo. Com o prolongamento da crise sanitária por tempo indeterminado, situações até então inéditas no cotidiano das pessoas, como trabalhar ou realizar exercícios dentro de casa, tendem a se tornar corriqueiras e podem impactar a demanda por produtos e serviços permanentemente.
— O setor de serviços como um todo deve ser impactado. Uma pessoa que ia sempre na academia ou cortava o cabelo no salão a cada mês pode mudar esse hábito. O grande desafio é como ficará a jornada de compra na retomada. O varejo e a indústria vão ter de se acostumar com um consumidor menos receoso de comprar online — avalia Fernando Baialuna, diretor da GfK.
O especialista também vê o setor de entretenimento como um dos mais afetados negativamente, já que as pessoas deverão ir menos a casas noturnas ou ao cinema, por exemplo. Por outro lado, Baialuna acredita que o hábito de realizar compras de produtos básicos pela internet, como alimentos e bebidas, tende a se manter.
Acostumado a frequentar a academia cinco vezes por semana, o personal trainer Ricardo Volpato teve de mudar sua rotina em razão da pandemia. Para fazer seus treinos dentro de casa, o porto-alegrense se municiou de halteres, colete de peso, elásticos e tapete de ioga. Tudo foi comprado pela internet. Volpato ainda deve reforçar a academia caseira nos próximos dias:
— Venho refletindo que vai ser possível ficar mais em casa para treinar, mesmo quando as academias voltarem a abrir. Também vejo que poderei usar a internet para atender meus alunos.
Na avaliação do vice-presidente da Box 1824, Gabriel Milanez, ainda é cedo para entender o tamanho das transformações que a pandemia provocará nas decisões relacionadas ao consumo. Ainda assim, a mescla entre hábitos reais e virtuais deve se intensificar, marcando um divisor de águas antes e depois da pandemia.
— Ao final do isolamento, as pessoas terão mais repertório. Não significa que farão tudo online ou tudo presencialmente. Mas o consumo vai ser ressignificado, irá se complementar mais — projeta.
Lojistas intensificam migração para o digital
Ainda que crescente nos últimos anos, a entrada de pequenos lojistas no comércio eletrônico ganhou impulso durante a pandemia de coronavírus. Com os estabelecimentos físicos fechados ou funcionando com restrições, muitas empresas tiveram de se adaptar às pressas para poder vender seus produtos na internet e atenuar prejuízos ocasionados pela crise.
Nas últimas semanas, diversas plataformas de varejo digital no país receberam novos cadastros de empresas. O Magazine Luiza lançou em março um serviço voltado a lojistas e vendedores autônomos impactados pela pandemia, que nos últimos 30 dias recebeu mais de 120 mil cadastros.
— Planejávamos lançar essa plataforma em outro momento, mas se viu que, com o isolamento, mais de 5 milhões de pequenos varejistas e autônomos precisavam de uma plataforma para vender — relata Eduardo Galanternick, diretor executivo de e-commerce da rede.
Movimento parecido também foi verificado no Mercado Livre. Apesar de não abrir números, a empresa ressalta que a quantidade de novos usuários cadastrados para vender teve um incremento na crise do coronavírus. Para atrair lojistas, a plataforma chegou a reduzir o valor das comissões sobre as vendas. Na avaliação da diretora de marketplace do Mercado Livre, Julia Rueff, a tendência é de que as grandes varejistas brasileiras recebam cada vez mais pequenos comerciantes.
— Ter um tráfego grande de clientes dentro da plataforma é relevante para se ter sucesso no e-commerce. Conseguir isso não é algo simples nem barato. Por isso, os marketplaces acabam oferecendo para os vendedores uma opção de digitalização dos seus negócios — considera.
Em 2019, o e-commerce movimentou R$ 89 bilhões no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). Para 2020, a estimativa inicial era alcançar faturamento de R$ 106 bilhões, um acréscimo de 18%. Com a perspectiva de recessão no país, a projeção tende a ser revista, mas deve se manter com viés de expansão.