- A crise do coronavírus vem mudando uma série de hábitos da população, entre eles as decisões de consumo.
- O distanciamento social fez com que, nas últimas semanas, despontasse a venda de alimentos, produtos para exercícios e artigos para escritório na internet.
- Especialistas apontam que alguns dos novos hábitos de consumo podem permanecer após a pandemia.
Em meio ao distanciamento social imposto pela pandemia de coronavírus, novos hábitos são incorporados à rotina da população, outros acabam revistos, e isso se reflete na maneira como as pessoas consomem. Entre os brasileiros, o maior tempo dentro de casa e o fechamento do comércio físico em diversas cidades aceleraram as vendas pela internet nas últimas semanas. E os algoritmos evidenciam que está em curso, no Brasil, uma transformação no jeito de comprar.
Entre a segunda quinzena de março e a primeira de abril, a partir do início do distanciamento no país, foram realizados 13,09 milhões de pedidos em lojas virtuais, segundo dados da consultoria Ebit Nielsen, o que representa crescimento de 35,8% frente ao mesmo período em 2019. Com isso, o faturamento do e-commerce brasileiro atingiu R$ 5,34 bilhões, alta de 42,9%. A empresa indica que 20% dos consumidores realizaram pela primeira vez uma compra virtual
— Em função do distanciamento, o consumidor acaba se mostrando mais aberto a conhecer alternativas que não conhecia antes e acessa plataformas de e-commerce — destaca Julia Avila, gerente de e-commerce da Ebit Nielsen.
Como reflexo, entre as principais mudanças verificadas no e-commerce brasileiro nas últimas semanas está a ascensão dos produtos considerados básicos, como alimentos, artigos de limpeza e higiene e de cuidados pessoais. No período em que o país acelerou a adoção de medidas restritivas, entre 15 e 28 de março, as vendas relacionadas a itens de supermercado cresceram 270%, de acordo com levantamento da consultoria Konduto.
Se antes da pandemia o brasileiro costumava adquirir online principalmente bens duráveis, como eletroeletrônicos, agora ele utiliza sites e aplicativos para abastecer a despensa. A estudante de direito Sara Kessler passou a centralizar todas as compras de alimentos e remédios por plataformas online. Na residência onde mora com os pais e a irmã, em Canoas, todos estão em grupos de risco, seja pela faixa etária ou por problemas de saúde. Por isso, a máxima é ficar dentro de casa:
— Nunca tinha comprado de mercados e de farmácias pela internet. Estou gostando, é bem mais prático.
Durante o isolamento, Sara ensinou os pais a cadastrarem cartões nas plataformas digitais para eles também comprarem.
Álcool contra coronavírus em alta
Produto símbolo da prevenção ao coronavírus, o álcool, seja líquido ou gel, se tornou uma das subcategorias mais buscadas nos sites de monitoramento de preços. As pesquisas pelo item subiram 640% entre 21 de março e 2 de abril, em comparação com as duas semanas anteriores.
Também disparou o interesse por anilhas (713%), quebra-cabeça (397%), webcam (271%) e misturas para bolos e doces (221%). Uma determinada marca de tablet voltado para crianças chegou a ter incremento de 17.152% nas buscas. Apesar de pertencerem a categorias distintas, os artigos despertam interesse pelo mesmo motivo.
— Esses itens refletem a adaptação das pessoas que têm de ficar em casa. Elas acabam fazendo exercícios, trabalham em home office e muitas também têm de cuidar das crianças — explica Thiago Flores, diretor executivo das plataformas de buscas Zoom e Buscapé.
Por outro lado, despencaram os acessos em malas (-78%), chuteiras de futebol (-49%) e pneus (-37%). Aspectos como as restrições para viajar e a menor circulação nas ruas, a pé ou de carro, explicam as quedas.
Começa a se alastrar um olhar mais social do consumo, de pessoas pensarem em colocar dinheiro em empresas que tenham valores que elas desejam ver materializados
GABRIEL MILANEZ
Vice-presidente da Box 1824
O vice-presidente da agência de pesquisa em consumo, comportamento e inovação Box 1824, Gabriel Milanez, acredita que o contexto de pandemia está amplificando tendências:
— Começa a se alastrar um olhar mais social do consumo, de pessoas pensarem em colocar dinheiro em empresas que tenham valores que elas desejam ver materializados.
Adaptação da casa à rotina
O avanço da pandemia acelerou a migração de muitas empresas para o teletrabalho. E, de repente, muitos profissionais se deram conta de que não tinham a estrutura adequada para exercer as atividades. Não à toa, a procura por computadores, acessórios e até móveis de escritório ganhou fôlego nas últimas semanas. Na virada de março para abril, a consultoria GfK detectou crescimento de 85% nas vendas de notebooks e de 48% em impressoras multifuncionais nas lojas virtuais. Em plataformas de comparação de preços também fica evidenciado o aumento nas buscas por periféricos, como teclado e mouse, e cadeiras.
O administrador de sistemas Marcos Alano passou a trabalhar a distância, no seu apartamento em Novo Hamburgo, no final de março. Logo nos primeiros dias, percebeu que sua cadeira não era a mais adequada para permanecer horas a fio sentado na frente do computador. Chegou à conclusão de que precisava comprar uma nova, que fosse ergonômica e não prejudicasse a coluna.
Por ser diabético e compor o grupo de risco, Alano tem evitado sair de casa. Sendo assim, só restou a alternativa de comprar o produto pela internet.
— Se não estivéssemos passando pela pandemia, certamente faria a compra em uma loja física, até para poder testar a cadeira — constata.
Com mais gente trabalhando em casa e tendo de lidar com as tarefas domésticas paralelamente, artigos que visam facilitar a organização do lar também têm maior procura. São os casos de eletrodomésticos de cozinha e de limpeza.
Amplia procura por eletrodomésticos
A venda de aspiradores de pó cresceu 260%, de acordo com a GfK. Nesta categoria, o destaque fica com o aspirador robô, que pode ser acionado para realizar a limpeza da casa de forma automática, e teve incremento de 721% nos negócios. Já a demanda por fritadeiras elétricas subiu 134%, enquanto a de liquidificadores evoluiu 148%. O entretenimento é outro aspecto que não é ignorado em tempos de pandemia, já que a venda de tablets se aqueceu 111% e a de televisões, 71%.
O diretor da GfK Fernando Baialuna acredita que o comportamento do consumidor brasileiro na pandemia pode ser dividido em duas fases, até o momento. Na primeira quinzena do distanciamento social, o foco foram as compras de supermercado em escala, motivadas pelo medo de falta de abastecimento. Passada essa etapa, a partir de abril, o centro das atenções passou a ser os itens voltados ao entretenimento e às tarefas realizadas dentro de casa.
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