O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, defendeu a assinatura de aditivos contratuais na investigação que apurou operações feitas pela instituição no passado. Ele afirmou que o dinheiro gasto não foi tanto em comparação com exemplos internacionais.
— O valor é muito dinheiro, mas não assusta — disse.
As declarações são feitas após o banco ter gasto mais de R$ 40 milhões a partir de 2018 com escritórios para investigar a existência de corrupção e outros tipos de desvio em operações contratadas entre 2005 e 2016.
As despesas foram aumentando ao longo da investigação por meio de aditivos contratuais e, ao final, os investigadores não encontraram nenhuma evidência de irregularidades.
Um dos aditivos foi firmado sob a gestão de Montezano (que entrou no banco em 2019), e gerou um valor extra de R$ 2,3 milhões à firma de auditoria KPMG. A suplementação, de acordo com o executivo, foi feita para que empresa ampliasse os trabalhos e analisasse novos dados. A empresa era responsável por revisar a investigação comandada por outros escritórios.
Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro reclamou dos aditivos.
— Tem coisa esquisita aí. Parece que alguém quis raspar o tacho — afirmou, chamando Montezano de "garoto".
Montezano afirmou nesta quarta-feira (29) que os aditivos foram necessários.
— Eu entendi que ele (Bolsonaro) quis dizer que parecia que alguém queria gastar todo o dinheiro possível na investigação. E a gente provou aqui que não foi o caso, o banco gastou o necessário para cumprir o mandato do escopo da investigação — disse ele em entrevista sobre a investigação.
Perguntado sobre o motivo de os trabalhos serem ampliados quando já se constatava não existirem indícios, Montezano defendeu que foi preciso continuar "varrendo".
— Você tem que exaurir as provas, tem que exaurir o não. Quando você não acha, você vai varrendo — afirmou.
O diretor jurídico do BNDES, Saulo Puttini, afirmou que os trabalhos foram se ampliando conforme eram tocados.
— Existem esses procedimentos forenses que vão aumentando de escopo à medida que você vai investigando e perguntando às pessoas. Quando A conecta com B, você começa a ter uma melhor delimitação do escopo. As ampliações de contrato foram bem registradas e fundamentadas — disse.
— No início foram cerca de 240 mil documentos, depois foi para 350 mil. No início eram 40 funcionários entrevistados, depois mais de 50. Tudo isso é mais dado para ser processado, é mais interrogatório para ser promovido — afirmou Puttini.
"Caixa-preta" culminou em demissão de Levy
O presidente anterior do BNDES, Joaquim Levy, pediu demissão do cargo após Jair Bolsonaro criticá-lo pela demora em abrir a "caixa-preta" do banco.
— Se não abrir a caixa-preta, ele (Joaquim Levy) está fora — disse o presidente no fim de 2018.
Agora, Montezano afirma que não é preciso mais apurações acerca de atividades de gestões anteriores.
— Não há hoje necessidade de esclarecimentos adicionais sobre operações feitas no passado pela instituição — disse.
Ele ressaltou que, havendo fatos novos, a instituição buscará esclarecer.
A conclusão das investigações causou reações. O ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho afirmou ter recebido com satisfação o resultado do relatório e que no Brasil a presunção de culpa substituiu a presunção de inocência. A associação dos funcionários dos BNDES (AFBNDES) divulgou em nota na última semana que a tese da caixa-preta foi fantasiosa e usada por "políticos demagogos, com objetivos eleitorais mesquinhos, e alguns atores do mercado financeiro" para obter vantagens. Montezano preferiu não comentar.
— Não estamos aqui para acusar nem defender ninguém. Nossa função é dar transparência e segurança para o cidadão de que o BNDES não tem nada a esconder — afirmou o presidente do BNDES.
Montezano defendeu que as preocupações levantadas sobre as operações do BNDES eram legítimas e que as investigações eram recomendadas pelos auditores da KPMG. Sobre ter sido chamado de garoto por Bolsonaro, Montezano falou que queria "agradecer".
— Ser chamado de garoto é um elogio, fico feliz com a declaração — disse.
Investigação e aditivos
Montezano fez uma apresentação para mostrar o histórico dos contratos e dos aditivos. As investigações das empresas privadas no BNDES começaram em 2018. Foram apuradas oito operações envolvendo JBS, Bertin e Eldorado Brasil Celulose entre o período entre 2005 e 2016.
O contrato inicial, em 2018, foi com a empresa Cleary Gottlieb Steen & Hamilton. Segundo os técnicos do banco, o contrato tinha previsão de duas subcontratações, que acabaram sendo feitas com a empresa de tecnologia Protiviti e o escritório brasileiro de advocacia Levy & Salomão. Nesse momento inicial, o custo era de R$ 19,6 milhões.
Em setembro de 2018, foi autorizada pelo conselho a contratação de uma "shadow investigation" (investigação sombra, em inglês) para revisar os trabalhos dos demais escritórios. A contratada foi a KPMG (que já auditava os balanços do BNDES e foi justamente quem recomendou ao banco a investigação), em um contrato inicial de R$ 3,7 milhões. Segundo Montezano, contratar outra empresa sairia mais caro.
Em novembro de 2018, foi autorizada uma primeira suplementação nos trabalhos de auditoria para analisar novas informações relacionadas às operações. Isso elevou em R$ 5 milhões os custos do processo (sendo R$ 4,4 milhões para a Cleary e R$ 663,3 milhões para a Protiviti).
Em julho e agosto de 2019, a diretoria aprovou novas suplementações nos trabalhos. Na de julho, houve um custo adicional de R$ 7,8 milhões à Cleary e R$ 4,1 milhões à Protiviti. No mês seguinte, com Montezano já no cargo, foi aprovado valor extra de R$ 2,3 milhões à KPMG. Montezano ressalta que, como tomou posse no banco apenas em 3 de julho de 2019, só participou da última decisão (envolvendo a KPMG) para suplementação de recursos.
Segundo o executivo, o valor total da investigação foi de R$ 42,7 milhões, se considerados os valores em dólar firmados na época da aprovação de cada contrato. Na conclusão dos trabalhos, os investigadores afirmaram que não encontraram indícios de irregularidades.
"Os documentos da época e as entrevistas realizadas não indicaram que as operações tenham sido motivadas por influência indevida sobre o banco, nem por corrupção ou pressão para conceder tratamento preferencial à JBS, à Bertin e à Eldorado", diz resumo do relatório da Cleary e do Levy & Salomão.
Operações investigadas
- Financiamento pelo BNDES à JBS em agosto de 2005 no valor de R$187,46 milhões para a aquisição da Swift Armour Argentina pela JBS
- Investimento de R$ 1,13 bilhão pela BNDESPar na JBS em julho de 2007 relacionado à aquisição, pela JBS, da Swift Foods Company nos Estados Unidos
- Investimento de R$ 995,86 milhões pela BNDESPar na JBS em abril de 2008 relacionado à aquisição, pela JBS, da National Beef Packaging Company e Smithfield Beef Group nos Estados Unidos
- Investimento, em 2008, de R$ 2,49 bilhões pela BNDESPar na Bertin, produtora e exportadora brasileira de produtos derivados de gado que foi posteriormente adquirida pela JBS, para auxiliar no financiamento da aquisição de empresas estratégicas e da ampliação de sua capacidade operacional
- Aquisição, em dezembro de 2009, de R$ 3,47 bilhões em debêntures da JBS pela BNDESPar, com o propósito de financiar a aquisição, pela JBS, da Bertin e da produtora de frangos americana Pilgrims Pride Corporation
- Decisão da BNDESPar, em 2011, de converter as debêntures emitidas pela JBS em dezembro de 2009 em 494 milhões de ações ordinárias da JBS a uma taxa de conversão de R$ 7,04 por ação
- Financiamento pelo BNDES à Eldorado em julho de 2011 no valor de R$ 2,71 bilhões para a construção de uma fábrica de celulose em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul
- Financiamento pelo BNDES à Eldorado em maio de 2016 no valor de R$ 357,98 milhões para o plantio, reforma e manutenção de florestas de eucalipto no Mato Grosso do Sul