Apresentado como novo marco na gestão das contas públicas do país, a primeira parte do pacote de reformas econômicas foi entregue nesta terça-feira (5) no Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro. Após o caminho aberto com a aprovação da reforma da Previdência, o governo avança para um plano que abre espaço nas contas públicas, acena com maior volume de recursos para Estados e municípios e fixa regras mais duras contra o descontrole financeiro.
A amplitude dos projetos gerou reações no Legislativo e entre investidores. Deputados e senadores já acenam com a possibilidade de alterações nos textos, em especial, os que oferecem riscos à redução de investimentos em áreas básicas, como educação e saúde. O mercado, apesar de aprovar a amplitude das medidas, reagiu timidamente ao envio das matérias. Um dos motivos é a projeção de demora na aprovação das medidas.
No cardápio de propostas, está a redistribuição de recursos da extração do pré-sal, principal responsável pela projeção de aumento nos repasses em até R$ 500 bilhões a governadores e prefeitos nos próximos 15 anos, de acordo com o Ministério da Economia.
O item foi incluído na proposta de emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, que ainda traz pontos polêmicos, como a possibilidade de redução de 25% na carga horária e nos salários dos servidores por dois anos e a incorporação de municípios com menos de cinco mil habitantes, que arrecadam menos de 10% da receita, por municípios em melhores condições.
Há ainda uma PEC que prevê a adoção de medidas emergenciais específicas (gatilhos) para entes com dificuldades financeiras, como a limitação de reajustes ou contratações, e outra que autoriza o uso de recursos parados em fundos públicos — cifra que chegaria a R$ 220 bilhões — para o abatimento da dívida pública.
Antes de entregar as propostas, na manhã desta terça, Bolsonaro fez o caminho entre o Palácio do Planalto e o Congresso a pé. Otimista, disse ter "certeza que, em pouco tempo, talvez no início do ano que vem, meados do ano que vem, no máximo, essa proposta se tornará realidade".
À tarde, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sustentou que o pacote foi encaminhado em um momento favorável para mudanças e que vê o Congresso em um momento reformista.
— Não tenho receio de (o pacote) ser fragmentado, pulverizado, desfigurado. Prefiro que haja mais tempo para conversar sobre tudo isso, do que ficar engavetando, soltando (propostas) a conta-gotas.
No entanto, o otimismo do governo esbarra em cautela e ceticismo no Legislativo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acredita que haverá resistências com trechos do texto.
— Hoje, o presidente Bolsonaro foi ao Congresso com uma pauta ambiciosa, importante, com alguns temas difíceis, que certamente não vão prosperar. Em toda proposta ambiciosa, tem coisas que avançam e coisas que não avançam.
Ele criticou um dos trechos da proposta, que prevê a inclusão de gastos com servidores inativos no cálculo do piso mínimo de educação e saúde. Em resposta, o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodrigues, afirmou que a manobra contábil, com potencial para derrubar gastos nas duas áreas, será retirada do texto.
Maia ainda reclamou da demora no envio de outras propostas, como as reformas administrativa — que deverá acabar com a estabilidade para novos servidores — e tributária, prometidas pelo governo para as próximas semanas. O pacote deverá ser fechado por um projeto de lei que revisa regras para privatizações.
Começa a tramitação no Senado
As PECs encaminhadas pelo governo começarão a tramitar pelo Senado. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), evitou apresentar um cronograma de votação, além de salientar que os senadores deverão “aprimorar” o pacote, promovendo alterações nas matérias apresentadas pelo governo.
Aliados do Planalto projetam a eventual aprovação da primeira parte do pacote até abril do próximo ano. No entanto, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), acredita que a votação da PEC que propõe gatilho para a recuperação de entes endividados poderá ser concluída ainda neste ano.
— A PEC emergencial abre espaço orçamentário para investimentos da ordem aproximada de R$ 26 bilhões (em 2020). Isso é do interesse do Congresso Nacional — diz.
Outros senadores dizem que este prazo não é exequível. Além disso, afirmam que polêmicas gestadas no governo podem atrapalhar ainda mais a tramitação do pacote.
— Não vamos, de afogadilho, em nome do que quer que seja de números, causar nenhum tipo de injustiça. Qualquer avanço que a gente der, é melhor do que temos hoje. Se o governo sair daqui com 50%, 60% do seu pacote aprovado no Congresso Nacional até março, já é uma grande vitória para o país — disse a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS).
Para o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), o discurso de integrantes do governo que ele entende como de demonização do servidor público dificulta a situação. Além disso, ele diz que Bolsonaro já não pode mais contar integralmente com o PSL, partido do qual pretende sair, e que o calendário eleitoral inviabiliza o Legislativo em 2020.
— Não acho que (as propostas apresentadas) vão gerar polêmicas. Eu tenho certeza. Este pacote não vai ser votado agora. Se nem no PSL, que é o único partido que até então foi 100% fiel ao presidente, não tem mais consenso em relação a esta unicidade em projetos do governo, pelo que tenho conversado com líderes na Câmara e no Senado, cada matéria vai ser exaustivamente discutida — afirmou Olímpio.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) também considerou o calendário do governo demasiadamente otimista e disse esperar que o governo não provoque crises que atrapalhe a tramitação das PECs.
— Sempre temos a esperança de que o governo se porte de forma mais racional.
A exemplo da reforma da Previdência, a aprovação das novas PECs exige o apoio de 49 dos 81 senadores e de 308 entre os 513 deputados, em dois turnos de votação em cada Casa.