Cinquenta e quatro municípios gaúchos não conseguem gerar receitas próprias nem sequer para pagar as despesas das suas Câmaras de Vereadores. A dificuldade em arrecadar recursos locais fica evidente em um cruzamento de dados feito pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) com base nas prestações de contas das 497 prefeituras.
A análise revela que dois terços das cidades (334, o equivalente a 67%) não captam nem 10% das suas receitas por meio de tributos como impostos Predial Territorial Urbano (IPTU), Sobre Serviço (ISS) e Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e outras taxas.
Professor do curso de Administração Pública e coordenador do grupo de pesquisa em gestão municipal da UFRGS, Diogo Demarco explica que, com esse índice, não seria suficiente pagar a folha do funcionalismo e oferecer serviços públicos de níveis básicos. Isso torna as prefeituras quase totalmente dependentes de repasses do governo federal, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e do Estado, por meio de cotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Nos municípios de Lajeado do Bugre e Mampituba, onde estão as piores arrecadações locais do Estado, a prefeitura teria de arrecadar duas vezes mais só para bancar despesas do legislativo. Mampituba, no Litoral Norte, é a cidade que menos arrecada receita própria em percentuais: apenas 1,76%. A Câmara de Vereadores de Mampituba, localidade com 2,9 mil habitantes, tem nove parlamentares com salários de R$ 2,1 mil cada e despesa mensal média de R$ 39.037,02.
Na divisa com Santa Catarina, o município sofre forte concorrência com Praia Grande, já em território catarinense, na avaliação do prefeito Dirceu Gonçalves Selau (PT). A base econômica é a agricultura familiar no cultivo de banana, arroz e maracujá.
— Todo mundo sai daqui para consumir produtos e serviços de Praia Grande — diz Selau.
Ele explica que 95% do território local está em área rural, o que dificulta a cobrança do IPTU. O valor do imposto só foi reajustado em 2019, após seis anos de defasagem. O novo plano diretor, aprovado em setembro, aumentou em 20% o perímetro urbano.
— Há uma dificuldade em cobrar, muita gente atrasa imposto. Criamos uma lei que permite parcelamento em até 20 vezes e descontos para quem parcelar em três — explica o prefeito.
Outro município essencialmente agrícola, Lajeado do Bugre tem, na visão do prefeito Roberto Maciel Santos (PP), “histórico complicado em relação ao pagamento de tributos”. A prefeitura arrecada 1,87% de sua receita em impostos locais. A localidade da região Norte tem 2,5 mil habitantes, com 40% residindo no perímetro urbano. Segundo o prefeito, a proximidade da população com o chefe do Executivo, característica comum em cidades pequenas, dificulta a cobrança:
— As pessoas entendem que o prefeito pode facilitar a vida do cidadão e, inclusive, perdoar o IPTU. Existe essa ideia de que o prefeito, como autoridade máxima do município, pode anistiar o imposto.
Santos explica que implementou o Programa de Recuperação Fiscal para refinanciamento de dívidas e abatimento de juros e multas. Segundo ele, a medida não teve praticamente nenhum efeito. As dívidas têm sido cobradas por meio de ações judiciais.
A prefeitura iniciou um trabalho para atualizar os valores das plantas dos imóveis para cobrança do IPTU. Santos diz que na sua própria residência o valor já foi modificado: o imóvel de 200 metros quadrados pagava R$ 125 e passará para R$ 400:
— Se ocorrer com os demais esse aumento também, será indigesto. E vou ter de me preparar.
Tamanho amplia dificuldades
Todos os 54 municípios em que as receitas tributárias próprias não conseguem bancar nem os gastos de seus legislativos têm menos de 10 mil habitantes. A população, em média, é de 2,7 mil pessoas.
Na avaliação do coordenador do grupo de pesquisa em gestão municipal da UFRGS Diogo Demarco, alguns fatores explicam esse fenômeno: atividade econômica baixa, essencialmente ligada à agricultura, número pequeno de imóveis — que gera pouca arrecadação por IPTU —, falta de estrutura tributária mínima para que, com servidores de formação específica, possam recolher os tributos, e desgaste político natural que a cobrança e o reajuste de impostos causam junto à população.
— A criação de municípios pequenos e com pouca base econômica precisa ser melhor pensada. Não pode ser decisão de meia dúzia de munícipes ou de lideranças políticas locais —diz Demarco.
Até dezembro de 1987, o Rio Grande do Sul tinha 273 municípios. De 1988 até 2001, foram criados 224, segundo dados da extinta Fundação de Economia e Estatística (FEE).
Presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) e prefeito de Palmeiras das Missões, Dudu Freire (PDT) avalia que a falta de um setor de fiscalização forte atrapalha o desempenho dos municípios. Segundo ele, os pequenos têm dificuldade em qualificar servidores e nem sequer contam com um departamento de arrecadação. Freire lembra que os prefeitos encontram barreiras nos legislativos para propor aumento de alíquotas:
— Imposto não é simpático à população, especialmente em momento de crise.
Confira os 54 municípios que não conseguem pagar despesas do legislativo
- ALTO ALEGRE
- AMARAL FERRADOR
- ARROIO DO PADRE
- BARÃO DO TRIUNFO
- BARRA DO GUARITA
- BENJAMIN CONSTANT DO SUL
- BOA VISTA DAS MISSÕES
- BOM PROGRESSO
- BRAGA
- CARLOS GOMES
- CERRO GRANDE
- CHUVISCA
- CRISTAL DO SUL
- DEZESSEIS DE NOVEMBRO
- DOIS IRMÃOS DAS MISSÕES
- DOM PEDRO DE ALCÂNTARA
- ENGENHO VELHO
- GRAMADO DOS LOUREIROS
- GRAMADO XAVIER
- HERVEIRAS
- IBARAMA
- INHACORÁ
- ITATI
- JACUIZINHO
- LAGOA BONITA DO SUL
- LAJEADO DO BUGRE
- MAMPITUBA
- MATO QUEIMADO
- MONTE ALEGRE DOS CAMPOS
- MORMAÇO
- NOVO TIRADENTES
- NOVO XINGU
- PINHAL DA SERRA
- PONTÃO
- QUATRO IRMÃOS
- RIO DOS ÍNDIOS
- ROLADOR
- SANTA CECÍLIA DO SUL
- SANTA MARGARIDA DO SUL
- SANTO ANTÔNIO DO PALMA
- SANTO EXPEDITO DO SUL
- SÃO JOSÉ DAS MISSÕES
- SÃO PEDRO DAS MISSÕES
- SÃO VALÉRIO DO SUL
- SENADOR SALGADO FILHO
- TABAÍ
- TRÊS FORQUILHAS
- TUNAS
- TUPANCI DO SUL
- UBIRETAMA
- UNIÃO DA SERRA
- UNISTALDA
- VANINI
- VISTA ALEGRE