O espaço reduzido para investimentos faz com que o governo Bolsonaro busque alternativas a curto prazo, em meio às discussões da reforma administrativa. Temendo a paralisia da máquina pública, há a intenção de alterar regras fiscais para que medidas de ajustes nas contas públicas possam ser adotadas mais facilmente. Entre as ações estudadas, estão cortes na jornada de trabalho e a consequente redução de salários de servidores por até três anos. Ao lado de iniciativas como a revisão geral de despesas, a economia anual chegaria a R$ 102 bilhões.
O montante poderia ultrapassar R$ 200 bilhões em 2020 com a inclusão de outras medidas, como a desvinculação de recursos parados em fundos federais, congelamento de reposição em salários de servidores ativos e inativos, cobrança previdenciária adicional, suspensão de repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ao BNDES, entre outros.
Para o próximo ano, a previsão é de que União tenha apenas R$ 89 bilhões para custeio e investimentos.
Na prática, o Executivo quer ampliar os gatilhos já existentes nos casos em que o limite prudencial de gastos é ultrapassado. Neste ano, foi preciso cortar despesas — o que levou a contingenciamentos em diversas áreas — para evitar o estouro da meta fiscal, que permite rombo de até R$ 139 bilhões. Caso o valor seja vencido, o presidente da República responde por crime de responsabilidade fiscal.
A previsão de alterar as regras fiscais está em uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que tramita na Câmara. De autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), o texto está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, se aprovado, será discutido em uma Comissão Especial, que terá o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) como relator.
Atualmente, apenas o teto de gastos — que limita o avanço das despesas à inflação do ano anterior — possui gatilhos para ajuste automático das contas. A ideia que toma força é autorizar o governo a agilizar a adoção de medidas de contenção. Uma possibilidade é utilizar a regra de ouro — que impede que o governo federal utilize empréstimos para o pagamento de despesas — como balizador.
— O indicador que nós estamos utilizando é a regra de ouro. Ela já está estourada. Então, no momento em que aprovar a PEC, já poderá ativar todos os gatilhos — relata Rigoni.
O futuro relator destaca que as medidas de austeridade, que incluiriam a redução da jornada e de salários de servidores, teriam prazo máximo de três anos. Ao final do período, a situação seria normalizada. Ele acredita que, caso sejam aprovadas, as ações garantiriam fôlego de, no mínimo, seis anos aos cofres da União.
No entanto, por se tratar de um tema que afeta diretamente o funcionalismo, a expectativa é de dificuldades na tramitação. O texto está parado na CCJ após resistência de deputados da oposição.
— É inconstitucional, é cláusula pétrea. Não pode reduzir salário de servidor e de trabalhador nenhum. O governo quer jogar para o mercado — pontua a líder da Minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
No Planalto, está em estudo uma alternativa para fugir da resistência da Câmara. Após encontro com o presidente Jair Bolsonaro, no último domingo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que há um plano B. O governo deverá encaminhar uma PEC, tendo a proposta de Pedro Paulo como base e utilizando sugestões de Rigoni, mas iniciando a tramitação pelo Senado.
Possíveis embates jurídicos em torno do tema são previstos pelo doutor em Direito Constitucional e professor da Unisinos Anderson Teixeira. Para ele, embora medidas de economia envolvendo servidores tenham sido adotadas em países com alto grau de endividamento — como Grécia e Portugal —, o Judiciário brasileiro demonstra ter outro entendimento sobre o tema.
— O Supremo Tribunal Federal entende que é direito adquirido. Não pode ter redução de vencimento — opina.
O STF está com a discussão sobre a possibilidade de redução de jornada e salários de servidores da União, estados e municípios em aberto. O julgamento avalia a legalidade de um artigo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que prevê a situação. A decisão foi suspensa quando já havia maioria pela inconstitucionalidade do dispositivo. Ainda não há prazo para a conclusão da análise.