O trabalho e a filantropia se entrelaçam na trajetória de Elie Horn, empresário nascido na Síria que desembarcou em São Paulo quando tinha 11 anos. Fundador da Cyrela, a segunda maior incorporadora do Brasil, ele se comprometeu a doar, até o fim da vida, 60% de seu patrimônio a causas humanitárias. Em 2018, acumulava fortuna de US$ 1,02 bilhão, segundo a revista americana Forbes.
Na visão do empresário, mesmo com a insistência da crise econômica, o mercado imobiliário começou a viver novo "boom". No segundo trimestre, a Cyrela teve lucro líquido de R$ 114 milhões, revertendo prejuízo de R$ 28 milhões em igual intervalo do ano passado.
Judeu ortodoxo praticante, Horn visitou Porto Alegre no dia 29 de julho. Durante cerca de 50 minutos, explicou a GaúchaZH por que está otimista com o desempenho do mercado imobiliário e detalhou seu gosto por iniciativas sociais. A conversa ocorreu em um dos apartamentos de luxo que integram novo empreendimento da Cyrela no bairro Moinhos de Vento. Na data da entrevista, o empresário completou 75 anos. Mas disse que evitaria comemorar o aniversário:
— Não gosto (risos).
A economia brasileira frustrou expectativas de crescimento neste ano. Qual sua avaliação sobre o cenário?
Quem é o culpado pela frustração no primeiro semestre? O governo atual herdou essa situação. Não é o culpado. Cada ação tem uma reação. O país está saindo da crise. O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um superministro. A tendência do governo é liberal. Acho que está indo em um caminho muito bom. Há detalhes que podem ser sanáveis, melhor não mencioná-los. Estamos indo em direção a uma pujança em todos os sentidos, e o setor imobiliário também. O primeiro semestre foi bom. Os anos de 2020 e 2021 serão muitos bons. Quem quiser comprar apartamento deve comprar agora. Depois, vai sair mais caro.
No ano passado, você disse em entrevista que acreditava em novo "boom" do setor imobiliário no país. Esse movimento ainda é possível diante da fraqueza da economia?
Ainda acredito nisso. O boom já começou.
Quando teve início?
Nossas vendas estão sendo muito boas. O setor imobiliário está indo bem desde setembro do ano passado. (Nota da Redação: o mercado imobiliário vem apresentando números positivos neste ano no país, conforme a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, a CBIC. No segundo trimestre, as vendas de imóveis residenciais novos subiram 16% frente ao mesmo período de 2018. Os lançamentos também ficaram no azul. Entre abril e junho, avançaram 11,8% em relação a igual intervalo do ano passado).
O que explica o movimento de alta nos negócios?
Depois da crise econômica, é normal que haja algum período de boom. Sem isso, o setor morre de fome.
O boom definido pelo senhor deve continuar até quando?
Deve continuar até a próxima crise econômica. Se o movimento vai durar três, cinco ou seis anos, não sei. Estamos indo bem. Minha sugestão é para lançar (empreendimentos) agora e aproveitar este momento.
Quais são os segmentos que se destacam hoje no mercado imobiliário?
As vendas têm sido muito boas. O setor de Minha Casa Minha Vida está indo bem, e o médio e o de luxo, dentro do possível. Não queremos fazer momescas (expressão que remete a festas carnavalescas). Faz mal crescer muito de uma vez só e apanhar depois, ou seja, ganhar muito e também perder muito em seguida.
O governo Jair Bolsonaro autorizou a liberação de saques parciais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), uma das principais fontes de financiamento de imóveis no país. Qual é o impacto da medida para o setor imobiliário?
Essa medida não é tão ruim para o setor. Poderia ser pior. O importante é que a liberação é só para sacar pouco. A Cyrela atua em todas as faixas de mercado.
Você já presenciou diferentes crises econômicas no Brasil. A atual é a mais grave?
A crise foi mais grave do que as outras, mas afetou pouco a Cyrela. A empresa estava calçada financeiramente.
“A crise ensinou que é preciso ter um cash flow (fluxo de caixa) sólido. Mostrou que, se você voar alto demais, pode quebrar a cara. É preciso conhecer muito bem seu setor e saber que, depois da crise, há um boom. Esse é um ciclo da vida
ELIE HORN
Fundador da Cyrela
O que a crise econômica deixa de aprendizado para o país?
É uma boa pergunta. A crise ensinou que é preciso ter um cash flow (fluxo de caixa) sólido. Mostrou que, se você voar alto demais, pode quebrar a cara. É preciso conhecer muito bem seu setor e saber que, depois da crise, há um boom. Esse é um ciclo da vida. Demora mais ou menos tempo, mas sempre acontece. Basicamente, é isso. No setor imobiliário, é preciso cheirar as crises. Quando houve a ameaça da crise da "marolinha" (expressão usada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008), chamamos os sócios da empresa e pedimos para reduzirem o ritmo. A crise não aconteceu, mas optamos por diminuir a velocidade de maneira proposital. Isso foi muito bom. Apanhamos menos depois. Na época, o Brasil não teve crise porque o Banco Central resolveu ajudar a economia imprimindo dinheiro. O certo era o país ter registrado uma crise. A crise faz parte da vida. Se você não está acostumado a ter muito dinheiro no caixa, faz besteiras. A crise ajuda o homem a evoluir. É como o bem e o mal. Sem o mal, não tem bem. Sem o bem, não tem mal. Sem crise, você acha que é o rei do mundo e faz besteiras.
Entre as medidas discutidas para reanimar a economia brasileira, quais são as mais importantes neste momento?
Todas são importantes.
Mas o senhor poderia citar alguma em especial?
Todas as que você lê no jornal. Eu leio também. Não sou economista. Não invento nada. A reforma (da Previdência) está indo, tem a tributária, redução de impostos, crescimento do comércio internacional. Toda essa evolução é para evitar que o país seja uma prisão e tenha economia aberta, tipo a do Chile ou a dos Estados Unidos. Lá, as pessoas ganham mais, produzem mais e pagam menos impostos. Esse seria o sonho de qualquer ministro da Economia de qualquer país, menos da Venezuela.
Como o senhor descreve a atuação da Cyrela hoje no mercado imobiliário?
A Cyrela hoje ataca faixas baixa, média e alta. Já fez shoppings, edifícios corporativos, salas, flats. Não tem nada que não tenha feito. Fez tudo. Minha maneira de trabalhar é atacar todos os campos possíveis. É um pouco demais, mas faz parte da minha personalidade. Hoje, a direção da empresa é mais conservadora. Sou muito agressivo, no bom sentido, como empresário. Ataco o que for possível. Mas a empresa ficou mais enxuta, bem sólida, centralizada, melhor do que antes. As pessoas hoje são mais competentes do que na minha época. A empresa atira menos e acerta mais. Tenho muitos elogios à equipe de hoje. Não estou falando mal da equipe da minha época, mas a atual é melhor.
O senhor afirma que pretende doar 60% de seu patrimônio, até o fim da vida, para causas humanitárias. Por quê?
Minha preocupação é algo normal. Quero fazer o bem por princípio. Fazer o bem faz bem para mim e para você. Sempre misturo Deus nesse assunto. Quanto mais fizer o bem, melhor você ficará para a eternidade.
Quando surgiu sua preocupação com a filantropia?
Meu pai doou 100% do que tinha à caridade quando eu estava com 37 anos. Ele deu lição muito boa para mim, que é fazer o bem. Há mais ou menos 17 anos, decidi doar 60% do patrimônio para obras de caridade. A reação da minha família foi positiva. Melhor dar em vida do que em morte. Começamos a pensar no assunto naquela época. Nunca deixei de fazer isso. Mas, depois da decisão, melhorou bastante. Espero fazer isso em vida.
Como as doações vêm sendo feitas?
As doações já começaram. São feitas aos poucos.
Quais são os projetos contemplados?
(Fecha os olhos e pensa por alguns segundos) São projetos de educação, como bolsas de estudo, de saúde, em favelas, ações contra a pobreza no Nordeste, ballet de cegos, apoio à Orquestra Municipal de São Paulo. Vai uma lista. Se o dinheiro terminar antes, vou morrer mais cedo (risos).
É possível estimar quanto dos 60% já foi doado?
Melhor não falar em números.
Mas o senhor tem uma ideia do percentual já repassado?
Devo ter.
Há alguma área ou setor que o senhor gosta mais de ajudar com doações?
Combate à prostituição infantil. Ajudei a criar a Bem Maior, uma ONG (organização não governamental) que abrange 10 causas, como pobreza, saúde, surdez. Foi lançada há um ano. Também criamos a Liberta, contra prostituição infantil.
O senhor tem ideia de quantas pessoas são auxiliadas por seus projetos sociais no país?
Não tenho ideia.
Fora do Brasil, você é o único brasileiro que integra o The Giving Pledge. O grupo, idealizado por Bill Gates, fundador da Microsoft, e o investidor Warren Buffett, estimula bilionários a apoiarem projetos de impacto social. Por que resolveu aderir à iniciativa?
Isso me ajudou a reforçar minha tese de doação. O que percebi é que se doa muito mais nos Estados Unidos do que no Brasil. Pensamos que fazemos o bem aqui. Mas os americanos fazem muito mais lá.
Ou seja, a filantropia é uma preocupação que ainda engatinha no meio empresarial do país?
É algo que vem crescendo. Mas ainda está longe do ideal. Filantropia é fazer o bem para você, para quem recebe e, de novo, para você, em termos de eternidade. Isso é importante. Deus é Deus na acepção da palavra. Se você faz o bem, tem recompensa. Se não faz, fica egoísta e vai pagar por isso.
O senhor deixou a presidência da Cyrela em 2014 e passou a comandar o conselho da empresa. Atualmente, como é seu dia a dia?
O trabalho na presidência da empresa faz falta. Gosto de trabalhar muito. Comentei com uma pessoa hoje no avião que, para mim, trabalhar é um prazer. Não é um desprazer. Ficar em casa em um domingo é uma desgraça. Ficar sem fazer nada é uma desgraça. Trabalhar me realiza. Gosto disso. Sempre fiz isso. Espero morrer trabalhando. Como trabalho menos hoje, porque não me deixam mais, faço mais filantropia. Hoje, tento gastar, ou melhor, investir umas sete horas por dia nisso. Gosto muito. Não faço nada que não gosto de fazer.
O senhor nasceu em Aleppo, na Síria, e veio para o Brasil com 11 anos. Tem lembranças da vida na Síria?
Tinha seis meses quando saí de lá. Fui para o Líbano até os nove, 10 anos, e depois para a Itália, onde fiquei até os 11. Éramos sete irmãos. Morreu uma menina muito cedo. Não a conheci. O irmão mais velho faleceu há dois anos. Sou o caçula.
Qual é sua primeira memória da vida no Brasil?
Entrei no colégio Piratininga, em São Paulo. Era muito inocente. Na época, havia uma fila em que as meninas beijavam os meninos. Não sabia o que era aquilo. Foi um teste de beijos (risos). É a primeira lembrança no Brasil. Não tinha noção de nada. Era muito bebê.
O senhor começou a trabalhar com quantos anos?
Comecei a trabalhar com 18 anos, com produtos químicos. Vendia embalagens de porta em São Paulo. Comprei meu primeiro terno com uns 19 anos. Repeti de ano no colegial. Então, comecei a estudar à noite e a trabalhar em empresa têxtil. Em seguida, passei a comprar e vender apartamentos sem dinheiro. Comprava a prazo. Então, tinha de revendê-los até o prazo de entrada do pagamento. Fiz isso umas cem vezes. Depois, fiz a mesma coisa com terrenos, até abrir a Cyrela (na década de 1960).
Qual foi o principal aprendizado dos primeiros trabalhos que você realizou?
Quem não apanha, não evolui. Cheguei a ter úlcera por falta de comida com 19 anos, mais ou menos. Também estudei Direito. Mas nunca gostei do curso.
Se não gosta do Direito, por que resolveu estudar essa graduação?
Um amigo meu fez Direito. Resolvi fazer igual. Tenho diploma, não comprei (risos). Nunca exerci a profissão.
Há algo de que você se arrepende na vida de empresário?
Eu me arrependi de ter iniciado projetos em muitas cidades no Brasil ao mesmo tempo.
Em quantos municípios?
Em 60. Achei que tinha descoberto o país, mas o país me descobriu primeiro (risos).
Por que a aposta deu errado?
Porque não há condições de controlar 220 canteiros de obras ao mesmo tempo. É uma tarefa muito difícil.
E qual o maior orgulho da vida de empresário?
Tenho orgulho de duas coisas. A primeira é trabalhar. O trabalho dignifica o homem. A segunda é fazer o bem, dar fim social ao dinheiro, em vez de usá-lo para fins egoístas. Isso é muito importante. Se morresse hoje, levaria isso para o céu. Ao menos uma coisa fiz no mundo.
Consegui convencer um casal do Sul a doar boa parte para a caridade. Eu me senti bem porque faturei. Se o bem fatura, eu também faturo. Na hora em que você faz o bem, o maior ganhador é você
ELIE HORN
Fundador da Cyrela
Qual é a sua relação com o Rio Grande do Sul?
Faço parte da Comunitas (organização financiada por empresas que incentiva parcerias entre o setor público e o privado). Gosto muito do governador (Eduardo Leite) e do prefeito (de Porto Alegre, Nelson Marchezan). Os dois são muito bons. Convivi uma semana com o governador no ano passado, antes de ser eleito. Vi o Marchezan algumas vezes. No Sul, tenho amigos, como a família Goldsztein. Hoje de manhã, consegui convencer um casal do Sul a doar boa parte para a caridade. Eu me senti bem porque faturei. O bem faturou. Se o bem fatura, eu também faturo. Na hora em que você faz o bem, faz o bem para você, basicamente. O maior ganhador é você. Se ajuda uma criança a não morrer de fome, quem mais ganhou não é ela. É você. Se todos se convencerem disso, o mundo será bem melhor. O egoísmo não leva a nada. Ajudar terceiros é muito fácil quando você está convicto. Alguém com 80 ou 90 anos de idade, vai comprar um carro? Vai. Vai comer? Vai. Vai beber? Vai. Vai pagar uma empregada para fazer alguns serviços? Vai. Porque isso é para sua manutenção. Só que todo mundo esquece sua manutenção eterna. É difícil acreditar nisso. Mas é a pura realidade. O importante é espalhar o bem, para que mais pessoas façam isso. Quanto mais se faz o bem, é melhor para mim, para você e para Deus.
Qual é o peso do mercado gaúcho nas vendas da Cyrela?
De 10% a 20% em valores monetários. Em termos afetivos, o peso é de 90% (risos).