O governo quer leiloar as frequências da telefonia de quinta geração — o chamado 5G — até o primeiro semestre do próximo ano, mas as teles resistem porque, com esse serviço, avaliam, estarão assinando o atestado de óbito da TV por assinatura.
A capacidade de transmissão de dados muito maior do que a velocidade do 4G tornará desnecessário levar via cabo (coaxial ou fibra óptica) a conexão de internet às residências. O serviço de TV será possível de ser implementado pelas antenas de celular.
Essa realidade, atrelada à crescente oferta de aplicativos que "transmitem" canais de TV e de estúdios estrangeiros pela internet, sem passar pelo empacotamento das teles, é vista como uma ameaça.
Embora defendam publicamente a evolução da tecnologia, nos bastidores as teles tentam ganhar tempo para se posicionar melhor diante da mudança que virá com o 5G.
A Vivo é a maior operadora em clientes, mas detém 8,7% da TV paga. A Oi tem 9,5%. A Sky abocanha quase 30%, mas com a tecnologia de satélite. A líder da TV por assinatura com cabo é a Claro (49%.) A receita desse serviço, que é prestado com a oferta de banda larga fixa, representa boa parte do faturamento do grupo.
A Claro já vem sendo afetada pela mudança tecnológica na área, antes até de o 5G ser implantado. Recentemente, ela reclamou da oferta de canais da Fox via internet na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Decisão cautelar foi concedida pela área técnica da agência, obrigando a Fox a usar uma operadora para fazer autenticação de usuários ao aplicativo. A empresa americana foi à Justiça, que derrubou a medida por entender que a internet não pode ser regulada pela Anatel e, portanto, o aplicativo não poderia ser submetido às regras da TV paga.
Teles, radiodifusores e grandes produtores de conteúdo estrangeiros que atuam no país agora discutem a transmissão de canais de TV pela internet em um projeto de lei que tramita no Senado. Se a visão dos produtores de conteúdo prevalecer, os pacotes de TV fechada estarão com os dias contados, avaliam.
A ideia de Leonardo de Morais, presidente da Anatel, era realizar o leilão do 5G no fim do primeiro trimestre de 2020. No entanto, dificuldades técnicas e o atraso na definição das diretrizes do 5G pelo governo farão com que o certame ocorra no fim de julho de 2020, na melhor hipótese.
O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações terá de definir o modelo do leilão, se haverá exigência de mais compromissos de investimento pelas teles com o pagamento de uma outorga menor ou, ao contrário, um valor de outorga mais elevado.
O conselheiro da Anatel Vicente Aquino, relator do processo, estimou em R$ 20 bilhões o valor das outorgas. Mas o presidente da agência reagiu, afirmando que os cálculos dependem das definição das variáveis (diretrizes).
Técnicos do governo contam que a orientação é reproduzir o modelo do 4G, que mesclou outorga com compromissos de cobertura de 3G em áreas menos rentáveis do país. Nesse formato, os leilões do 4G, realizados entre 2012 e 2014, exigiram desembolsos de cerca de R$ 12 bilhões.
Se esse padrão se confirmar para o 5G, as teles afirmam que sofrerão problemas financeiros e terão de restringir investimentos no 4G, o que comprometerá o caixa. Hoje, 75% do tráfego provém da rede 4G, segundo as operadoras. O 3G, que teve o último leilão em 2011, representa apenas 23% do tráfego.
O leilão do 5G também pode sofrer atraso diante da pressão dos EUA sobre o padrão tecnológico que será definido pelo governo brasileiro. O presidente Jair Bolsonaro afirma que avança o alinhamento com Donald Trump, e as possíveis tratativas em torno de acordo bilateral para o comércio poderiam prever vetos a equipamentos chineses. O alvo é a chinesa Huawei, líder no desenvolvimento e fabricação de equipamentos de rede 5G para as operadoras.
O governo também pretende que o 5G preveja a internet das coisas, serviços avançados como veículos teleguiados e cirurgias a distância — novos produtos que dependem de redução do ICMS.
Na avaliação de técnicos da Anatel, isso levará à revisão do Marco Civil da Internet porque, para funcionar corretamente, será preciso privilegiar conexões no tráfego da rede, o que fere o princípio da neutralidade previsto no marco.
Outro ponto importante é a aprovação do projeto de lei complementar que altera o marco regulatório da telefonia — e define a participação da Oi no leilão. Segundo técnicos do governo, o parecer de um executivo da Claro (com assento no Conselho de Comunicação Social da Presidência da República para o Senado) tenta tirar a Oi do leilão 5G.
O documento recomenda que o projeto que modifica a lei das telecomunicações seja enviado para uma comissão do Senado. Se isso ocorrer, o projeto terá de voltar à Câmara, o que atrasará sua tramitação neste ano. A previsão anterior era que fosse diretamente ao plenário.
A Claro dá outra versão: o parecer de seu executivo reforça a tramitação do projeto, pois senadores, especialmente da oposição, podem vetar pontos importantes para as teles. Um desses pontos amplia segurança financeira a elas neste momento de mudanças para o 5G, porque garante a incorporação dos bens reversíveis (equipamentos e imóveis atrelados às concessões) previstos no contrato da concessão feita em 1998 e que vencem em 2025.
Sem isso, as teles terão seu risco de crédito majorado porque terão de arcar com gastos não previstos para fazer o acerto de contas com a União. Até hoje, não se sabe quanto vale esse patrimônio e quanto ainda é preciso amortizar dos investimentos realizados.
Por isso, as empresas enfrentarão dificuldade em levantar bilhões em empréstimos para o pagamento de outorga do leilão do 5G, caso o projeto não seja aprovado neste ano. Essa situação afetaria especialmente a Oi, que depende disso para sair do atoleiro da recuperação judicial encontrando um comprador ou sócio.