Em vigor há um mês, a reforma trabalhista não só trouxe mudanças na relação entre empregado e empregador, como também mudou a rotina de ingresso de ações na Justiça do Trabalho. Nos primeiros 27 dias da nova lei, entre 11 de novembro e a última quinta-feira, 5.668 ações foram protocoladas no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, que cobre o Rio Grande do Sul, número 60% inferior ao mesmo período do ano passado.
Essa queda tem dois motivos principais, aponta a desembargadora Beatriz Renck, presidente do TRT. Um deles é a corrida feita por advogados para ingressar com os processos antes da mudança, sobretudo na última semana da regra antiga. Nos 27 dias anteriores à lei, mais do que dobrou o números de casos levados ao tribunal na comparação com 2016. Foram 33.310 ações em 2017 frente a 14.547 no ano passado, elevação de 129%.
— Parece que os advogados trabalharam dia e noite para ingressar com tudo o que tinham. Agora, não têm muitas ações prontas, o que explica a redução. Não entendemos que seja correto dizer que a reforma ajudou a reduzir o número de ações trabalhistas. Pode ser que, no futuro, se confirme, mas, agora, é muito cedo fazer essa avaliação — diz a desembargadora.
Outro motivo é a incerteza que a nova CLT trouxe ao meio jurídico. Para Beatriz, a lei em vigor foi sancionada com "sérios problemas", o que gera dúvidas:
— Foi infeliz a forma como foi debatida essa lei. Aliás, nem houve o devido debate. A comprovação disso é a medida provisória 808, editada logo em seguida. Essa é a prova cabal de que não houve discussão.
Beatriz diz que não há consenso entre os juízes sobre a aplicação correta da nova lei, percepção compartilhada pelo presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da IV Região (Amatra), Rodrigo Trindade:
— As decisões serão conflitantes, pois os juízes se sentirão inseguros para definir as regras a serem aplicadas.
Para Beatriz, os advogados estão cautelosos, sem saber o que pedir no processo e indecisos com relação ao ingresso de novas ações, principalmente pela dificuldade de interpretação. Ela avalia que somente será possível fazer uma avaliação correta do impacto da reforma na quantidade de ações remetidas no fim do primeiro semestre de 2018, quando, possivelmente, algumas terão sido julgadas em segunda instância:
— Ter uma jurisprudência consolidada demora um pouco. Já estávamos com muitas dúvidas a respeito das novas leis. Nem nós, juízes, temos consenso sobre a aplicação correta. Tudo é muito incerto. São mudanças que deixaram abertas questões que estavam consolidadas. Isso não traz nenhuma segurança jurídica.
Uma das mudanças que têm causado inquietação jurídica recai sobre o pagamento das custas do processo. A reforma trabalhista prevê que o empregado que processar a empresa e perder, mesmo que parcialmente a causa, terá de arcar com os honorários de sucumbência, que variam de 5% a 15% do valor da ação, ainda que conte com o benefício da assistência jurídica gratuita. Esse ponto é contestado por uma ação direta de inconstitucionalidade em análise no Supremo Tribunal Federal (STF).
Anelise Manganelli, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), considera que há mais obstáculos para os processos abertos pelos empregados:
— Os trabalhadores deram uma freada nas ações por medo de ter de pagar honorários e por incerteza quanto a seus direitos.
A reforma também restringe o acesso à justiça gratuita — só poderá pedir o benefício quem comprovar renda equivalente a, no máximo, 40% do teto do INSS (R$ 2.212). Além disso, em caso de perícias, as despesas correm por conta do trabalhador.
— Pessoas deixarão de procurar seus direitos na Justiça não por ter havido harmonização nas relações de trabalho, mas por desestímulo ao cumprimento espontâneo da legislação — avalia a presidente do TRT.
Essa questão é controversa entre advogados. O presidente da Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas (Agetra), João Vicente Araújo, diz que essa medida viola a Constituição, que determina "assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Para o presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no Rio Grande do Sul (Satergs), Eduardo Caringi Raupp, a determinação fará com que os profissionais avaliem os riscos de propor a ação.
— Antes, havia incentivo para ajuizar tudo sem nenhum tipo de consequência ao reclamante. Agora, teremos uma Justiça do Trabalho mais enxuta e racional — diz Raupp.
A presidente da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande Sul (Federasul), Simone Leite, espera que, com ônus para ambas as partes, ocorra o uso mais responsável da Justiça do Trabalho:
— Nossa expectativa é de que se reduzam ainda mais as demandas.