Marcado por baixo crescimento e inflação alta, o cenário econômico do país - que anda confuso - ganhou nas últimas semanas novo complicador: a disparada do câmbio.
A dúvida agora é se a alta do dólar é apenas reflexo da política monetária americana ou se o país passa por uma crise de confiança, como apontam alguns especialistas.
A segunda opção foi o diagnóstico do ex-presidente do Banco Central (BC) Henrique Meirelles ao seu antigo chefe, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro no início da semana para conversar sobre os rumos da economia brasileira. Para Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, o panorama brasileiro é menos catastrófico do que "alguns gostam de dizer", pois é semelhante ao de outros países emergentes.
Freitas critica o fato de o governo ter tentado suavizar o avanço do dólar antes da posição do banco central americano sobre a continuidade do programa de estímulos à atividade econômica, estendido até o final do ano, quando será reduzido.
- Isso passou uma sensação de descontrole. O BC agia e não conseguia segurar o avanço. Era melhor esperar subir forte e agir de uma vez só - reflete Freitas.
Desde maio, o BC fez 10 intervenções no mercado cambial para evitar a alta do dólar. Para esquentar o já nervoso mercado financeiro, surgiu o rumor - desmentido rapidamente pelo Planalto - de que em conversa com a presidente Dilma Rousseff, Lula teria sugerido a substituição do ministro da Fazenda, Guido Mantega, por Meirelles.
A volta do banqueiro ao governo seria positiva, segundo alguns especialistas. A substituição de Mantega seria estratégica para recuperar a confiança dos investidores.
- A expectativa com o futuro é o que importa. E Mantega já perdeu a credibilidade - avalia o analista de risco político Alexandre Barros.
A visão é compartilhada por outro ex-diretor do BC, Carlos Eduardo de Freitas. No entanto, ele duvida que Meirelles aceite convite para ser ministro de Dilma:
- Ele só aceitaria se tivesse carta branca, como tinha de Lula. A presidente Dilma tem suas próprias ideias como economista, o que torna o relacionamento mais complicado.
Cenário conturbado
Causas
Baixo crescimento - o governo federal adotou um conjunto de medidas para impulsionar a economia. Reduziu impostos para incentivar a compra de automóveis e objetos de casa, baixou os juros bancários e renunciou a tributos na folha de pagamento. No entanto, apesar dos estímulos, a economia brasileira não reage e o país cresceu apenas 0,9% em 2012. O avanço de 0,6% no primeiro trimestre deste ano também não empolgou.
Inflação em alta - depois de ser acusado de abandonar as metas de controle de inflação, o Banco Central subiu a taxa de juro, que hoje está em 8%. O governo, por sua vez, tratou de retirar impostos de itens da cesta básica e aumentou o crédito a produtores de alguns alimentos para tentar conter o avanço de preços. Até agora, no entanto, nenhuma dessas medidas parece ter surtido efeito e, em 12 meses, a inflação oficial está no teto da meta de 6,5% ao ano.
Maquiagem de números - malabarismos contábeis e os rumos das contas públicas despertaram desconfiança do mercado financeiro e investidores. No início do ano, o Ministério da Fazenda foi obrigado a utilizar R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano do Brasil e antecipar receitas de dividendos de estatais para cumprir a meta de superávit primário.
Efeitos
Disparada do dólar - a moeda americana subiu nas últimas semanas em todo o mundo - resultado das dúvidas sobre a manutenção de incentivos do banco central americano -, mas no Brasil o movimento é mais intenso. Apesar dos cortes de impostos do Ministério da Fazenda e das intervenções do Banco Central, a moeda americana segue em trajetória de alta. Na sexta-feira, fechou em R$ 2,2440, com recuo de 0,62%, mas na quinta-feira se aproximou de R$ 2,28.
Saída de investidores - o dinheiro investido por estrangeiros na bolsa brasileira é um dos mais sensíveis ao risco e deixa o país rapidamente em momentos de turbulência. Neste mês, investidores de outros países já venderam ações na BM&F Bovespa num total superior a R$ 5 bilhões. As dúvidas sobre as condições econômicas do Brasil também levam as empresas a reavaliar ou postergar investimentos no país.
Risco Brasil avança - mudanças no ambiente de negócios de um país podem comprometer a capacidade do governo pagar suas dívidas. O índice mais utilizado para avaliar o risco do Brasil subiu 25% em um mês e chegou ontem a 243 pontos. Quanto mais alto esse número, maior é o juro exigido para emprestar ao Brasil, o que demonstra menor confiança dos investidores no país.
Personagens
Ministro falador
De origem acadêmica, Mantega foi ministro do Planejamento de Lula antes de assumir a Fazenda em 2006. Uma fala do ministro, que costuma opinar até mesmo sobre assuntos que são atribuições de outras áreas, marcou o início da alta do dólar no país, no final do mês de maio.
Conhecido por seu otimismo quanto aos rumos da economia, o ministro já se colocou em apuros por falar demais. Em 2012, chegou a chamar de piada análise feita por economistas de que o país cresceria menos de 1,5% - previsão que depois se mostrou até otimista: o PIB avançou apenas 0,9%.
Neste ano, Mantega teve sua demissão proposta pela revista britânica The Economist, uma referência no universo financeiro, e sofre críticas internas e externas por comandar uma política fiscal considerada "frouxa".
Banqueiro conservador
Presidente do Banco Central durante os dois mandatos de Lula, Henrique Meirelles foi quem por mais tempo ocupou o cargo na história da instituição: oito anos. Com uma longa trajetória no mercado financeiro, a escolha do banqueiro foi a estratégia adotada para acalmar os ânimos dos investidores, que estavam agitados com a chegada do petista ao poder.
Durante sua gestão, Meirelles se mostrou bastante obstinado em manter a política de metas de inflação iniciada pelo antecessor no cargo, Armínio Fraga. Também foi criticado por manter a taxa básica de juros brasileira entre as mais altas do mundo. Atualmente, é presidente do conselho consultivo da J&F, holding da família Batista, que controla o frigorífico JBS.