O sabor aguardente da cachaça este ano tem o gosto dolorido da lembrança para Igor Longaray, 27 anos. O produtor é um dos milhares de gaúchos que amarguraram as perdas e os rastros de destruição deixados pela enchente no Rio Grande do Sul. Mesmo assim, vieram para a Expointer, em Esteio, dispostos a vencer os desafios pessoais e profissionais da atividade agropecuária e a mostrar a força dos agricultores.
É brindando a vida e a memória dos familiares que Longaray ocupa a banca de número 01 no tradicional pavilhão da agricultura familiar. Responsável pelas vendas da Cachaça Casa Bucco, de Bento Gonçalves, o funcionário perdeu a esposa e o sogro num deslizamento de terra que atingiu as construções da propriedade. O desmonte levou pessoas queridas e parte da cana cultivada nos canaviais da agroindústria. Marcar presença na Expointer este ano, para Longaray, é questão de honrar um legado:
— Estou aqui por ela. Minha esposa ajudava a produzir as cachaças e estou tocando o trabalho que ela deixou. É um afeto — conta o produtor, mostrando uma foto de Alice Estivalet, que tinha 21 anos, no celular.
O pai dela, o alambiqueiro Anilton Santos, de 60 anos, também deixou lacunas na história da agroindústria.
Os deslizamentos não afetaram a cachaçaria em si e por isso foi possível, aos poucos, retomar a produção. A Casa Bucco fabrica cerca de 60 mil litros de cachaça ao ano. Há quase duas décadas a marca está presente na Expointer, e em 2024 a expectativa é bater recordes, também em homenagem aos que se foram, diz o produtor.
O espírito de retomada é a principal marca da 47ª Expointer e as histórias de superação estão por toda parte. Do Vale do Caí para Esteio, o produtor de samambaias e folhagens em geral Rafael de Souza, 34 anos, viu a vizinhança perder quase toda a produção de flores. A região foi uma das mais afetadas pela cheia no RS.
Na sua propriedade, os efeitos foram indiretos, mas igualmente sensíveis à produção. O excesso de umidade e a falta de horas de sol comprometeram o desenvolvimento das plantas. Muitas delas ficaram suscetíveis a fungos e perderam qualidade.
Além disso, o acesso interrompido pelas estradas dificultou a chegada de insumos e de compradores, praticamente estagnando a comercialização. O convite para estar na Expointer, portanto, é um sentimento de retomada da própria empresa:
— Recebemos o convite para expor na feira e vimos como um gesto simbólico para retomar. As flores e as plantas dão vida, alegram qualquer lugar. O pessoal não quer mais ver o barro da enchente — diz Souza, à frente da Floricultura Mauro Souza, do município de Capela de Santana.
"Teimamos em continuar"
Nem mesmo grandes campeões foram poupados das intempéries que arrasaram produções dos mais diversos segmentos agropecuários. Na cadeia do leite, já enfraquecida por outros fatores, os estragos da enchente viveram para colocar à prova a permanência dos produtores na atividade.
Colecionando prêmios em diversas categorias de concurso leiteiro na Expointer do ano passado, o produtor Diogo Ferraboli, 30 anos, buscou no amor aos bichos a motivação para voltar. A propriedade em Anta Gorda, no Vale do Taquari, perdeu mais de 15 mil litros de leite no auge da cheia. O produto estragou devido à falta de energia elétrica e porque os caminhões que recolhiam o leite que não conseguiam chegar.
— Só estamos aqui porque teimamos em continuar. Vínhamos calejados há quatros anos pelas secas e agora veio a enchente, que conseguiu ser pior. Se viemos, é por gratidão. Temos muitas parcerias e não podíamos virar as costas para quem sempre nos ajudou. Estar na Expointer é oportunidade de mostrar para as pessoas como é a vida do agricultor — diz Ferraboli.
Cuidadoso para “não cantar vitória antes da hora”, o produtor diz estar otimista por novos títulos nesta edição. A vaca 407, carinhosamente chamada de Pitoca, é a aposta da casa para repetir os feitos de melhor produção. Em 2023, a Granja Ferraboli fez dobradinha ao ganhar pelo segundo ano seguido o concurso de vacas holandesas.