O dinheiro poucas vezes custou tão caro para os produtores rurais. Diante da necessidade de ampliar ou renovar a frota de máquinas e implementos, a realidade bate à porta com um Plano Safra insuficiente e um mercado com juros que partem de 16% ao ano. No Rio Grande do Sul há, ainda, o adendo da estiagem que castiga diversas regiões — cenário que não se repete no resto do Brasil. Hora de colocar cada opção na ponta do lápis, até porque não existe uma receita-padrão.
— Varia muito de um produtor para o outro porque depende do impacto da estiagem, que está se repetindo. Qualquer negócio que tenha dois anos consecutivos com problemas de receitas vai apresentar um apetite menor para investimentos e expansões, mas a reposição é necessária e vai acontecer naturalmente — entende o economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz.
A estiagem ganha companhia da valorização do dólar para compor um cenário bastante desafiador. No entanto, a guerra entre Ucrânia e Rússia e problemas climáticos em países como Argentina, Estados Unidos, China e Índia colaboraram para que os estoques mundiais de grãos chegassem a níveis muito baixos. Isso significa oportunidade para o Brasil, maior exportador líquido de alimentos.
Segundo Antônio da Luz, não é possível imaginar, neste momento, que a demanda vá arrefecer tão cedo. A estiagem faz com que o problema, no caso do Estado, esteja na oferta — e não na demanda.
Ainda que essa queda no apetite possa interferir no mercado gaúcho, ele acredita que a Expodireto Cotrijal alcance um volume considerável de negócios em função do bom momento da agricultura nacional. A atratividade comercial vem dos produtores de outras regiões.
Para aumentar a produção, não basta chover: é preciso investir em tecnologia e maquinário. Com o Plano Safra esgotado, os juros são bem menos convidativos e tiram ainda mais o apetite do produtor. Do outro lado, estão os fabricantes, que buscam alternativas para continuar levando os produtos ao campo.
— Faltam políticas públicas. Como o agricultor não tem a taxa subvencionada, e a do mercado está em 16%, no mínimo, é caro. O pessoal costuma comprar máquina com juro pré-fixado. Então, vai ficar alguns anos pagando isso — lamenta o presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Associação Brasileira das Indústrias de Máquinas e Equipamentos (CSMIA/ Abimaq), Pedro Estevão Bastos.
Outro detalhe que, segundo ele, traz problemas, é a expectativa pelo próximo Plano Safra — lançado normalmente em junho. Alguns produtores optam por aguardar e tentar juros mais baixos, sob pena de se arrependerem de ter feito um negócio pior agora. O problema, neste caso, é que não há recurso para todos. No ano passado, o governo levou cerca de um mês para suspender, por falta de caixa, algumas das linhas oferecidas.
Até lá, as alternativas se concentram no financiamento privado e em uma modalidade em crescimento entre os produtores rurais: o consórcio.
Segundo o presidente-executivo da Associação Brasileira das Administradoras de Consórcio (ABAC), Paulo Roberto Rossi, o crédito médio é de R$ 291 mil, variando entre R$ 10 mil e R$ 945 mil. Dos consórcios contratados, 87% se destinam à aquisição de tratores e o restante, de colheitadeiras.
— Devemos ter terminado o setor de máquinas agrícolas, em 2022, com cerca de 219 mil participantes ativos — estima Rossi, enquanto a entidade apura os números finais.
Com prós e contras, o consórcio também deve ser avaliado de acordo com a realidade de cada negócio. Pesa a favor o baixo custo da operação, que cobra uma taxa de administração, bem abaixo dos juros. Por outro lado, é preciso esperar pelo sorteio ou dar um lance em busca da contemplação no mês desejado, tentando antecipar a compra.
— É uma alternativa, mas que não atende a todos os produtores. Só uma parte, sobretudo a que está capitalizada. O lance, para antecipar a contemplação, fica em torno da metade do valor do bem, o que descapitaliza o negócio. Para produtores capitalizados, é interessante. Caso contrário, talvez seja melhor pagar juro e parcelas pequenas — exemplifica Antônio da Luz.
Calculadora na mão para escolher financiamento
Caso a escolha seja pelo financiamento diretamente com o mercado privado, o produtor também encontra uma série de opções. As taxas de juros e outros encargos variam de uma instituição para outra e devem ser pesquisadas à exaustão para garantir o melhor negócio.
O CEO do Grupo SA, Edimar Ceolin, foi por um caminho ainda pouco explorado no Estado: a parcela com base na cotação do dólar ou do euro. Os R$ 2,1 milhões tomados para a compra de um pulverizador e três tratores ganharam carência de 18 meses para começarem a ser pagos. O valor mensal é definido de acordo com a variação cambial da moeda americana — um risco assumido por ambas as partes.
Ceolin conta que, no dia da compra, o dólar estava cotado a R$ 5,20. Se esse valor subir, ele perde. Mas ele considera a operação bastante lógica, já que a produção do grupo é majoritariamente de soja, trigo e milho, commodities precificadas em dólar pela empresa na hora de vender. Nessa modalidade, contratada junto ao AGCO Finance, ele conseguiu negociar juros um pouco abaixo, ficando em 11% ao ano.
— Procuramos várias revendas, conversamos com representantes de diversas marcas. Outra coisa que chamou bastante atenção foi poder financiar 100% do maquinário — destaca.
Para Antônio da Luz, o setor de máquinas tem dois desafios. O primeiro é olhar com mais atenção para as mudanças no crédito rural brasileiro, sobretudo a entrada do mercado de capitais. Para ele, essa aproximação precisa ser mais rápida. O segundo ponto é equacionar a questão dos juros.
— O que a gente precisa é que o governo tenha um pouco mais de sabedoria, organize a questão fiscal para que os juros caiam — alerta.
Superando as questões de juros e de volume de crédito, o setor de máquinas deve manter naturalmente o crescimento nas vendas. Por fim, ele pontua o ambiente de incerteza como um terceiro fator, embora não ligado apenas ao setor, mas a todo o mercado.
— Ainda há muita desconfiança, sobretudo por parte dos produtores, com a economia brasileira, o ambiente político, e ela freia um pouco o apetite — observa da Luz.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) projeta queda de 3,5% na venda de máquinas agrícolas em 2023. A entidade estima a comercialização de 65 mil unidades, ante 67.385 no ano passado.
Mas, se depender de Edimar Ceolin, o aquecimento do mercado pode estar mais próximo do que se imagina. Sediado em Santiago, o Grupo SA está expandindo a área plantada, que hoje é de 20,3 mil hectares, com uma lavoura no Tocantins — a empresa já trabalha em municípios da Fronteira Oeste do Estado e no Pará. Para atender a essa demanda, ele já alinhavou a compra de mais dois tratores, negócio que será fechado na feira.
— Toda operação que não é 100% fixa tem risco, mas no momento é interessante — defende.
O presidente da Cotrijal, Nei Mânica, vai na mesma linha e vê otimismo.
— É uma feira extremamente de business. Também teremos a oportunidade de discutir nos fóruns, como o Fórum Nacional do Soja, o do Milho e o do Trigo — avalia.