O índice de 2,9% de crescimento do PIB nacional registrado no ano passado deve ser sucedido por uma cifra mais modesta em 2023 por razões como o patamar elevado de juros, a inflação acima da meta e o pesado endividamento das famílias brasileiras.
As estimativas mais recentes apontam para uma taxa pouco abaixo ou ao redor de 1%, com o pequeno crescimento impulsionado sobretudo pela atividade agropecuária – que sofreu uma queda em 2022, mas deverá substituir o setor de serviços como principal geradora das riquezas do país ao longo dos próximos meses.
O professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Marcelo Portugal afirma que os dados revelados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira (2) podem ser vistos de duas formas.
— Podemos ver o copo meio cheio, pelo fato de termos avançado quase 3% depois de já termos crescido 5% no ano anterior. Mas também podemos enxergar o copo meio vazio, porque esse crescimento se concentrou entre março e setembro, e acabou negativo no último trimestre, mostrando uma desaceleração — observa Portugal.
Na avaliação do economista, esse cenário pode ser entendido, em parte, como uma espécie de "volta ao normal" do ritmo de crescimento brasileiro. Conforme Portugal, nas últimas três décadas o Brasil tem avançado, em média, a uma taxa anual próxima de 2% - com fatores circunstanciais capazes de, em determinados momentos, elevar ou achatar esse patamar, como uma elevação nos preços de commodities ou as restrições provocadas pela pandemia.
Para 2023, Marcelo Portugal acredita que alguns pontos cíclicos devem manter o PIB um pouco abaixo da recente média histórica: o nível elevado de juros (13,75% ao ano) atrapalha acesso a crédito e investimentos, a inflação (5,6% no acumulado de 12 meses até fevereiro) segue impactando a renda das famílias, e há uma desaceleração global (embora o cenário internacional esteja menos pessimista hoje).
A economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Juliana Trece lembra ainda que os lares brasileiros já estão altamente endividados, o que limita o consumo e, por consequência, atividades ligadas a setores como o de serviços.
Uma pesquisa divulgada em janeiro pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apontou que 77,9% das famílias do país fecharam o ano passado com alguma dívida a vencer - o quarto recorde consecutivo do levantamento realizado de forma anual.
— O recorde de endividamento pode levar à desaceleração da economia. Mas, até o momento, acreditamos que o resultado ao final deste ano vai se manter positivo — afirma Juliana.
A agropecuária, que caiu 1,7% no acumulado de 2022 em comparação com 2021, agora deverá puxar o pequeno crescimento do PIB na avaliação da economista da FGV.
— Espera-se estabilidade ou pequena queda para serviços e indústria. Mas a expectativa de uma grande safra, principalmente de soja, que é nosso principal produto agrícola, deve ajudar a salvar o PIB — diz Juliana.
A especialista lembra, porém, que sob esse cenário o país deverá ficar mais sensível a questões climáticas difíceis de prever ou contornar – como a seca como a que atinge o Rio Grande do Sul – para confirmar as previsões de um PIB menos robusto do que em 2022, mas ainda positivo.