Com a prerrogativa de desburocratizar o serviço público, o governo federal tem investido na digitalização de operações, como emissão das carteiras de trabalho. Por meio das secretarias de Governo Digital e de Desburocratização, o Ministério da Economia intensificou a pauta e diz ter digitalizado 515 serviços apenas em 2019, superando em 20% a meta definida para o ano.
Até o final de 2020, a intenção é de digitalizar mil procedimentos — na primeira semana do ano, foram 19. Caso a meta seja alcançada, cerca de 80% dos quase 3 mil serviços públicos prestados pelo Executivo federal estarão disponíveis por canais eletrônicos, como sites ou aplicativos para smartphones. A oferta de 100% está prevista para 2022.
Com isso, é facilitado o acesso ao pedido de aposentadoria, por exemplo, o que será realizado sem a necessidade de pegar filas. Também não será necessário deslocar-se para muito longe a fim de efetivar a licença-maternidade ou ir repetidas vezes ao aeroporto atrás da carteira internacional de vacinação, necessária para muitas viagens ao Exterior.
— Trabalhamos com a perspectiva de que, hoje, a sociedade brasileira é digital. Então, há necessidade de transformação do governo. O que a gente promoveu no ano passado foi a primeira onda de digitalização do governo federal. Ainda teremos outras — destaca o secretário-adjunto de Governo Digital, Ciro Avelino.
A meta foi apresentada em maio de 2019 pelo secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, durante evento em Brasília reunindo autoridades, empresas e analistas para discutir os desafios das telecomunicações no país.
— A digitalização envolve a simplificação de processos, a melhoria e integração das bases de dados, a automatização de determinados procedimentos como atendimento ao público e o treinamento de servidores — garantiu Uebel, na ocasião.
Hoje, 1.792 serviços do governo federal são totalmente digitais, 53% do total (3.384), conforme a Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia. Mas a pauta, apesar de ter avançado no último ano, não é tão recente. Políticas para governança de dados têm sido criadas desde 2010. E, em 2016, durante o governo Michel Temer, teve início uma estratégia de governo digital.
Até 2025, como aponta uma projeção apresentada pela empresa chinesa Huawei em 2018, em um estudo denominado "Índice Global de Conectividade", a economia digital deverá movimentar US$ 23,3 trilhões (R$ 93,7 trilhões).
A digitalização envolve a simplificação de processos, a melhoria e integração das bases de dados, a automatização de determinados procedimentos como atendimento ao público e o treinamento de servidores.
PAULO UEBEL
Secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia
— A gente pretende que todo o governo se enxergue como um grande prestador de serviços, e a partir daí fazer a unificação das informações de todos os órgãos, pensando em aumentar a qualidade desses serviços para a população — prevê Avelino.
Os planos tiveram início efetivo logo em março, quando o governo federal firmou com a Dinamarca, líder em um ranking dos países com maior índice de digitalização do mundo, um acordo para aprender boas práticas de digitalização e desburocratização de serviços. O objetivo era descobrir a melhor forma de economizar e facilitar o acesso das pessoas a serviços essenciais. A cooperação entre os dois países no setor de inovação vem desde 2015, e a transformação digital é o início da segunda etapa desse projeto, junto com o fortalecimento das competências na área de direitos de propriedade intelectual no Brasil.
A Secretaria de Governo Digital explica, porém, que digitalizar não significa excluir o atendimento presencial. Pessoas sem internet e analfabetas, por exemplo, além daquelas que preferirem ir pessoalmente aos locais, continuarão tendo acesso a esses serviços, afirma o governo.
Excesso de informações disponíveis e problemas de conexão ainda preocupam
Em meio à estratégia de digitalizar e unificar os serviços ao cidadão, facilitada por dois decretos editados em 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro, o governo quer também tornar mais acessível, para ele mesmo, o cruzamento de informações em todos os seus bancos de dados.
Assim, o cidadão, como acontece hoje, não precisaria mais atualizar seus dados em uma série de órgãos: seria apenas em um. Ao unir aplicativos e serviços em um site, o objetivo é reduzir filas, custos aos cofres e minimizar fraudes. Só no governo federal, há pelo menos 20 bases que guardam dados de documentos como CPF, RG, passaporte e cartão do SUS.
Para especialistas, ainda há uma garantia de proteção graças a documentos como a Lei Geral de Proteção de Dados, que entrará em vigor em agosto, mas faltam, por exemplo, serviços como um canal de transparência para que as pessoas tenham conhecimento sobre o uso de suas informações por diferentes órgãos.
O destravamento desse potencial identificado para a digitalização dos serviços públicos é promissor, mas depende ainda da ampliação da conexão à internet. No Brasil, conforme a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), cerca de 30% dos cidadãos ainda não têm acesso frequente. O Brasil tem apenas 52% dos lares com internet, ainda há desigualdades no acesso e a maioria dessas conexões é por redes móveis.
O presidente da Anatel, Leonardo Euler, chegou a afirmar, em entrevista, que "a agenda digital depende de conectividade. Não há conectividade sem infraestrutura de telecomunicações. Ela é o pilar principal para transformação digital do país".
Já as empresas de telecomunicações relatam dificuldades para investir em infraestrutura. Caso o ideal do governo, o interesse das empresas e o bem-estar da população consigam encontrar um denominador comum, já se sabe o que virá a seguir: na lista das digitalizações em desenvolvimento, estão ainda a identidade digital — que deverá ser lançada em projeto-piloto neste ano, utilizando registros de biometria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — e o licenciamento ambiental automatizado, alvo de críticas de ecologistas.