O Banco Central realizou duas importantes mudanças, na quarta-feira passada (27), que afetam um dos empréstimos mais caros do Brasil: o cheque especial. A partir do ano que vem, o juro desse tipo de empréstimo só pode chegar, no máximo, a 8% ao mês – hoje, é de 12,4%. No entanto, como contrapartida, bancos estarão liberados para cobrar uma tarifa extra quando oferecerem mais de R$ 500 à disposição do consumidor.
Cheque especial é o nome dado ao empréstimo liberado quase automaticamente pelo banco caso o cliente seja cobrado de alguma fatura e não tenha dinheiro suficiente na conta para o pagamento. É o segundo crédito mais caro do Brasil: segundo o Banco Central, em outubro, o juro fechou em 305% ao ano (12,4% ao mês). Hoje, o empréstimo mais caro do país é do cartão de crédito: último levantamento da Proteste aponta que pode chegar a absurdos 748% ao ano ou 19,5% ao mês.
A taxa extra do cheque especial será de 0,25% sobre o limite de crédito oferecido para além dos R$ 500. Em um cenário hipotético, quem tiver limite de R$ 1 mil de cheque especial para gastar precisará pagar uma taxa de R$ 1,25 ao mês, o que representa 0,25% de R$ 500. A tarifa será cobrada de todas as pessoas, mesmo de quem não usar o valor no mês — é o caso de 19 milhões de brasileiros. Basta ter à disposição mais de R$ 500 na modalidade.
Bancos deverão avisar o consumidor 30 dias antes da cobrança — segundo o Banco Central, a taxa será aplicada a partir de 6 de janeiro de 2020 para quem entrar no cheque especial a partir da data e em 1º de junho para contratos já em vigor, ou seja, para quem já está devendo. Só ficam isentos os consumidores que tiverem até R$ 500 disponíveis para gastar no cheque especial.
A liberação do Banco Central para que instituições apliquem uma taxa apenas para oferecer um limite maior de R$ 500 no cheque especial é vista como uma benesse aos bancos para atenuar o impacto da redução de juros. Oficialmente, o Banco Central diz que impôs um teto ao juro para penalizar menos os mais pobres, justamente quem mais usa o cheque especial e tem baixa educação financeira.
Com a redução da taxa de juro para o máximo de 8% ao mês, a ideia é que a taxa anual fique em 150% ao ano — metade do valor atual, segundo o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, João Manoel Pinho de Mello. Rodrigo Alexandre, pesquisador da Proteste, alerta para a nova cobrança e pede que consumidores estejam atentos:
— Essa nova cobrança é uma tarifa extra que o consumidor irá pagar para utilizar o cheque especial acima do limite de R$ 500. Isso é ruim, porque o consumidor já paga uma tarifa para ter a conta corrente. A partir do ano que vem, haverá mais uma tarifa, a do cheque especial. Embora muitas pessoas não o utilizem, na prática, vários bancos deixam o cheque especial disponível. O consumidor deve ficar atento para o limite disponibilizado.
Ele dá um conselho para cada um dos dois tipos de consumidor nesse cenário:
Nunca uso o cheque especial. O que faço?
Consulte a sua conta e verifique se o limite do cheque especial é maior do que R$ 500. Caso seja, peça a seu gerente para reduzir o limite para menos de R$ 500 porque você não quer pagar a tarifa extra ao mês.
Uso o cheque especial. O que faço?
Se você usa o cheque especial, mude de hábito e peça ao gerente outra forma de crédito, como empréstimo consignado ou crédito pessoal, com juro menor. Caso contrário, se seu limite for acima de R$ 500, você passará a pagar a taxa no ano que vem.
Como a colunista Giane Guerra ressaltou, ainda que o juro tenha sido reduzido para 8% ao mês, o cheque especial deve ser a última opção do consumidor. Se, como promete o Banco Central, o juro anual cair para 150% ao ano, o empréstimo pessoal, por exemplo, é bem mais vantajoso: oferece juro de 50% ao ano.
A medida intervencionista chama a atenção no governo Jair Bolsonaro, que se autoproclama liberal na economia, como destacou a colunista Marta Sfredo. Hoje, a taxa de juro do cheque especial é a maior em 25 anos.
Bancos não gostaram da ideia. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) emitiu nota na qual diz que vê com "preocupação" as mudanças e chama a decisão de "tabelamento de preços". "Medidas para eliminar custos e burocracia e estimular a concorrência são sempre mais adequadas aos interesses do mercado e dos consumidores", afirmou a entidade.
O Banrisul informou que está estudando as medidas a serem tomadas sobre o tema. Bradesco e Itaú-Unibanco afirmaram que quem se posicionaria pelas instituições seria a Febraban. Banco do Brasil, Santander e Caixa Econômica Federal ainda responderam até a publicação desta reportagem.