A coluna já manifestou surpresa com o exotismo da solução do Banco Central (BC) para o absurdo do juro do cheque especial, que envolve ao mesmo tempo uma espécie de tabelamento do juro e a cobrança de uma mensalidade dos usuários da ferramenta. Ao fixar taxa mensal máxima de 8%, o BC faz história. Adota uma medida profundamente intervencionista em um dos governos mais autoproclamados liberais. É um absurdo que evidencia outro, maior ainda: a disfuncionalidade do mercado de crédito no Brasil.
Enquanto o juro básico caía para o menor patamar da história registrada no Brasil, a taxa do cheque especial subiu para alcançar o maior nível em 25 anos. Só esse enunciado já mostra o tamanho do problema. Na gestão de Ilan Goldfajn, o BC havia adotado uma fórmula para domar outro campeão mundial da ineficiência, o juro do cartão de crédito. Na época, havia começado uma conversa com os bancos para que moderassem também as taxas no cheque especial. Nada aconteceu, e o BC presidido pelo neto do pai de todos os liberais brasileiros, Roberto Campos, interveio para regular a taxa de juro.
O juro do cheque especial é alto porque é um crédito concedido sem planejamento, quando o cliente precisa, mas também é resultado da concentração do sistema financeiro no Brasil. Os cinco maiores bancos – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú, Bradesco e Santander – detêm cerca de 80% do volume de empréstimos no país. Toda vez que alguém lembra desse dado, o argumento era de que a disseminação das fintechs (startups financeiras) daria conta da competição. É claro que esse é apenas um discurso conveniente.
Ex-diretor do BC, além de ex-ministro, Luiz Carlos Mendonça de Barros saúda o fato de a instituição estar, enfim, atuando como reguladora de mercado. Pondera que entidades de regulação, por, digamos, excesso de convívio, muitas vezes acabam incorporando as demandas do segmento monitorado. A medida, avalia, é mais um passo para abrir uma das caixas-pretas que mais interessam aos brasileiros: a da diferença entre o que o banco paga quando o cliente aplica e a que cobra quando empresta. Isso tem um nome: spread.
A solução dada pelo BC para o cheque especial mantém esse mecanismo como uma das linhas de crédito mais caras do país, portanto algo a ser evitado, não incentivado. Juro anual de 150% em 2019, quando investidores encontram taxas negativas mundo afora, ainda é uma excrescência. Deve ser usado apenas em emergências, como foi desenhado. No entanto, o golpe na mesa dado pelo BC pode acordar banqueiros acomodados e clientes anestesiados.