A crise econômica e a persistência do desemprego nas alturas têm levado cada vez mais gente a perder o que, para muitos, é seu grande sonho: a casa própria. Maior financiadora de imóveis do país, a Caixa Econômica Federal já colocou à venda ou para leilão neste ano 19,4 mil casas e apartamentos retomados de quem deixou de pagar as prestações em dia – em todo ano passado, foram 28,2 mil. E o estoque de imóveis recuperados pela instituição nunca foi tão alto: são 47 mil unidades aguardando novos donos.
– Via de regra, os bancos preveem em contrato a retomada do imóvel após 90 dias de atraso nas parcelas. Passado este prazo, o banco notifica o mutuário, reincorpora o imóvel e prepara sua oferta em leilão – descreve o advogado especializado em direito imobiliário Rafael Paiva Nunes.
O procedimento está previsto nos contratos com garantia de alienação fiduciária – praticamente todos firmados desde 1997. Como corre por via cartorial, sem disputa judicial, a reincorporação é rápida. O banco paga o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), extingue o contrato de financiamento e fica livre para vender o imóvel.
Para piorar a situação do inadimplente, a negociação no leilão é feita por valores abaixo dos de mercado, que são usados para cobrir a dívida, multas, juros e a fatia que falta no financiamento – ou seja, geralmente nada sobra para o antigo dono.
– Por esta razão, o mutuário não deve nunca deixar o imóvel ir a leilão. É preferível tentar renegociar com os bancos ou vender antes a casa, mesmo que por um valor abaixo do de mercado – explica Paiva Nunes.
Dificuldade para pagar as contas
Esta é a empreitada de uma moradora de Canoas que há dois anos vive uma rotina de renegociações com a Caixa Federal. A auxiliar administrativa, que pediu para não ser identificada a fim de evitar constrangimentos, largou o emprego quando nasceu prematuramente sua filha. Desde então, mergulhou em dificuldades financeiras. Mais de uma vez, o banco anunciou a iminência da retomada do imóvel, mas ela e o marido conseguiram convencer o gerente a jogar a dívida para mais adiante, diluindo-a nas prestações seguintes.
No ano passado, a mulher voltou a trabalhar, mas ganhando menos do que no emprego anterior, o que a impediu de manter a regularidade no pagamento. No início deste ano, mais uma vez, o banco anunciou a retomada, mas ela tomou um empréstimo e quitou os atrasados:
– Vivemos na corda bamba. Pago um mês, mas atraso dois. Como a renda familiar caiu muito, a gente nunca consegue pagar as parcelas em dia. Por enquanto, estamos conseguindo manter nosso apartamento, mas à base de muito sacrifício.
Disparada na procura por auxílio
Em geral, os bancos são receptivos à tentativa de renegociação. Uma das alternativas oferecidas é o congelamento de parcelas, com retomada do pagamento nos meses seguintes. De acordo com a Caixa Federal, se o contrato não estiver em atraso e o comprador tiver pago, no mínimo, 24 prestações desde a concessão do financiamento ou a última negociação, é possível pausar até 12 prestações mensais. O valor da dívida será somado às parcelas futuras, sem mudança no prazo. O Banco do Brasil permite renegociar as parcelas em atraso, diluindo o valor não pago nas próximas parcelas.
– O importante é que o cliente procure o banco antes que este pague o ITBI e reincorpore o imóvel, senão a renegociação se torna muito mais difícil – explica Anderson Machado, diretor da Associação dos Mutuários e Moradores do Rio Grande do Sul (AMMRS).
Machado comenta que, neste ano, a quantidade de pessoas que procuraram a associação preocupadas com a iminência da perda do imóvel disparou – na maior parte dos casos, mutuários do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Hoje, a AMMRS move 3,2 mil processos na tentativa de reverter perdas de imóveis. A esperança é de que seja verificada alguma irregularidade no processo da retomada do imóvel, aberto um processo revisional ou que o juiz determine que o banco tente uma reconciliação.
Foi o caso de um morador de Alvorada de 42 anos. No ano passado, ele, que prefere não se identificar, se endividou na compra de um carro e perdeu o emprego, o que o levou a atrasar por quatro meses o pagamento da casa comprada pelo MCMV. Quando procurou o banco para acertar os atrasados, descobriu que o imóvel já havia sido reincorporado pelo banco e estava prestes a ser leiloado.
– O banco não quis renegociar, então, entrei com uma ação na Justiça. Daí, sim, o advogado do banco me ligou para negociar. Consegui voltar a trabalhar e paguei todos os atrasados, felizmente – conta.
As possibilidades para evitar a perda do bem
- Se tiver saldo no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), você poderá utilizá-lo para pagar parcelas atrasadas. O fundo pode cobrir até 80% do valor das parcelas que ficaram para trás. Mas atenção: por determinação do Conselho Curador do FGTS, esta opção só valerá até o final de 2018.
- Evite deixar chegar o momento da retomada do imóvel, quando é pago o ITBI pelo banco, pois nesta etapa praticamente se fecham as portas para renegociar o financiamento, mesmo com pagamento dos atrasados.
- Se estiver com problemas financeiros e perceber que não conseguirá mais quitar as parcelas, providencie imediatamente a venda do imóvel, mesmo que por valor abaixo do mercado. Desta forma, irá recuperar valores já pagos pelo imóvel (como entrada, FGTS e parte do financiamento) sem o desconto de multas e taxas. Se o imóvel for a leilão, é difícil a recuperação de qualquer valor investido.
- Mesmo se houver a consolidação da propriedade por inadimplência, consulte um advogado para verificar se o rito adequado para a expropriação foi seguido. Às vezes, os bancos cometem falhas que podem acabar revertendo a perda do imóvel e dando mais tempo para que o mutuário resolva sua situação. Além disso, por via judicial, também é possível tentar reverter a consolidação do imóvel pelo banco ou retomar o pagamento do contrato por depósitos em juízo.