Os consumidores que compram a prazo, usam cartão de crédito e até sonham em financiar uma casa estão perguntado: quando a queda da taxa básica de juros vai chegar à vida real? O Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a taxa em 0,25 ponto porcentual no fim de março, e a Selic passou de 6,75% para 6,5% ao ano — nível mais baixo desde 1986. Mas quem espera ver efeitos práticos disso nos empréstimos e nas compras a prazo precisará de paciência e muito cuidado.
O ritmo dos juros para a pessoa física, o consumidor, não é o mesmo da taxa básica do Copom. De acordo com especialistas, para essa redução se espalhar será preciso de seis e nove meses de espera. E, ainda assim, será bom não ter muitas expectativas.
— Como as taxas de juros hoje estão muito altas, as pessoas não deverão perceber quando essa queda chegar. Ou seja, ainda serão taxas muito altas. Por isso, mais do que nunca, será preciso manter o cuidado na hora de usar crédito — explica a economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo.
Ela afirma que o spread bancário — a diferença entre os juros que os bancos pagam quando tomam dinheiro e os que cobram quando emprestam aos clientes — cresceu muito nos últimos anos. Por isso, mesmo caindo, os juros ainda podem virar o pesadelo de muita gente.
Pressão
Pesquisa de juros da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), de fevereiro, apontou que, após 14 meses de reduções consecutivas, as taxas de crédito voltaram a ser elevadas, mesmo com a queda da Selic. Das seis linhas pesquisadas para a pessoa física, duas caíram (cartão de crédito e financiamento de veículos). Mas outras quatro ficaram mais salgadas: juros do comércio, cheque especial, empréstimo pessoal nos bancos e empréstimo pessoal em financeiras. O resultado é uma taxa média de juros para pessoa física de 133,7% ao ano, mais de 20 vezes a Selic.
— Enquanto os dois grandes bancos estatais (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) não adotarem juros mais baixos, os efeitos dessa redução da Selic ficarão longe dos consumidores. Essas instituições estão em situação confortável, seguem lucrando. É preciso que a sociedade faça pressão sobre o governo federal — defende o presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL-RS), Vitor Augusto Koch.
Segundo ele, essa tem sido uma bandeira da FCDL desde que a Selic começou a queda, até com a mobilização de parlamentares gaúchos na empreitada. A expectativa é de que os bancos privados sigam o caminho de BB e Caixa, espalhando juros mais amigáveis por toda a rede bancária, chegando a empresas e clientes.
BC promete juros para baixo
Ao lado da Selic, o Banco Central (BC) vem tomando iniciativas para empurrar para baixo os juros do crédito. Entre elas estão medidas para baratear máquinas de cartão de crédito para lojistas e reduzir os depósitos compulsórios dos bancos — liberando mais dinheiro para ser emprestado aos clientes com menos juros.
A próxima medida não deve vir do BC, mas foi divulgada pelo presidente do banco, Ilan Goldfajn. Neste mês, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) deve anunciar medidas relacionadas ao cheque especial. Na semana passada, em Brasília, Goldfajn enfatizou ser preciso temperar a meta da inflação com juros mais baixos por tempo prolongado. Ele reforçou que a Selic pode voltar a ser reduzida em maio, mas deve haver uma interrupção do ciclo de cortes em junho. O presidente do BC destacou que, em junho, os efeitos da Selic na inflação serão sentidos, mesmo, em 2019.
O que o consumidor precisa saber
O sistema financeiro vem aumentando o crédito a empresas e a pessoas físicas. Isso deve se acentuar nos próximos meses. Mas é aí que mora o perigo. Será que as pessoas saberão lidar com mais oferta de crédito? Porque mesmo caindo, os juros seguirão elevados. Ou seja, o risco de criar uma dívida impagável estará sempre presente. Veja como estar preparado para fazer um empréstimo ou financiamento.
- Antes do crédito, a vida financeira deve estar organizada com um orçamento doméstico. Isso é definir quais são as reais necessidades e planejar os gastos considerando a renda disponível — não a renda disponível mais o dinheiro que vier com o crédito. Significa ter gastos dentro do salário.
- Segundo a economista chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, só deve buscar crédito quem tiver dinheiro para pagá-lo no futuro. Isso foge da lógica que muita gente segue: buscar empréstimos, justamente, por não se ter o dinheiro que se precisa.
- O pulo do gato é fazer uma reserva financeira para eventuais gastos extras não previstos ou até planejar a compra. Pagar juros sem extrema necessidade não é um bom negócio. E fazer dívidas sempre traz risco de se ter o nome negativado, perdendo o aceso a crédito ou empréstimos.
- As taxas de juros são livres, sendo definidas pela própria instituição financeira. Não existe controle de preços. A única obrigatoriedade que o banco tem é informar ao cliente as taxas que serão cobradas.
Na hora de buscar crédito
- Quando da contratação de um financiamento, pesquise sempre a taxa de juros e demais acréscimos.
- Cobre do banco o Custo Efetivo Total (CET) da operação. Trata-se da taxa que considera todos os encargos incidentes no crédito.
- Evite empréstimos de longo prazo que embutem custos maiores.
- Fuja do rotativo do cartão de crédito e do cheque especial. Ambos têm as maiores taxas de juros do mercado.
- O cheque especial não é renda sua, deve ser utilizado por um período muito curto e emergencial. Se precisar usar esse limite por mais tempo, procure o banco e faça um empréstimo pessoal.
- Existem linhas de crédito mais baratas, como o microcrédito, que tem taxa de 2% ao mês, penhor na Caixa Federal e crédito consignado.
- Não deixe as dívidas crescerem por conta dos juros de mora e das multas. Procure logo o credor e proponha uma renegociação que consiga cumprir.
- Se possível, adie compras para juntar dinheiro e adquirir o mesmo item à vista, sem juros. Caso não seja possível, pesquise muito, barganhe e compre nos menores prazos possíveis. Quanto menor o prazo, menor a incidência de juros.
Para se livrar das dívidas
1 - Identifique todas as dívidas da família.
2 - Tendo dinheiro aplicado, resgate para usar nos pagamentos.
3 - Reduza as despesas mensais (comprometa a família nessa meta).
4 - Analise sua capacidade de pagamento para propor acordo aos credores (qual o valor mensal que posso pagar?). Renegocie algo que possa cumprir.
5 - Estabeleça prioridades. As despesas a se pagar ou renegociar primeiro são as de juros altos e as que geram penalidades como condomínio, luz, agua, telefone.
6 - Se possível, peça empréstimo mais barato para liquidar dívidas caras. Procure seu banco, o crédito pessoal é muito mais barato que o cheque especial.
7 - Mude os hábitos para não voltar à mesma situação. Basicamente, é não gastar mais do que se ganha, não usar o cheque especial e, muito menos, o rotativo do cartão de crédito.
Fontes: Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) e Banco Central