Depois de duas colheitas comprometidas pela estiagem, os produtores de soja do Rio Grande do Sul vivem um momento decisivo.
A recuperação da produtividade na próxima safra é considerada fundamental para compensar as perdas recentes, mas, agora, é o excesso de chuva que gera preocupação entre os agricultores. Com máquinas e homens a postos, aguardam uma brecha no mau tempo para prosseguir com o plantio e alcançar expectativas de crescimento de até 65% na quantidade de grãos colhidos no começo do ano que vem em comparação ao ciclo 2022/2023. Até o momento, a elevada umidade do solo vem causando atrasos no andamento da semeadura e temores de prejuízos à produtividade por conta de doenças — mas, ainda assim, em um cenário bem mais favorável do que em períodos de seca.
Um prognóstico para a safra 2023/2024 divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no começo do mês estima uma produção de 20,9 milhões de toneladas em solo gaúcho, em um patamar dois terços acima do que se viu neste ano (quando foram colhidas 12,7 milhões de toneladas em meio à falta de chuva), e no mesmo nível do volume recorde alcançado em 2021 (veja infográfico).
Naquele ano, o cultivo do grão gerou um valor bruto de R$ 57 bilhões, de acordo com o Painel do Agronegócio do Rio Grande do Sul 2023. Isso equivale a quase 10% do PIB estadual, em uma demonstração da importância do setor para a economia regional. Sob condições climáticas normais, o grão responde por mais da metade das exportações do agronegócio gaúcho.
— Estamos com a perspectiva de ter uma safra por inteiro, porque as duas últimas foram pela metade. Sim, não estamos conseguindo plantar de acordo com o previsto por conta das chuvas, estamos com uma janela mais curta, mas as coisas estão acontecendo e seguimos com uma boa expectativa — afirma o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antonio da Luz.
O principal obstáculo, no momento, é conseguir uma trégua do clima — que variou da aridez poeirenta para a abundância de água — para poder lançar as sementes à terra. Assistente técnico em Culturas da Emater/RS, Alencar Paulo Rugeri afirma que, no período atual, 58% da área de 6,7 milhões de hectares a ser plantada já deveria ter sido fertilizada no Estado pela média dos últimos cinco anos. A influência do fenômeno El Niño, que multiplica a precipitação sobre o solo gaúcho, fez com que pouco mais de um terço da metragem prevista para o momento já tenha sido cultivada de fato. De acordo com o informativo conjuntural da Emater divulgado na quinta-feira (16), o plantio alcançava somente 22% até então.
Isso não significa obrigatoriamente um problema grave, porque ainda há prazo para recuperar o atraso: o Rio Grande do Sul conta com maquinário e mão de obra capazes de semear cerca de 5% da área por dia, conforme a Associação dos Produtores de Soja no Estado (Aprosoja).
Não estamos conseguindo plantar de acordo com o previsto por conta das chuvas, estamos com uma janela mais curta, mas as coisas estão acontecendo e seguimos com uma boa expectativa.
ANTONIO DA LUZ
Economista-chefe da Farsul
— Se o tempo ajudar, conseguimos plantar até mais do que isso — garante o vice-presidente da Aprosoja no Estado e em nível nacional, Décio Teixeira.
O risco é o prolongamento das intempéries frustrar a expectativa de uma colheita tão farta quanto indicam os prognósticos iniciais. O melhor período de semeadura para conseguir períodos ideais de insolação durante a germinação, segundo Rugeri, é ao longo do mês de novembro.
— Eu deveria estar com metade da área plantada, mas ainda estamos no zero por conta da chuva. Não vamos chegar ao patamar da safra de 2021, porque o encurtamento da janela sempre compromete (a produtividade) — lamenta o produtor rural Glenio Guimarães, 43 anos, de São Jerônimo, na região Carbonífera.
Guimarães, que tinha uma máquina plantadeira, comprou um segundo equipamento para apressar a semeadura e aproveitar ao máximo a janela de plantio cada vez mais curta deixada pelo El Niño aos sojicultores gaúchos. Por enquanto, o maquinário segue no galpão à espera de um sinal do céu.
Umidade pode afetar projeções de safra
Embora os produtores rurais gaúchos prefiram chuva acima da média à estiagem, a umidade excessiva pode reduzir a produtividade do cultivo de soja e frustrar as projeções do IBGE de uma safra equivalente à de 2021 — quando o clima favoreceu uma produção recorde superior a 20 milhões de toneladas.
Uma das razões para o temor é o encurtamento da "janela" considerada ideal para o plantio, que se estende ao longo do mês de novembro. Outro risco é o aumento de doenças favorecido pela umidade muito elevada.
— Se o produtor apressar muito o plantio, a semente pode ficar muito por cima, ou o solo pode ainda estar muito úmido. Isso tudo pode atrapalhar um pouco a produtividade — afirma o servidor da Emater/RS Alencar Paulo Rugeri.
Outro risco trazido pelas nuvens carregadas é o de proliferação de doenças que tendem a se espalhar com mais facilidade sob condições muito úmidas. Um comunicado divulgado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no começo do mês alertou produtores para a ameaça de males como o da ferrugem-asiática. De acordo com a pesquisadora Cláudia Godoy, da Embrapa Soja, "nesta safra (2023/2024), já há relatos de plantas de soja voluntárias, que germinam a partir de grãos perdidos na colheita, e de soja perene (não comercial) com sintomas da doença. Por isso, os produtores devem ficar em alerta para uma possível incidência precoce da doença, em áreas comerciais, na região Sul”.
— Ainda é cedo para dizer que haverá perdas. Sempre digo que é melhor ter problema com excesso de chuva no plantio do que com estiagem. As grandes quebras de safra são em anos secos, enquanto a água é o principal insumo para produção. Mesmo com excesso de chuva, vamos conseguindo manejar e ter produção. Já a falta de chuva é determinante — sustenta o engenheiro agrônomo do escritório da Emater/RS em Soledade Roger Terra.
Uma das saídas para combater doenças como a ferrugem é investir em fungicidas, além de respeitar o vazio sanitário (período de entressafra em que não deve haver planta viva de soja no terreno). Outra estratégia é a semeadura antecipada, já que o plantio tardio fica sob maior perigo devido ao aumento da presença do fungo no ar.
Já em relação às precipitações além do normal há pouco a ser feito além de aguardar pelo tempo que for possível para que o solo fique menos úmido na hora de plantar — e torcer para que as nuvens deem uma trégua e garantam chuvas mais intercaladas e regulares nos próximos meses.