Com os holofotes apontados para o agronegócio, a primeira missão internacional à China, durante o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência, a partir deste domingo, está sintonizada com interesses bastante específicos do Rio Grande do Sul.
No ano passado, o gigante asiático adquiriu, por aqui, US$ 4,77 bilhões em produtos, a maior parte originada do meio rural. Algumas agendas da delegação brasileira até a próxima sexta-feira elevam o potencial de representatividade daquele país, que respondeu, em 2022, por 21,43% dos embarques do Estado ao Exterior.
Não é por acaso que o governo gaúcho terá representação oficial na delegação do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). O diretor do Departamento de Promoção Comercial e Assuntos Internacionais da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedec), Evaldo Silva Júnior, partiu nesta sexta-feira para somar-se ao ministro Carlos Fávaro, que já adianta tratativas, ao lado de empresários e líderes setoriais. A meta é fazer com que a viagem gere bons frutos comerciais e de cooperação junto ao principal parceiro comercial do agronegócio.
Para o RS, conforme o titular da Sedec, Ernani Polo, a expectativa imediata gira em torno do avanço em temas como o reconhecimento da condição de zona livre de aftosa sem vacinação e a habilitação sanitária para cinco plantas de abate – quatro de aves e uma de bovinos. Isso, acrescenta o secretário, possibilitaria elevar consideravelmente a oferta de proteína animal.
Além da soja, do tabaco e da celulose, as carnes de ave, suína e bovina estão entre os seis mais relevantes itens comerciais gaúchos. Em um Estado cuja participação agropecuária é uma das principais locomotivas do Produto Interno Bruto (PIB), isso não é pouca coisa. Juntos, esses principais produtos do agro somaram US$$ 3,52 bilhões, o que corresponde a 73,7% dos valores gerados com as vendas para a China em 2022.
Prospecção
Na quinta-feira (23), pouco antes de começar a contagem das 32 horas de deslocamento até Pequim, o diretor da Sedec, Silva Júnior, antecipou que a prospecção de novos investimentos faz parte da missão ao país asiático.
No caso dos frigoríficos, as reuniões bilaterais entre representantes de governo não autorizam a participação dos empresários que integram a comitiva, mas terão pelo menos quatro bancos e dezenas de investidores chineses. Significa, afirma Silva Júnior, uma oportunidade para atrair novos aportes e fontes de financiamento para projetos.
Para unidades de abate exportadoras, cuja produção é comercializada com antecedência, existe uma demanda latente pela expansão das linhas de produção. Quando os recursos, de US$ 50 milhões a mais de US$ 100 milhões, são bancados pelo próprio comprador, na esteira, cria-se um ciclo capaz de, sobretudo, garantir as vendas futuras.
— Uma conquista nesse aspecto nos lançaria para outro patamar, porque o investidor sendo o importador é sinônimo de sucesso, pois, além de garantir recursos e vendas, trata-se de fator de geração de renda e emprego — afirma Silva.
Presidente da seção Sul da Câmara de Comércio de Desenvolvimento Internacional Brasil-China (CCDIBC), Paulo Tigre articula junto ao governo gaúcho a realização de uma rodada de negociações com potenciais investidores chineses no início do segundo semestre.
— Trata-se de um realinhamento das relações oficiais e serve muito às pretensões do Estado. Há uma frase que diz que quando sabemos quem somos, sabemos até onde podemos chegar. Nesse momento, eu diria que saberemos muito mais sobre nosso potencial, e o que precisamos fazer para criar confiança capaz de atrair investimento. Essa é a nossa expectativa ao aplaudir a opção por essa missão — afirma.
RS diversifica as pretensões
Sem descartar o inegável protagonismo do agronegócio na pauta nacional e gaúcha, Paulo Tigre, que também preside a Agência Gaúcha de Desenvolvimento Brasil-China e comanda uma trading (empresa de comércio exterior), lembra que é necessário diversificar as pretensões desde já. Ele cita as possibilidades em aberto para cooperações tecnológicas, por exemplo.
— Não significa que já não haja muita tecnologia embarcada quando melhoramos a produtividade da soja, mas percebo potenciais em outras áreas que dependem de melhorias nos canais de comunicação, dentro de um projeto de Estado, tendo em vista que agora se fará coisas para os próximos 20 anos — afirma.
O pesquisador do Departamento de Economia e Estatística (DEE) Ricardo Leães materializa a percepção em números, ao relatar que o RS foi bastante beneficiado pela China na primeira metade dos anos 2000. De 2013 para cá, argumenta, os volumes financeiros crescem em menor escala. Dentre as razões, ele aponta que a pauta de exportações gaúchas para a China é a mesma de outras unidades da federação, sobretudo do Centro-Oeste. Nesse aspecto, por aqui, há uma saturação de áreas plantadas e, por lá, a ampliação da nova fronteira agrícola nacional.
Logística
O Estado ainda se beneficia de facilitadores logísticos, o que tende a mudar nos próximos anos, em razão de projetos de infraestrutura direcionados a outras regiões. O RS, que em 2000 era o segundo principal exportador do país, atrás apenas de São Paulo, atualmente é o quinto. Para a China, de 2010 para cá, perdeu três posições – passou da quarta à sétima colocação.
— A China é como se fosse o nosso mundo, uma espécie de retrato 3x4 do cenário mundial da pauta externa gaúcha. E, em longo prazo, a menos que o cenário mude, a tendência é sermos engolidos pelo processo e pelo Centro Oeste — resume Leães.
O professor da Escola de Humanidades da Unisinos Marcos Aurélio Reis acrescenta que setores como energia e a reabertura de caminhos para as empresas do polo metalmecânico, além de atração de investimentos em infraestrutura, seriam situações a serem construídas internamente.
— Desenvolvimento se faz com capital, que eles têm de sobra e nós precisamos muito.
Ponto a ponto
Expectativas
O RS tem seis plantas frigoríficas com documentação no aguardo da liberação para o início do abate de aves e bovinos para exportação. As empresas encaminharam documentações e aguardam pela definição sobre a habilitação. São elas: Languiru (Teutônia), Carrer (Farroupilha), Mais Frango (Miraguaí), Dália (Encantado) e Nova Araçá (Nova Araçá) para aves e o Frigorífico Silva (Santa Maria) para bovinos.
A validação do RS como zona livre de aftosa sem vacinação garantiria ao Estado agregar valor sobre os embarques de carne suína. Mesmo que já esteja nessa condição há dois anos, o não reconhecimento do status pela autoridade chinesa determina que se deixe de receber, em média, R$ 100 por suíno nas cerca de 500 mil unidades abatidas por mês para o mercado chinês, na comparação com Santa Catarina, por exemplo, que já obteve o reconhecimento.
Também há expectativa de prospectar investimentos diretos, sobretudo, para ampliação de linhas de produção em frigoríficos ao longo das agendas oficiais, e de adiantar futuras programações bilaterais entre o RS e a China também com o viés de atrair aportes de fundos de investimento chineses.
Cenários
As exportações do RS para a China são estáveis desde 2013, com exceção de 2021, que foi um ano atípico em razão de demanda extra provocada pela pandemia.
A carne suína, que será uma das pautas na missão, desponta como a grande novidade e com potencial de ganho nas exportações para a China.
A carne de frango, na análise dos gráficos retroativos de volumes e valores, demonstra ter recuperado seu papel nos embarques para o país asiático.
A carne bovina para a China é nas exportações para o mundo ainda mais importante, mas teve a demanda aquecida para a China nos últimos anos.
Alertas e potenciais
Na soja, o RS ainda tem vantagens logísticas em relação ao Centro-Oeste, mas isso deve diminuir nos próximos anos com uma série de projetos de infraestrutura direcionados.
RS não consegue expandir em área plantada sem avançar sobre outras culturas, como a pecuária, diferentemente do Centro-Oeste e do Norte, de onde emerge a principal fronteira agrícola do país.
Diversificar a pauta de exportações com produtos de maior valor agregado e buscar atração de investimentos, até mesmo chineses, em obras de infraestrutura que devolvam a competitividade ao RS.
Buscar zonas para possível cooperação em tecnologia com a utilização dos parques tecnológicos já existentes no Estado.