Quando se fala em produção agropecuária, é o “homem do campo” que figura neste cenário, mesmo que muitas propriedades e negócios estejam sob o comando de mulheres. O cooperativismo tem buscado ampliar o protagonismo feminino, mas ainda é tímida a participação delas nos cargos de decisões.
De acordo com o Anuário do Cooperativismo Brasileiro de 2021, em 2020, as mulheres representavam 40% dos mais de 17 milhões de cooperados do país. No entanto, apenas 17% ocupavam cargos de liderança. Essa realidade vem sendo transformada aos poucos.
Uma das iniciativas nesse sentido é o Comitê Nacional de Mulheres do Sistema OCB Elas pelo Coop, cujo objetivo é aumentar a participação feminina no movimento cooperativista. A proposta traz estratégias e temas prioritários em um manual de implantação de comitês de mulheres nas cooperativas, reforçando princípios sobre o empoderamento feminino já definidos por ONGs e movimentos ligados ao tema.
Contamos aqui três exemplos femininos que encorajam outras produtoras a seguirem um caminho de crescimento e qualificação.
A persistência de Maiara
— As mulheres têm garra e são muito determinadas.
Assim, em poucas palavras, a tecnóloga em agronegócio Maiara Lohmann Neuberger, 31 anos, define a participação feminina no cooperativismo agrícola. Ela está à frente do tambo de leite da família em Coqueiros do Sul e, neste ano, ficou como suplente na liderança do núcleo da Cotrijal na cidade. Desde 2020 associada à cooperativa, Maiara percebe maior envolvimento das mulheres nos negócios e uma crescente valorização do papel delas no sucesso do cooperativismo.
— A própria cooperativa tem incentivado a participação feminina e dos jovens. Eu tento puxar a frente e incentivar outras a virem comigo — conta.
Esse reconhecimento não vem sem esforço. Maiara se dedicou muito aos estudos. Formou-se tecnóloga em agronegócio, fez especialização em cooperativismo de crédito e ainda um MBA em agronegócio. Tudo isso sem deixar de acompanhar a produção da família e ainda se dedicar aos filhos, Lara, seis anos, e Benhur, sete meses. A capacidade feminina de se organizar e persistir foi fundamental para encorajá-la a tomar a frente das decisões na propriedade familiar e participar ativamente da cooperativa, creditando-se como uma liderança local:
— Não faria nada sem a minha família, mas é importante termos firmeza e mostrar que temos capacidade e conseguimos. As mulheres estão mais valorizadas, mas isso ainda tem de crescer.
Protagonista das decisões
No sul do Estado, a Cooperativa de Agricultores Sul Ecológica, que reúne produtores de hortifrútis orgânicos de Pelotas e outros municípios da região, vem demonstrando o papel das mulheres na expansão do plantio sem agrotóxicos e do cooperativismo. Pelo menos este é um dos desafios que Marigaiane de Medeiros, 32 anos, presidente da cooperativa em segundo mandato, tem tomado para si na condução dos trabalhos. Na maioria dos casos, ressalta, são as mulheres que estão no cuidado direto das hortas orgânicas. No entanto, ainda é tímida a presença delas nos espaços de decisão.
— Não se faz agroecologia sem as mulheres. Vêm delas o cuidado, o proteger. São elas que geralmente levam para casa a importância de se produzir e consumir algo mais saudável. Mas, na hora das decisões, das representações nos espaços políticos, quem assume é o homem. É um desafio diário vencer isso — diz Marigaiane.
O cooperativismo, avalia a presidente, tem sido um caminho mais aberto às mulheres no campo, garantindo renda e independência financeira. Ainda há muito a se percorrer para chegar a uma condição de igualdade com os homens do campo, mas Marigaiane aposta num futuro promissor que colocará a participação feminina no patamar que merece:
— Quando a mulher começa a se inserir nos processos de decisão, ela deixa de ser uma simples personagem e passa a ser protagonista da própria história.
Cooperativismo na veia, todos os dias
A família de Micheli Bresolin Jacoby, 32 anos, vive do cultivo de banana orgânica, alguns hortifrutis e cítricos que mantém numa pequena propriedade no interior de Três Forquilhas, no Litoral Norte. Entre os jovens da região, prevalece a busca por formação vislumbrando uma vida fora da cidade. Com Micheli, não foi diferente. Formou-se em Matemática e Gestão Comercial e foi atuar no comércio de Osório, município a pouco mais de 50 quilômetros dali.
Estava tudo indo bem, mas havia algo incompleto, que, à época, nem ela sabia definir. Em 2014, por meio de um curso do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), Micheli participou de uma reunião de mulheres promovida pela Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas (Coomafitt). Foi um divisor de águas nos caminhos profissionais. Ela percebeu o potencial da união, sobretudo das mulheres, para alavancar o trabalho agrícola da região. A falta de realização plena no comércio ficou clara à medida que Micheli se envolveu na cooperativa.
— Quando a gente estuda, parece que é para sair, nunca para ficar. Quando comecei a conhecer a realidade dos produtores e das produtoras, vi que tem como ficar, tem como tocar o trabalho aqui — conta.
Não demorou muito para Micheli entrar na Coordenação de Produção da Coomafitt e participar dos planos de cultivo. No ano passado, ela se tornou a primeira presidente da cooperativa, que conta com cerca de 260 associados, produtores de 80 tipos de culturas nos três municípios litorâneos. Numa linha temporal, parece ter sido fácil chegar ao cargo que hoje ocupa, mas, na prática, houve muita superação.
— O machismo ainda persiste, mas as mulheres estão ocupando os espaços. Na nossa região, elas estão na produção dia a dia, mas nem sempre participam das reuniões, das decisões. Estamos mudando isso — diz.
Micheli vê que o cooperativismo é um aliado na valorização das mulheres no meio rural. Isso porque, pela participação nas cooperativas, elas conseguem compreender melhor todo o processo de produção, do cultivo à venda. E isso representa autonomia e conhecimento.
— Na cooperativa, elas sabem valores, prazos. O que elas têm para receber de suas produções cai na conta delas direto, não na do marido. E isso é autonomia. Conseguem se organizar melhor — avalia Micheli.