O desestímulo ao plantio do trigo, que enfrenta problemas recorrentes de mercado e clima, encontrou uma barreira. Na busca por não deixar cair ainda mais a área da principal cultura de inverno do Estado e garantir melhor remuneração, cooperativas, cerealistas e sementeiras consolidam a segregação do cereal, separando o grão conforme suas características e usos na indústria. Embora não existam levantamentos precisos sobre a extensão alcançada pela alternativa, estima-se que cerca de metade da safra gaúcha que agora é colhida se enquadraria nesta modalidade, contra apenas 15% de dois anos atrás. O processo parte da escolha de algumas variedades de maior interesse das indústrias, passa pelo fomento a produtores e termina na adaptação das unidades de recebimento para não haver mistura no momento da entrega.
Um exemplo de aposta nesta tendência é a Cotrijal, de NãoMe-Toque, que começou neste ano a estimular a segregação.
O primeiro passo foi enviar a indústrias algumas variedades de sementes produzidas pela cooperativa, para avaliação de quais seriam de maior interesse dos moinhos. Foram escolhidas quatro tipos pão, uma destinada a biscoitos e outra de trigo branqueador. A partir disso, o produtor que compra a semente da Cotrijal e se compromete a entregar a produção nas unidades indicadas pela cooperativa recebe bonificação de aproximadamente R$ 2 sobre o preço de mercado.
— Quando recebemos, os trigos vão para silos diferenciados. Assim, conseguimos capturar ganhos na comercialização — explica o analista comercial de grãos da Cotrijal, Diego Vinícius Wasmuth.
A panificação representa 60% da atividade das indústrias e, o restante, produção de farinha, massas e biscoitos
A expectativa da cooperativa é de que cerca de 60% do trigo recebido neste ano seja segregado. Embora não existam metas, Wasmuth diz ser uma iniciativa que veio para ficar, e há potencial para elevar o engajamento nos próximos anos, com possibilidade de o percentual chegar a 90%, conforme os agricultores percebam os benefícios. Para ser possível a segregação, algumas unidades de recebimento tiveram que passar por adaptações, com a construção de moegas próprias, por exemplo.
— Queremos que o produtor tenha rentabilidade melhor ao fazer a segregação e, assim, colaborar para a manutenção desta cultura de inverno — diz Wasmuth, referindo-se à tendência de redução de área cultivada nos últimos anos no Estado.
Cotricampo garante semente, assistência e rastreabilidade
Com mais tradição na prática, a Cotricampo, de Campo Novo, no noroeste do Estado, está no quarto ano da iniciativa. Normalmente faz a segregação de dois tipos de trigo, um pão e um branqueador, mas devido às condições climáticas adversas também está separando um destinado à panificação com qualidade inferior, reservado para oportunidade de comercialização com outra indústria. A Cotricampo fornece a semente, garante assistência técnica e a rastreabilidade assegura remuneração acima das cotações de mercado.
— Nossos produtores, associados que aplicam alta tecnologia, recebem um dos melhores preços do Estado. Enquanto o trigo pão está R$ 38 (saca de 60 quilos), pagamos R$ 41 — exemplifica Gelson Bridi, presidente da cooperativa agrícola.
Cerca de 1,8 mil associados da cooperativa plantam trigo. A Cotricampo vai receber este ano cerca de 120 mil toneladas, sendo 20 mil de branqueador. Metade do volume total será processado pela cooperativa e, o restante, vendido para outras indústrias.
— A segregação vem avançando ano a ano, conforme cresce a conscientização de produtores e cooperativas — diz Altair Hommerding, coordenador técnico da Câmara Setorial do Trigo no RS.
O presidente da Comissão do Trigo da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Hamilton Jardim, também ressalta que a segregação do trigo ajuda valorizar os grãos de mais qualidade, ainda mais em uma safra como a atual, em que o clima fez parte da produção perder qualidade.
Mercado garantido para cereal separado no campo
É o terceiro ano em que o agricultor Altermir Luiz Ceolin, com propriedade em Pontão, no norte do Rio Grande do Sul, recorre à segregação como forma de obter melhor remuneração para a colheita de trigo. Começou com parceria com uma sementeira e, agora, com a Cotrijal.
Na primeira safra, lembra o produtor, conseguiu receber 5% acima do preço médio de mercado. Ano passado, devido a problemas de qualidade causados por condições climáticas adversas no desenvolvimento da cultura, 3,5%. Agora, acredita que conseguirá novamente bônus de 5% em variedade pão.
— A qualidade do trigo está boa, com pH entre 79 e 80 — conta Ceolin, que neste ano cultivou 110 hectares, extensão que vem diminuindo nos últimos anos.
Novamente devido ao tempo desfavorável, a produtividade está abaixo do esperado. No início da safra, apostava em um rendimento de até 4,2 mil quilos (70 sacas) por hectare, o suficiente para margem positiva, devido ao custo de produção na casa dos 3,3 mil quilos (55 sacas) por hectare. A colheita, porém, resultou em 3,2 mil quilos (53 sacas) por hectare.
Para Ceolin, o Rio Grande do Sul precisa produzir de acordo com as necessidades das indústrias, como forma de concorrer melhor com o trigo importado, beneficiado por custos menores de produção.
— O grande problema do nosso trigo é o mercado. Então, a segregação é o caminho para oferecer preço um pouco melhor — atesta o agricultor.
Clima frustra outra vez
A sucessão de frustrações nos últimos quatro anos com clima e preços levou o Rio Grande do Sul a plantar a menor área de trigo desde 2001. Há pouco mais de dois meses, a expectativa era de safra com boa produtividade, qualidade e remuneração para os produtores. O quadro, entretanto, virou novamente pelo tempo adverso para as lavouras, apesar das cotações acima da média dos últimos anos.
— É uma pena. Havia esperança de colheita maravilhosa até o final de agosto, mas aí ocorreram algumas geadas localizadas e sequência de chuva em setembro, outubro e novembro. Isso fez com que a produtividade e a qualidade despencassem violentamente — lamenta Hamilton Jardim, presidente da Comissão de Trigo da Farsul.
Para Jardim, o potencial inicial das lavouras do Estado indicava a possibilidade de colher até 2,5 milhões de toneladas. Agora, acredita em volume próximo de 1,8 milhão de toneladas, em linha com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), mas abaixo da última estimativa da Emater, de 2 milhões de toneladas. Mesmo assim, bem acima das 1,2 milhão de toneladas do ano passado. Conforme a Conab, a extensão cultivada no Estado é de 680 mil hectares.
Embora o quadro seja diferente de acordo com as regiões, proliferam relatos de que doenças causadas por fungos, devido ao excesso da umidade, têm afetado o rendimento e a qualidade. Para Jardim, cerca de 1 milhão de toneladas devem atender os quesitos para panificação e, o restante, tende a ser vendido no mercado interno ou exportado, para fabricação de ração, essencialmente. O trigo tipo pão, o mais adequado para a indústria, precisa ter pH (peso hectolitro) a partir de 78. A força de glúten, outra característica observada na qualidade do trigo, também foi comprometida.
No Planalto Médio, uma das principais regiões produtoras do Estado, a produtividade esperada era de até 3 mil quilos (50 sacas) por hectare, mas o que se observa é algo próximo de 2 mil quilos (33 sacas) por hectare, diz Claudio Doro, assistente técnico regional da Emater em Passo Fundo.
Preço maior não garante rentabilidade
Embora o preço de referência do trigo se encontre acima dos últimos anos, a perda de qualidade e de produtividade não garante boa remuneração.
— Creio que a maioria dos produtores não vai fechar as contas. Estamos cheios de Proagro para fazer – observa Doro.
Jardim lembra que, após 2013, o Estado emendou sequência de anos ruins por clima adverso:
— Achávamos que viraríamos uma página em termos de prejuízo. Os preços estão acima do mínimo (estabelecido pelo governo federal), mas o que define a cotação é a qualidade. Muitos produtores vão terminar a safra no vermelho ou no zero a zero — estima Jardim.
O coordenador técnico da Câmara Setorial do Trigo no Estado, Altair Hommerding, vê números parecidos. Para ele, a safra deve variar entre 1,6 milhão e 1,8 milhão de toneladas, enquanto a expectativa era de 2 milhões de toneladas. O volume que será propício para panificação, projeta, deve ser de 1 milhão de toneladas.
Apenas com informações preliminares vindas do campo, o presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Rio Grande do Sul (Sinditrigo), Diniz Furlan, teme que apenas 30% da safra do Estado sirva para panificação. O setor processa cerca de 1,4 milhão de toneladas por ano no Estado e a maior parte da matéria-prima utilizada para a produção de pães vem da Argentina.