A história da formação de Marau e Serafina Corrêa, no norte gaúcho, não se resume à influência dos imigrantes italianos. Quando os municípios nasceram, há mais de 50 anos, dois frigoríficos respondiam pela principal atividade econômica das comunidades.
Hoje comandadas pela BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão e maior exportadora de carne de frango do país, as duas indústrias continuam sendo a maior fonte de renda e de empregos das localidades.
O recente embargo europeu às unidades, juntamente com outras 18 plantas brasileiras, provoca apreensão proporcional à dependência econômica dos frigoríficos – que envolve milhares de funcionários, centenas de produtores rurais e serviços indiretos.
Nos últimos dias, após a confirmação oficial do embargo pela Comissão Europeia, o ritmo de trabalho não foi alterado nas plantas gaúchas. O que se viu foram caminhões e contêineres parados dentro de indústrias e câmeras frias lotadas.
Embora as exportações não se restringissem à Europa, o mercado respondia por boa parte dos embarques da carne de frango produzida pelos frigoríficos – em torno de 30%.
– A preocupação é com o que possa acontecer daqui para frente. A insegurança é muito grande – relata Alcemir Pradegan, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação de Marau.
No município, a BRF emprega 1,6 mil funcionários somente na unidade de aves, onde são abatidos 220 mil frangos por dia – todos embalados em cortes, como o peito até então exportado aos europeus.
Outros mil empregados estão distribuídos nas fábricas de ração animal e de embutidos, no frigorífico de suínos e na agropecuária que fornece insumos aos produtores integrados.
– A BRF é a nossa maior empregadora e principal empresa em retorno de ICMS, com mais de 60% de participação – informa o prefeito de Marau, Iura Kurtz (PMDB).
A relevância econômica e social é ampliada quando se considera todo o setor produtivo, incluindo produtores rurais integrados, fornecedores de insumos e serviços de transporte, por exemplo.
– Qualquer mudança representa impacto muito grande – acrescenta o prefeito.
A 50 quilômetros de Marau, praticamente o mesmo quadro de dependência e de preocupação é sentido em Serafina Corrêa – onde a BRF emprega 1,6 mil funcionários, equivalente a 10% da população de pouco mais de 16 mil habitantes.
A unidade abate cerca de 160 mil frangos por dia, fornecidos por aproximadamente 350 produtores integrados no município e em cidades vizinhas.
Do total produzido, cerca de 80% tem como destino o mercado externo – com a Europa respondendo até então por quase 30% dos embarques.
A planta de Serafina Corrêa entrou na relação dos frigoríficos autoembargados pelo Ministério da Agricultura logo após a Operação Trapaça, deflagrada em março.
A terceira fase da Operação Carne Fraca revelou esquema de fraudes envolvendo laboratórios e a própria BRF na análise de bactéria salmonela em lotes de carne.
— Desde então (março) não foi embarcado mais nada para a Europa. A situação, até agora, levou a um dia de dispensa dos funcionários, em apenas um turno — relata José Modelski Júnior, secretáriogeral do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação de Serafina Corrêa.
Além de ser o principal empregador do município, o frigorífico da BRF fomenta outros negócios na cidade, como uma fábrica de embalagens para carne de frango. A Maxiplast, com sede em Caçador (SC), tem 250 funcionários somente no município gaúcho.
A ameaça trazida pelo embargo coloca toda a população em alerta:
— Se a produção tiver de ser reduzida, o que torcemos para que não aconteça, certamente haverá efeito cascata. A situação será de calamidade para o município — afirma a prefeita Maria Amélia Arroque Gheller (PMDB).
O embargo europeu impactará em 9% as exportações gaúchas de carne frango, segundo dados da superintendência do Ministério da Agricultura no Estado. O percentual refere-se ao volume embarcado a países do bloco pelas duas unidades da BRF.