"Eu quero a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida..." cantava o Cazuza, e acho que todo mundo quer, né? Mas a calmaria pode causar estranhamento - e até tédio - para alguns. Em entrevista para a revista Elle Brasil, publicada no dia 21 deste mês, a atriz Bruna Marquezine falou sobre seu relacionamento com o empresário Enzo Celulari, e uma das declarações da artista, sobre a leveza da relação, repercutiu nas redes sociais e levantou a questão: por que é difícil se acostumar a um relacionamento tranquilo?
— Desde o início, foi muito leve, me fez muito bem. É um lugar onde me sinto muito segura e isso é tão bom... Foram muitas sessões de terapia para me acostumar com a paz de ter um relacionamento tranquilo. Às vezes, eu confundia isso com quase um tédio. Ficava em um estado de alerta. E aí? O que está por vir? Não tem alguma coisa errada? Não está faltando um sentimento? Ainda mais sendo atriz e atuando desde pequenininha, acho que apreciava as reviravoltas, a intensidade – essas cenas são sempre as melhores, né? E agora ter esse novo registro de amor, que desconstrói a ideia de que tem que ser pelo conflito, é uma delícia. É muito potente viver dentro de um relacionamento de respeito, de admiração, de tranquilidade — disse atriz à publicação.
Muitos comentários publicados nas redes sociais revelaram identificação com a dificuldade que Marquezine teve para se acostumar a viver um relacionamento sem turbulências.
"É muito louco como a gente às vezes acaba se acostumando com relações conturbadas a ponto de não entender bem quando algo acontece de maneira leve", escreveu uma seguidora no Twitter.
"Está todo mundo tão traumatizado que quando se encontra em uma relação saudável não sabe lidar, o tempo todo tem a sensação de que vai acontecer algo ruim por conta dos traumas passados", postou outra.
Racionalmente, parece óbvia a ideia de se buscar um relacionamento tranquilo, mas algumas pessoas são movidas a emoções intensas, como a adrenalina da paixão do início de um namoro, por exemplo, ou até mesmo por situações de conflito que vão levar a uma reconciliação.
— Isso acaba alimentando uma busca pela vivência dessas relações. Muitas pessoas chegam a relatar que isso as faz sentirem-se vivas, que se conectam de forma mais crua, mais direta com os afetos, que ficam ali à flor da pele — explica a psicóloga e psicanalista Mariana Steiger Ungaretti, presidente da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul (SPRGS).
A descrição de sentimentos assim é comum na literatura e no cinema, como nos antigos filmes de princesas da Disney, exemplifica Mariana, que também é professora na IMED:
— São histórias conflituosas, onde as personagens precisam passar por diversos desafios para chegar a um "felizes para sempre", mas é um feliz para sempre que nunca aparece no filme, porque é quando termina.
Singularidades
No entanto, mais do que uma questão cultural ou padrões adotados pela sociedade como um todo, é preciso considerar as singularidades de cada um, ressalta a psicóloga. Experiências de vida podem levar algumas pessoas a relacionamentos mais conflituosos e desgastantes, repetindo vivências e até comportamentos repetitivos observados durante a infância.
— A expectativa de que algo pode dar errado pode ser pensada por vários aspectos e é extremamente comum questionar quando a relação está muito prazerosa, muito agradável. Como se estivesse esperando que algo ruim acontecesse porque precisasse, por vezes, até se punir por algo. Mas, claro, isso é muito pessoal. Não há uma causa única, porque cada um tem a complexidade da sua história. Pode ter a ver também com necessidade de atender expectativas, por exemplo. Por isso, é fundamental saber o que a relação representa e por que está acontecendo, se é o caso de uma substituição por outro relacionamento que terminou ou, ao contrário, se é uma relação após muitos anos sem envolvimento sério com alguém e por isso não é questionada — observa Mariana.
Como é um amor saudável?
A psicóloga e sexóloga Lina Wainberg diz que, para se viver um amor maduro, é preciso que os envolvidos tenham autonomia e possam expressar seus desejos e pensamentos, sem que essa independência seja vista como uma ameaça para a relação.
— Quando se fala em amor maduro, a gente está falando de dois indivíduos que podem ser quem eles são na íntegra, sem que isso gere um nível de insegurança no outro. Num relacionamento que é imaturo, as pessoas tendem a projetar suas necessidades emocionais no outro e cobram dessa parceria uma demanda que é muito mais individual do que relacional. Quando a gente fala da paz de um relacionamento tranquilo, significa pode ser genuíno, autêntico, verdadeiro e isso não gerar uma sensação de insegurança, de conflito.
Ou seja, a tão estranhada paz de um relacionamento tranquilo está em poder amar o outro com suas qualidades e fragilidades e também poder ser quem se é, com suas vulnerabilidades e características positivas, sem que isso se torne uma ameaça. E, pelo jeito, é isso, que pode ser mais difícil do que parece, que Marquezine comemora ter alcançado.