Em participação no programa Timeline, da Rádio Gaúcha, nesta segunda-feira (2), a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins falou sobre relacionamentos amorosos em meio à pandemia. Na conversa, a profissional contou que são dois os principais questionamentos que recebe de pacientes: como dizer ao parceiro (a) que quer abrir o relacionamento e como melhorar a vida sexual.
Sobre o crescente interesse das pessoas em relações não-monogâmicas, a psicanalista explica:
— Monogamia é de fato melhor que a não-monogamia? Esse é um questionamento que as pessoas estão fazendo porque a monogamia, na nossa cultura, é uma imposição. Muita gente fala assim: "Vale o que está combinado". Mas ninguém combina. As pessoas começam a namorar e, no primeiro dia, já está implícito que você só pode transar comigo e eu só posso transar com você. É um imperativo. E acho que seria fundamental se as pessoas discutissem mais essa questão sem tantos preconceitos — afirmou ela.
Para ela, a falta de sexo no casamento é o problema mais comum entre os casais - e a razão está na cultura das relações, construídas com base em modelos que não respeitam a individualidade das partes.
— Sempre digo: casamento é onde menos se faz sexo. E eu acredito que isso ocorra por causa desse modelo de casamento da nossa cultura, que é calcado na possessividade, no controle — refletiu. — Inclusive, tem tudo a ver com essa questão das separações estarem aumentando na pandemia. É um modelo de casamento que não incentiva o respeito à individualidade do outro. Você observa um casal, você vê como eles se metem na vida do outro sem a menor cerimônia. Esse desrespeito, na pandemia, ficou muito mais óbvio.
Eu critico muito o amor romântico porque é um amor calcado na idealização
REGINA NAVARRO LINS
psicanalista e escritora
Na conversa, Regina ainda discorreu sobre as problemáticas do chamado amor romântico.
— O amor é uma construção social. Se você olhar a história, em cada período o amor se apresenta de uma forma. Critico muito o amor romântico porque é calcado na idealização. Você conhece uma pessoa e atribui a ela características de personalidade que ela não possui. Depois você casa, inferniza a vida da pessoa para ela se enquadrar naquilo que você inventou que ela era — disse.
Além disso, a psicanalista afirma que são dois os maiores problemas do amor romântico: as crenças de que o casal se transforma em um só e de que quem ama não deseja mais ninguém.
— O amor romântico tem outras características ideais, expectativas, que são muito prejudiciais. Primeiro, o amor romântico prega que os dois vão se transformar em um só. Quer dizer, o contrário do que é o respeito à individualidade. Um vai atender a todas as expectativas do outro, só tem graça se o amado estiver presente... E o amor romântico prega uma mentira enorme, a pior de todas, que traz um sofrimento horroroso: quem ama não se interessa por mais ninguém, não tem tesão por mais ninguém. Isso, vocês sabem, é a mentira-mor — afirmou ela.
— O movimento que a gente está vivendo é caracterizado pela busca da individualidade. Todos querem desenvolver seu potencial, suas possibilidades na vida. Essa busca bate de frente com o amor romântico, que não prega a individualidade — apontou.
A psicanalista ainda trouxe a discussão sobre a imposição da monogamia na nossa cultura.
O problema é que o condicionamento cultural é tão forte que você chega à idade adulta e não sabe o que você deseja e o que você aprendeu a desejar
REGINA NAVARRO LINS
— Eu não sou contra a monogamia, eu sou contra a monogamia imposta. Como os modelos tradicionais de comportamento não dão mais respostas satisfatórias, está se abrindo um espaço para cada um escolher sua forma de viver. Isso nunca aconteceu, as pessoas eram obrigadas a se enquadrar em modelos. Quem não se enquadrava era discriminado. Se uma pessoa quiser ficar casada 50 anos, fazer festa de bodas de ouro, e só transar com a outra pessoa, está tudo certo. Mas se alguém quiser ter três maridos, também está tudo certo — explicou.
Por fim, reforçou a importância de questionar as crenças pré-estabelecidas.
— O problema é que o condicionamento cultural é tão forte, desde que a gente nasce, que você chega à idade adulta e não sabe o que você deseja e o que você aprendeu a desejar. Confunde o desejo real com o que colocaram na sua cabeça. A maior parte das pessoas ainda repete o que ouviu sem questionar. Para viver bem, é fundamental a gente refletir sobre as crenças aprendidas para conseguir se livrar dos preconceitos, do moralismo. Para isso, precisa de coragem — concluiu.