Casamento estável, posição de destaque em uma grande empresa, grana na conta. Ao se aproximar dos 30 anos, a publicitária Mariana Stock já tinha marcado um “xis” em todos os requisitos que se espera de uma mulher bem-sucedida, o que não lhe poupou de uma crise existencial a reboque de uma crise de inspirações.
Em contraste com uma narrativa social tão bem desenhada, se deu conta de que inexistia uma narrativa sobre si. Mariana olhava para as diretoras acima dela na empresa e não se imaginava naqueles lugares. Nessa busca por identidade, passou a questionar tudo a seu redor.
Começou a se perguntar do que ela gostava, afinal? O que lhe dava prazer eram desejos genuínos ou impostos culturalmente?
As reflexões ganharam força durante as férias de 2016, quando fez o Caminho de Santiago, na Espanha. Lá, enquanto lutava contra o peso da mochila nas costas para caminhar, percebeu que a trilha era uma metáfora para a vida:
– Eu só pensava: “Caraca, minha mochila está tão pesada”. E quando esse peso te onera, você não vê as belezas no caminho. Decidi que queria caminhar o mais leve possível.
Voltou e pediu demissão do emprego. Foi como demitir-se de uma identidade medida pela régua da produtividade e cujos prazeres estavam muito ligados ao consumo.
Iniciou um período de seis meses sabáticos. Para evitar a melancolia de quem se vê com o dia vazio depois de anos com a agenda preenchida por compromissos profissionais, inventou uma série de atividades lúdicas: aulas de música, dança, canto.
Foram experiências que a ajudaram a exercitar a criatividade. De todas, as mais transformadoras foram os cursos de tantra e doula. Mari começou a prestar atenção na potência do corpo feminino e em como a sexualidade da mulher é tratada muito mais da perspectiva da doença do que da saúde.
Uma casa só para elas
Ao compartilhar as descobertas com amigas, foi incentivada a dividir com mais mulheres. Assim nascia a Prazerela. Inaugurada em 2017, a casa, localizada na capital paulista, é voltada para o público feminino. Mariana percebeu a demanda por um local seguro para elas e que não reforçasse a objetificação do seu corpo depois de curso de tantra que fez para homens e mulheres.
– As aulas eram dadas por um homem. Achei uma perspectiva machista e desrespeitosa com a filosofia original. Para os homens, foi quase como ir a um “puteiro”. Mas as mulheres que procuram esses espaços querem descobrir coisas que nem sabem sobre si.
Hoje, aos 35 anos, Mariana recebe, na Prazerela, mulheres com perfil semelhante ao seu: executivas, médicas, psicólogas e outras profissionais que, em comum, vivem um momento de questionamentos sobre o que lhes dá prazer. A casa, onde também mora com a família – o companheiro, Claudio Serva, e a bebê Maria Luiza –, é dedicada a atividades que buscam potencializar o prazer feminino por meio da terapia orgástica, que não tem cunho religioso nem espiritual.
– São mulheres que não aceitam qualquer discurso, sobre troca de energias ou o que quer que seja. Chegam com queixas sobre como está difícil se relacionar com o homem hoje em dia – diz.
De tanto ouvir pedidos como “você precisa falar com o meu marido”, Mariana incentivou Claudio a criar o Prazerele. As atividades voltadas aos homens ocorrem uma vez por semana na mesma casa e focam na desconstrução do machismo e discussão sobre masculinidades possíveis.
A gente comprou a ideia do sexo performático, que existe para dar prazer ao outro, e normatizou fingir ter prazer. A mulher precisa redescobrir o que lhe dá prazer e priorizar isso.
MARIANA STOCK
Dona da Prazerela
– A pauta da equidade de gênero nunca esteve tão em evidência. Acredito que o atual movimento ultraconservador é um último suspiro porque são inquestionáveis a libertação de consciência e as novas dinâmicas sociais postas.
Para Mariana, a ressignificação da sexualidade feminina passa pela autoestima e a libertação de uma narrativa social segundo a qual o papel da mulher é oferecer prazer.
– A gente comprou a ideia do sexo performático, que existe para dar prazer ao outro, e normatizou fingir ter prazer. A mulher precisa redescobrir o que lhe dá prazer e priorizar isso.
Seu conselho para aprender a dura tarefa de separar individualidade de narrativa social é questionar-se o tempo inteiro:
– Se as respostas surgirem muito fáceis, você tem de se perguntar de novo.