Karine Adiers se considera introvertida. Mais nova, quando sentia atração por um menino, pedia para as amigas se aproximarem e perguntarem a ele se o interesse era recíproco. Aos 43 anos, mãe de uma adolescente de 13, a estrategista de marca, formada em Relações Públicas, já consegue assumir o próprio desejo e manifestá-lo sem ajuda de pombo correio.
Dançar forró em São Paulo durante as viagens a trabalho a ensinou a escantear a timidez. Como precisa tirar alguém para ser o seu par, não há espaço para fazer charminho e fingir indiferença. No início do ano, em uma viagem a Caraíva, litoral da Bahia, botou o aprendizado em prática.
Como chegara tarde ao barzinho e o lugar estava prestes a fechar, foi logo se aproximando do homem que havia lhe chamado atenção. "Tu dança?", perguntou a porto-alegrense, ao que ele respondeu: "Não sei dançar bem". Ela não desistiu: "Quer tentar?". Três músicas depois, constatava que ele de fato não levava jeito. Mas o dois para lá, dois para cá embalado pelo xote serviu para se aproximarem. No fim da noite, trocaram beijos.
— Foi tudo do meu jeito, de uma forma doce. Não sou devoradora de homens. No meu jeitinho, vou chegando — afirma Karine.
Ela quer dizer que, embora não se acanhe, também não se transforma em uma femme fatale. Chega de mansinho perto do alvo e começa a conversar. Tudo muito natural. Rejeita o senso comum que diz que, por ser mulher, deveria manter-se passiva esperando que o homem tome a iniciativa.
— Eu não acho que é o homem que tem de demonstrar interesse. A gente tem de ser protagonista das nossas vidas e escolher. Chega de ser escolhida. Quero escolher o meu boy — admite.
Culturalmente, a mulher não foi educada para tomar a frente, observa a psicóloga Lavínia Palma, fundadora do Núcleo de Estudo em Psicologia Feminista, grupo reunindo diversos profissionais que levam a perspectiva de gênero para a clínica.
Na socialização, fase em que a criança aprende valores sociais, a menina é orientada a assumir uma postura feminina, construída por atitudes como passividade, lugar de espera, renúncia, busca da aprovação alheia. É a postura da princesa, reforçada em filmes e livros.
— A forma como a mulher historicamente foi socializada nos ensina a sermos boazinhas, agradáveis. É como se, desde pequenas, aprendêssemos que o que mais importa é sermos amadas e escolhidas por alguém, assim estaremos seguras e protegidas — explica a psicóloga.
Não à toa, um livro bastante conhecido sobre o tema recebeu o título de Complexo de Cinderela: Desenvolvendo o medo inconsciente da independência feminina, best-seller na década de 1980 escrito pela psicoterapeuta americana Colette Dowling. Ela reflete sobre a dependência da mulher em relação ao homem e o quanto isso a torna refém das escolhas dos outros, sempre esperando que as coisas aconteçam, em vez de assumir as rédeas.
Lavínia entende que, embora a sociedade tenha avançado muito quando fala de direitos e do espaço que as mulheres conseguiram ocupar, ainda existe um consenso de que é do homem a missão de fazer a aproximação afetiva e sexual, enquanto ela deve aguardar em seu lugar.
— O recato sexual ainda é um atributo das mulheres. Por mais que tenhamos tido alguns avanços nos últimos anos, a estrutura social não mudou, segue sendo patriarcal. Se a mulher esconder o que sente, ou ficar em uma posição de espera, isso, de alguma forma, ainda confere valor para ela. Ainda existe a ideia de que há mulheres para casar e mulheres para transar. É surreal que isso aconteça ainda em 2024, mas acontece — lamenta Lavínia.
Embora a liberdade sexual feminina seja importante, a psicóloga entende que as mulheres poderiam amadurecer a ideia de amor. Ainda existe muita expectativa para encontrar o par perfeito e a noção de um relacionamento amoroso como um grande projeto de vida — senão o maior.
Demonstrar interesse, tomar a dianteira, convidar o cara para sair e até pedir em namoro e em casamento são avanços que merecem ser festejados, desde que as mulheres estejam fazendo isso com maturidade emocional. Não por carência ou para atender a um padrão imposto.
— Não podemos falar sobre mulheres tomando a iniciativa sem falar de amor-próprio, de elas aprenderem a se cuidar, a se amar e investir em si mesmas. Se falarmos só de tomar a iniciativa sem falar do resto, podemos acabar somente facilitando as coisas para os homens e continuaremos desesperadas por eles — pontua a profissional.
Elisa Volpatto tinha acabado de sair de um relacionamento tóxico quando conheceu o atual parceiro, Guto Portugal. Vivendo em São Paulo desde os 14 anos, a atriz que interpretou Carolina na série Doce de Mãe, da Globo, e a delegada Anita na série Bom Dia, Verônica, da Netflix, não pensava em voltar a se envolver tão cedo.
Até que o roteirista cinco anos mais novo a viu dançando em uma festa e a abordou. Tiveram encontros e começaram a namorar. Depois de seis anos juntos, passaram a ter conversas esporádicas sobre colocar a relação em um formato mais tradicional.
Natural de Nova Prata, na Serra, cidade com cerca de 25 mil habitantes onde casar-se e formar família é um caminho previsível, Elisa sempre procurou fugir deste modelo. Mas com Guto sentia-se diferente. Decidiu pedi-lo em casamento.
Foi no palco do auditório do Masp, durante ensaios de uma peça que ele dirigia e em que ela atuava, que ajoelhou-se na frente do amado e deu o xeque-mate. A cena tantas vezes vista da mulher comovida e derramando lágrimas se inverteu — era ele que caía em prantos.
— Eu me ajoelhei e falei o quanto amava ele. Pedi se ele queria casar comigo. Ele afrouxou as pernas, quase caiu duro e começou a chorar. Eu comecei a chorar também. Foi muito legal, porque o iluminador jogou uma luz sobre o palco. Foi lindo — recorda a atriz de 37 anos.
Casaram-se em outubro de 2023, no salão de festas de um clube de Nova Prata, diante de familiares e amigos. Elisa vestiu-se de branco e entrou de braços dados com o pai e com a mãe, em vez de somente com o progenitor. Uma leve subversão cometida por uma mulher que gosta de quebrar padrões.
— Sempre me senti segura para fazer o que sinto vontade. Se eu quero chegar no cara, por que vou esperar ele? Posso dizer para as mulheres de hoje: sejam honestas com vocês mesmas, não fiquem pensando no que o cara vai achar — incentiva.