O talento e o vício da jornalista gaúcha Juliana Sana, 46 anos, é se colocar na pele de outra pessoa e mergulhar fundo na rotina alheia para criar documentários e programas de TV imersivos.
No começo da carreira, em 2013, o foco era desmistificar a vida de mulheres contraventoras, que vão na contramão do que é esperado da figura feminina. Em Na Pele, exibido pelo Multishow, treinou com uma boxeadora, dirigiu uma cena de filme pornô e morou com uma stripper, chegando a performar nua em uma casa noturna.
Também levou a sua vocação de se mesclar às personagens para o Esporte Espetacular, da Globo. No quadro Mulheres Espetaculares, Juliana seguiu o ritmo de atletas profissionais e celebridades esportistas.
Foi assim que se encontrou no Havaí, surfando ondas gigantes com Maya Gabeira, e que ficou 10 dias vendada, ao lado da velocista paraolímpica cega Terezinha Guilhermina.
— Quebrei dente, costela, rompi ligamento, me machuquei muito. Mas isso fazia parte e mostrávamos tudo, para que o público tivesse a dimensão de como os atletas têm 365 dias de perrengue para, talvez, ter um dia de glória no ano, ganhar uma medalha — afirma.
De galocha e chapéu campeiro, Juliana Sana agora está interessada nas histórias das mulheres do campo, que são suas personagens no Belezas da Terra, quadro do programa É de Casa. O recomeço das produtoras rurais gaúchas afetadas pela enchente de maio tem sido um dos focos da apresentadora, que estava no RS durante a tragédia e segue se dividindo entre a sua casa no Rio de Janeiro e o apartamento em Porto Alegre:
— Passada a chuva e sabendo que muitas tinham perdido tudo, comecei a fazer uma nova temporada com mulheres daqui, mostrando esse momento. O universo do campo é uma batalha diária de mulheres de muita força, que às vezes comandam equipes de 50 homens. Há pouco, entrevistei uma que andava com facão, para sustentar aquela imagem de "faca na bota".
"Por trás do alimento que chega na nossa mesa, há um universo de mulheres à frente de negócios que antigamente eram tarefas masculinas"
JULIANA SANA
Jornalista
As empreitadas são sempre em parceria com o marido, o produtor audiovisual catalão Salvador Llobet, que conheceu ao longo dos oito anos estudando documentário nos Estados Unidos e na Espanha — a filha de seis anos do casal, Stella, também acompanha algumas gravações. A missão de Juliana de mostrar a riqueza do campo, tanto no quesito subsistência quanto para a indústria da moda e da beleza, e de documentar o crescente protagonismo feminino no agronegócio são temas da conversa com Donna.
Como surgiu a ideia de fazer o Belezas da Terra?
Passamos um tempo em Imbé na pandemia, onde meus pais têm casa. Lembro que meu sogro, espanhol, nos ligou e disse: "Vai no mercado rápido que aqui já acabou o estoque de arroz", mas quando fui, vi que aqui não estava faltando. Me perguntei quem eram essas pessoas que estavam trabalhando enquanto nós estávamos em casa, pois o campo não parou.
Então, fiz uma viagem meio camuflada pelo Interior e comecei a descobrir pescadoras, produtoras de leite, queijo, produtoras de mel em Osório, de lã em São Francisco de Paula. Por trás do alimento que chega na nossa mesa, há um universo de mulheres que estão à frente de negócios que antigamente eram tarefas masculinas.
Qual história mais tocou você, dentre as produtoras afetadas pela enchente?
A da Márcia, uma produtora de leite que tinha uma vida consolidada na cidade, mas abandonou tudo para investir numa fazenda em Rolante. Apostaram todo o dinheiro, mas, com a enchente, vieram as imagens chocantes: o gado boiando, a estrutura perdida.
Lembro de estar na estradinha que leva à casa e ver pelo chão esmaltes, batons, pentes de cabelo, coisas que tinham vindo com a água. O cenário ainda era de destruição. O gado sobreviveu, mas a comida para os animais tinha ido embora. Imediatamente colocamos no ar e pudemos ver o poder da televisão para o lado bom, pois ela conseguiu doações.
"O Sul tem uma riqueza no artesanato que chama atenção, só que às vezes isso está tão perto da gente que não percebemos o valor que tem"
JULIANA SANA
Jornalista
Qual é a importância de conectar o campo e a cidade?
São várias missões, mas a principal é mostrar a mudança de comportamento que está ocorrendo, em que as mulheres assumem, da porteira para fora, que a partir de agora, quem manda ali são elas, algo que não víamos há 30, 40 anos. É importante mostrar, porque é um universo que traz esperança em termos de sustentabilidade e alimentação saudável. Também existe uma grande produção de bebidas, itens de beleza, moda.
No artesanato e na moda, o que tem visto ser feito pelas empreendedoras gaúchas?
Há um universo feminino superforte por ser um lugar de mulheres que têm proximidade com a natureza e onde faz frio, há necessidade de blusões de lã, botas de couro, pelegos. São artesãs que se diferenciam porque fazem todo o trabalho, do início ao fim do processo, como é o caso da designer que faz joias a partir de crina de cavalo, que mostrei no programa. Tem também artesãs de São Francisco de Paula, que fazem tapetes e mantas com lã de ovelha, ou então pescadoras de Pelotas, que fazem couro a partir de peixe.
São materiais e técnicas que têm valor no mercado?
Se você colocar isso em uma feira de design em Milão, as pessoas vão se apaixonar. O Sul tem uma riqueza, só que às vezes isso está tão perto da gente que não percebemos o valor.
Assistir aos seus programas dá a impressão de que você topa qualquer desafio.
Uma vez entrevistei a Ivete Sangalo, que é superdespojada no dia a dia, mas que incorpora uma mulher poderosa quando entra no palco. É assim que acontece comigo: incorporo outras pessoas quando faço as imersões, que é a forma que eu encontrei de contar histórias.
Qual foi a maior loucura que você já fez para contar uma história?
Surfar com Maya Gabeira. Ficamos 15 dias no Havaí e tive que enfrentar coisas que nunca imaginei. Não tinha ideia do que era a vida dela e dos perigos que se enfrenta, tipo tubarão no mar etc. Em termos de desafio físico foi o maior, porque eram ondas enormes. E uma experiência muito engrandecedora foi ir com a Fernanda Lima para a Índia, onde ficamos 10 dias num retiro de ioga. Foi um mergulho muito interessante.
Você saiu diferente desse mergulho?
Faço ioga até hoje. Me apaixonei não só pela atividade, mas pela introspecção envolvida. Hoje, gosto de ficar sozinha. No meu trabalho, aprendi uma série de coisas que mudaram a minha vida, já vivi mil vidas em uma.
Como concilia com a sua vida de mulher, mãe e esposa?
Meu marido trabalha comigo, então levamos a nossa filha conosco desde pequena. É positivo porque ela pode ver a paixão dos pais pelo trabalho. E tem sido importante mostrar a diversidade do nosso país, fugir um pouco da bolha. Mas quando não a levo e ela fica sob os cuidados da minha mãe ou da minha irmã, não tenho culpa.
Minha mãe é professora, teve três filhos e sempre diz: "Nunca tive culpa de deixar vocês em casa e ir trabalhar porque eu estava ensinando outras crianças a ler e escrever, era a minha missão". Trouxe isso dela, estou cumprindo a minha missão.
Esse estilo de vida demanda conseguir se sentir em casa em outros lugares?
Sim, você tem que segurar a onda, entender que "é o que temos no momento" e tentar se adaptar a climas, lugares, pessoas. Mas isso é o de menos, a preocupação maior é sempre com a minha filha e com a minha saúde, porque viajo muito.
Seu corpo é a sua máquina nas viagens. Como cuida dele?
Algo que me regula é dormir cedo e acordar cedo. As pessoas do campo acordam muito cedo e essa costuma ser a minha vida no trabalho, então nossa família se adaptou a ser sempre assim — não me chame para evento noturno com janta às 21h que eu não vou. Também gosto de fazer corrida porque, por onde vou, se estou em lugares que não têm academia nem nada, posso sair e correr pela estrada.