Em reportagem especial sobre Outubro Rosa, Donna ouviu a história de quatro mulheres para quem o diagnóstico do câncer de mama se tornou um impulso para a realização de antigos e novos sonhos.
Leia as outras partes da reportagem:
:: Depois de dois tumores na mama, paciente realiza o sonho da maternidade
:: Engenheira planeja casamento e banca de doutorado depois do câncer de mama
:: Professora vira triatleta depois do câncer de mama
Depois de três décadas como bancária, Angela Rosana Mattos Barroso da Silva vislumbrava a aposentadoria logo ali. No dia 11 de maio de 2018, o diagnóstico de um tumor no seio esquerdo alargou os cinco anos que faltavam para se despedir do banco.
- Eu não ia perder cin-co a-nos - fala, marcando as pausas entre as sílabas como quem tenta dar a dimensão da sua nova relação com o relógio.
Para marcar o Outubro Rosa e lembrar as leitoras da importância da prevenção e detecção precoce da doença, Donna entrevistou quatro mulheres cujas histórias confirmam: há vida depois do câncer de mama.
Nenhuma delas esconde o susto que chegou junto com o diagnóstico, situação pela qual 59.700 mulheres brasileiras devem passar em 2019. Na estimativa para este ano, Porto Alegre é a capital com a maior taxa de casos novos: 114,25 a cada 100 mil moradoras, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). A doença tem 95% de chance de cura quando detectada na fase inicial. Ou seja, para muitas pacientes, o câncer de mama não significa o fim de sonhos antigos nem novos.
No caso de Angela, hoje com 50 anos, o câncer foi um empurrãozinho para ela deixar o banco e lançar uma marca de produtos de crochê, técnica que aprendeu durante a recuperação da cirurgia de retirada da mama esquerda.
Com o resultado negativo do exame do linfonodo sentinela, primeiro gânglio para onde o câncer de mama pode se disseminar, descobriu que não seriam necessárias radioterapia nem quimioterapia. A notícia foi celebrada, mas, sem uma mama, com mobilidade do braço esquerdo limitada, inchada da medicação pós-cirurgia, Angela se sentia "o ó do borogodó" e passava os dias em casa vendo seriados.
Depois de um curso presencial de crochê para iniciantes, aprimorou a técnica com vídeos no YouTube. Logo ganhou um parceiro: o marido, com quem havia se casado oito meses antes do diagnóstico. Fernando lembrou das aulas de técnicas domésticas que teve na escola e passava as noites fazendo macramê ao lado da esposa. A atividade foi devolvendo o ânimo a Angela.
- O câncer revolucionou a minha vida. Foi como um chamado, eu precisava fazer mais com o tempo que eu tinha.
Decidiu investir no crochê. Contratou consultoria financeira e de moda, uma empresa de design e uma pessoa para questões administrativas. Faltava mão de obra, afinal, Angela recém tinha aprendido a técnica. Fez, então, um anúncio em um site de compra e venda: "Contrato crocheteira para trabalhar em casa, no seu tempo. Pago bem."
O câncer revolucionou a minha vida. Foi como um chamado, eu precisava fazer mais com o tempo que eu tinha.
ANGELA ROSANA DA SILVA
Choveu gente. Mulheres pobres, pós-graduadas, com insônia, com depressão, donas de casa, mães de quatro filhos, mulheres responsáveis por cuidar dos pais doentes, avós cujos netos não queriam mais saber dos presentes feitos de crochê.
- Fiquei impressionada com a quantidade de mão de obra disponível e talentosa mas incapaz de se inserir no mercado formal. Fui na casa dessas pessoas e passei a me envolver com suas histórias - conta.
Lançada em julho deste ano, pouco mais de um ano depois do diagnóstico, a Fiaparia Fios conta com cerca de 20 crocheteiras parceiras que produzem bolsas, golas, ponchos, xales. A cada cinco peças vendidas, uma touca é doada para pacientes atendidas pelo Instituto de Oncologia Kaplan.
Mãe de Luzia, 25 anos, e Franco, 18, a empreendedora faz questão de dizer que não tem mágoas do trabalho antigo, mas conta que se sentia "presa" logo que voltou da licença médica. Hoje trabalha mais horas do que antes, mas tem muito mais liberdade.
- Posso almoçar com minha mãe no meio da semana ou levar meu pai pra ver o Rei Leão no cinema - diz Angela. - A melhor coisa que me aconteceu foi ter tido câncer. Três meses atrás, eu estava atendendo ligação no Banrisul. Olha onde eu estou hoje! Na revista Donna!