A amamentação prolongada ainda é tabu para você? Os relatos de mulheres que afirmam sentir na pele os julgamentos por quererem levar adiante o aleitamento após os dois anos dos filhos costumam se multiplicar nas redes sociais.
Uma das famosas que se manifestou sobre o assunto foi a atriz Fernanda Machado ao revelar que sofreu preconceito por sua decisão. Ela contou em uma entrevista recente que amamentou o primogênito até os três anos e meio, mas parou de postar fotos do momento para evitar as críticas que recebia pela escolha em seu perfil.
No Grupo de Mães Donna, no Facebook, pedimos a opinião das leitoras e recebemos depoimentos com diferentes pontos de vista. Jéssica Klein Sisnande, por exemplo, é mãe de um menino de quatro anos e segue firme na amamentação, apesar de sofrer com os comentários negativos sobre a prática:
— Também parei de postar porque são muitos julgamentos, mas sigo firme nas minhas convicções.
Já Karen Cerutti relembra que os dois filhos, hoje adolescentes, largaram por vontade própria o peito por volta de um ano. Para a professora, colocar um limite de tempo pode ser uma opção saudável para a família:
— Levar até os cinco anos é exagero, e acredito que tem mais a ver com a dependência emocional da mãe do que com benefício para a criança. Mas cada um sabe de si.
Afinal, amamentação prolongada pode fazer mal para a mulher ou para o bebê? O que os órgãos de saúde recomendam? Conversamos com o pediatra Roberto Mario Silveira Issler, membro da Sociedade de Pediatria do RS e do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, e com a nutricionista e consultora em amamentação Ana Terrazzan, doutora em saúde da criança e especialista em nutrição materno-infantil, para tirar todas as dúvidas sobre o tema. Veja a seguir:
Até quando amamentar?
A Organização Mundial da Saúde, o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria seguem a mesma orientação: aleitamento materno desde a sala de parto, exclusivo e em livre demanda até os seis meses, e mantido, junto com outros alimentos saudáveis, até os dois anos ou mais. Ou seja: a amamentação prolongada tem o aval dos principais órgãos de saúde.
— O que vemos é que as pessoas esquecem o fim da frase da recomendação da OMS. Esse "ou mais" é para ficar a critério da mãe, da família, do bebê. A ideia é que a amamentação não precisa ser cessada aos dois anos — pontua Ana.
Cada vez mais mulheres estão tentando seguir com o aleitamento. É o que apontam os resultados preliminares do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), do Ministério da Saúde. Em comparação com dados de 1986, o percentual de mães que optam pela amamentação prolongada pulou de 37,4% para 60,9%.
— Indicar parar o aleitamento é raríssimo. Se a mãe quer seguir amamentando deve ser apoiada. Se quer parar, ajudamos no processo. Sempre vendo como os dois estão, mãe e bebê — explica o pediatra.
Por que ainda é tabu?
Na opinião de Ana, há uma mudança de percepção em curso nas últimas décadas, um resgate da amamentação como processo biológico e natural. É claro que o tabu ainda existe e os julgamentos vêm de todos os lados, mas o caminho que se desenha é promissor: hoje, se fala muito mais sobre os benefícios da amamentação prolongada do que há 30 anos, e as mulheres costumam chegar mais preparadas para esse momento por buscarem informação.
— Elas estudam o tema, procuram base científica para decidir até onde querem ir. E é uma mudança que também precisa passar pelos profissionais de saúde, ainda não são todos que vestem a camiseta da amamentação prolongada — avalia a nutricionista e consultora.
O pediatra Roberto levanta ainda outro ponto que contribui para o tabu: a erotização do corpo feminino. Segundo ele, em países como os Estados Unidos, essa barreira erótica é ainda maior, o que faz com que seja raro ver mulheres amamentando até nos filmes. Assim, é impossível dissociar o aleitamento dos pilares culturais, sociais e econômicos de cada sociedade. E, no meio ocidental e urbano, a amamentação prolongada ainda é encarada por boa parte das pessoas como um constrangimento, o que gera culpa na mulher.
— Pressão da família, o olhar das pessoas julgando porque a criança fica mexendo na blusa da mãe, são relatos comuns. Apesar de que, na pandemia, com as mulheres mais em casa em razão do home office, pode-se esperar algum tipo de influência nessa amamentação prolongada longe do olhar do outro. Acredito que podemos ver esse impacto lá na frente —aposta Roberto.
Pode fazer mal?
Não. Tanto o médico quanto a consultora em amamentação são taxativos: não há estudos que comprovem malefícios para mãe ou para a criança. O que se sabe, na verdade, é que os benefícios permanecem. Para o pequeno, serve como uma proteção contra alergias, infecções, diarreias, otites, obesidade e outras complicações. Já para a mãe, reduz as chances de desenvolver diabetes, infarto cardíaco e até câncer de mama e de ovário.
— Tudo deve ser avaliado dentro da curva de ganho de peso e desenvolvimento da criança — destaca o médico Roberto.
Pode causar desequilíbrio hormonal?
A produção de leite acarreta mudanças hormonais, mas não há com o que se preocupar. Segundo os especialistas, é um processo fisiológico, passageiro e o corpo está preparado para isso, mesmo que o aleitamento siga além dos dois anos. Com a inibição da ovulação, em razão da liberação da prolactina (responsável pela produção do leite materno), é comum a mulher ficar sem menstruar durante a amamentação exclusiva, principalmente nos primeiros meses.
Pode atrapalhar a alimentação da criança?
Esse é um medo comum das mães, mas a nutricionista afirma que casos em que o pequeno queira apenas mamar e não comer são raros. Geralmente há dois grupos: aquelas crianças maiores que mamam por aconchego e se alimentam bem, e as que fazem mamadas mais longas e nutritivas, o que também não interfere na ingestão de alimentos.
— Quando há alteração nesse processo pode ocorrer da criança deixar de comer para mamar, mas isso está longe de ser comum — diz.
E o desmame?
A mulher deve avaliar sua relação com a amamentação, entender se chegou no limite e se ainda faz sentido para ela. Caso a decisão seja por interromper, uma das chaves é o planejamento para diminuir o número de mamadas aos poucos.
— Deve ser lento e gradual para não ser traumático — pondera Ana.
O pediatra também defende um diálogo aberto com a criança, ainda mais quando o filho já tem compreensão do que acontece.
— O que não indico: se amparar em mentira. Há quem coloque mercúrio no seio, pó de café, e diga que o "tetê tá dodói". Meu conselho é se preparar para trabalhar com a frustração da criança, que pode acontecer. É estabelecer critérios e regras de horários.
Com a palavra, as mães
Amamentação prolongada é um assunto que costumar render debates – inclusive, nas redes sociais, como no caso das críticas recebidas pela atriz Fernanda Machado. Perguntamos no Grupo de Mães Donna a opinião das leitoras sobre a questão:
"Amamentei a Betina até os quatro anos e só parei porque engravidei. A gente percebe claramente o desconforto das pessoas com o assunto, é incrível. E, desde que ela tinha um ano e pouco, ouvia julgamentos e reprimendas, até que a amamentação me atrapalharia como mulher (eufemismo para vida sexual). O auge foi receber conselho de gente que não tem filhos".
Ane Meira Mancio, 39 anos, jornalista, de Viamão. Mãe da Betina, quatro anos, e grávida de Cora.
"Amamentei a Júlia por dois anos e meio. Foi uma experiência de decisões sobre meu corpo, sobre bancar escolhas perante a sociedade. Mas ainda há muito julgamento. Criança de três anos tomando refri na mamadeira não incomoda ninguém, não gera comoção nas redes. Mas vai amamentar?".
Cristina Machado, 43 anos, consultora de amamentação e criadora de conteúdo, de Porto Alegre. Mãe de Henrique, 12 anos, e Júlia, sete anos.
"Amamentei meu filho até os quatro anos e recebi críticas. Diziam que não era saudável, porém, segui e foi uma das melhores experiências de vida, da relação mãe e filho. Me lembro até hoje daquele olhar que traduzia o amor entre nós".
Noris Eunice Carabajal Siqueira, 43 anos, profissional de Educacão Física, de Porto Alegre. Mãe de Nicolas Davi, seis anos.
"Meu filho mamou até dois anos e sete meses. Foi maravilhoso para nós dois e acabou espontaneamente. Recebi algumas críticas, mas muito mais elogios e apoio".
Lívia Perrone Pires, 41 anos, atriz, de Porto Alegre. Mãe de Pedro, sete anos.