Muitas são as nuances que compõem o pano de fundo das histórias contadas no livro O Que Sobra (Companhia das Letras, R$ 74,90), que traz as memórias do príncipe Harry. Com título original Spare, a obra foi lançada mundialmente nesta terça-feira (10), com status de best seller.
Dividida em três partes, a publicação é dedicada à sua esposa Meghan Markle, aos filhos, Archie e Lilibeth, "...e, claro," à mãe, Diana, morta em um acidente de carro em 1997. É sobre a princesa de Gales, aliás, muito do que se lê na biografia, recheada de polêmicas e revelações nunca comentadas pela família real britânica.
Ao longo das mais de 500 páginas, Harry expõe com uma impressionante riqueza de detalhes os bastidores de seus 38 anos de vida, trazendo à tona conflitos e questões que alimentam ainda mais o fascínio e a curiosidade do público pela monarquia.
O número 2 (ou, na verdade, 5)
Ocupando a quinta posição na linha de sucessão ao trono, o filho do rei Charles III afirma que sempre teve consciência sobre "seu lugar" na família real. Em um tom, por vezes, de ressentimento, Harry conta que, já na infância, era tratado em casa e pelos tabloides como alguém "menos relevante", e seu irmão William, 40, como "O Herdeiro" (do trono).
"Minha família havia me declarado uma nulidade. 'O Reserva' (... eu) era dispensável. Eu sabia disso", diz.
Assim ele se refere também a si mesmo em diversos trechos, justificando a falta de interesse pelos estudos e protocolos reais (afinal, sob seu ponto de vista, não haveria sentido em aprofundar algo que não será "útil").
Obsessão pela mãe
Um amor incondicional, incapaz de se dissipar, desafiando até mesmo a realidade, se desenha no imaginário de Harry em relação à mãe. Até os 23 anos, quando percorreu o trajeto em que ela perdeu a vida, acreditava que Diana estivesse viva.
E revela que, em sua ilusão, tudo não passara de um plano para se ver livre do assédio da imprensa e das pressões às quais foi submetida desde muito jovem. No livro, o príncipe relata que sonhava com a princesa – dormindo e acordado –, esperando por sua volta.
Poucas são as lembranças que tem, no entanto, da convivência com a mãe. Alguns flashes de momentos felizes são mencionados na obra, assim como suas impressões sobre o casamento dos pais.
"Era impossível não sentir a falta de carinho e amor na nossa casa", declara.
A maior parte das menções à Diana datam a partir de sua morte. Foi durante as férias escolares, relembra, e só conseguiu chorar no momento do sepultamento. Diz que o pai, ao lhe dar a notícia, não o abraçou. Tinha 12 anos, à época, e pouco entendia sobre o que, de fato, estava acontecendo.
Conflitos familiares
Na abertura do texto de apresentação de O Que Sobra, Harry desabafa: "Quando minha esposa e eu fugimos deste lugar, temendo pela nossa sanidade e integridade física, eu não tinha certeza se um dia voltaria". Ele se refere à mudança para os Estados Unidos, em janeiro de 2020, com Meghan e Archie, ao renunciar às funções reais.
As brigas com o pai e o irmão são pontos altos na trajetória e na autobiografia do príncipe que não tem perspectivas de assumir o trono britânico. Reproduzidas à exaustão na imprensa, mesmo antes do lançamento do livro, as divergências se colocam como obstáculos cada vez mais potentes entre eles. Na visão de Harry, há intolerância por parte da família, o que impediria uma reconciliação.
Camilla, a Outra
Ao contar sua versão sobre o casamento do pai com Camilla Parker, a rainha consorte, Harry reflete a respeito do então estado emocional de Charles. Ele pontua que, assim como William, acreditava que o hoje monarca merecia ser feliz ao lado da mulher que amava (em vez de andar para todo lado com um urso de pelúcia velho ao qual se apegara).
Mesmo que nada lhes tenha sido dito sobre o romance antes de ele se tornar oficial, os dois já sabiam sobre o relacionamento.
"Intuíamos, sentíamos a presença da Outra, de Camilla", aponta ele, acrescentando terem pedido que, mesmo ficando juntos, não se casassem. O que não foi atendido.
"Camilla começou a jogar pensando no longo prazo. Uma campanha cujo objetivo era o casamento e consequentemente a Coroa", dispara.
Está na madrasta também a raiz de algumas de suas frustrações. Harry afirma que foi ela quem convenceu o pai a contratar um porta-voz que tinha o hábito de manipular informações de forma controversa junto aos tabloides.
Um boato amplamente disseminado na adolescência do príncipe sobre um suposto vício em drogas teria, da mesma forma, sido nutrido por este colaborador, com aval de Charles:
"Seria um prêmio de consolação para papai. Não mais o marido infiel, ele agora se apresentaria perante o mundo como o aflito pai solteiro lidando com um filho drogado", justificando a razão da conivência.
Rebeldia
O livro de Harry pode ser definido como uma ferramenta que ele desenvolveu para esclarecer os diversos rumores com os quais precisou lidar ao longo de sua vida. Na publicação, ele desmente, por exemplo, notícias sobre uma suposta internação em clínica de reabilitação para usuários de drogas à qual teria sido submetido quando adolescente.
Confessa, contudo, ter experimentado cigarros, álcool e outras drogas, como maconha e cocaína. "Eu era um jovem de 17 anos profundamente infeliz, disposto a tentar quase qualquer coisa capaz de alterar o status quo", explica.
A aversão aos paparazzi que o acompanham desde que nasceu é outro aspecto marcante ao longo das páginas. Entre suas estratégias para driblar os fotógrafos, conta que, sempre que saía de um bar ou clube, se escondia no porta-malas do carro. "Ficava ali no escuro, mãos cruzadas no peito. Parecia um caixão. Não me incomodava", diverte-se.
Soldado
O serviço militar ganha um longo e orgulhoso relato na obra. Detalhes sobre essa vivência estão entre os trechos vazados antes do lançamento de O Que Sobra. Em especial, um em que ele declara ter tirado a vida de 25 rebeldes do Talibã no Afeganistão, "antes que pudessem matar pessoas boas". A fala foi rebatida pela organização, que alega falta de humanidade por parte de Harry.
O livro se esgotou nos estoques de sites e lojas físicas poucas horas antes da estreia. Em Londres, livrarias abriram à meia-noite desta terça-feira, atraindo centenas de britânicos ansiosos para adquiri-lo.