Um dos principais nomes da atualidade na luta pela igualdade racial no meio corporativo, Luana Génot, 32 anos, percebeu ainda muito jovem como o mercado de trabalho pode ser pouco generoso com pessoas negras. Aspirante a modelo, em 2007, a carioca foi a Paris e tentou ser representada por uma agência francesa. Lá, ouviu que era muito bonita, mas tinha um problema: era negra e, por isso, havia poucas vagas para ela não só na moda, mas no mercado de trabalho como um todo.
O episódio serviu para despertá-la para o tema, que inspirou seu trabalho de conclusão de curso na faculdade de Publicidade e Propaganda e sua dissertação no mestrado em Relações Étnico-Raciais, que depois se tornou seu primeiro livro, Sim à Igualdade Racial: Raça e Mercado de Trabalho. Em 2016, Luana criou o Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), que oferece consultoria a empresas para que promovam a igualdade racial em sua atuação e contratação.
No final de 2021, lançou seu segundo livro. Com um viés bem pessoal, Mais Forte: Entre Lutas e Conquistas conta sua trajetória, em meio a reflexões sobre os impactos do racismo em sua vida. Na entrevista a seguir, Luana, que também atua como apresentadora do programa Sexta Black, do canal pago GNT, resgata histórias e percepções sobre a questão racial na última década, conquistas da população negra e passos que ainda precisam ser dados.
Você começou bem cedo a trabalhar com a temática da igualdade racial. De onde surgiu sua vontade de atuar nesse campo?
Surgiu antes da faculdade, num ponto em que eu estava pensando em me tornar modelo de passarela devido às circunstâncias. "Ah, você é uma mulher negra, alta, exótica, logo você tem ali algumas opções, ser modelo de passarela, jogadora de basquete, jogadora de vôlei." As pessoas me olhavam e não viam uma CEO ou outro tipo de profissão. E aí, bom, dessas três opções, fui por eliminação. Não jogava vôlei nem basquete, logo modelo seria um campo interessante. Na época recebi um convite para desfilar com a Nadine Gonzalez (jornalista francesa que fundou uma escola de moda no Vidigal, no Rio). Ela estava organizando uma turnê para Paris e me convidou. Lá, fui tentar conseguir uma agência para me representar, e um booker falou para mim que eu era muito bonita, mas tinha um problema, era negra. Ele me alertou que ser negro era de fato um problema quando me mostrou na parede 300 fotos e só tinham três mulheres negras empregadas e representadas pela agência. E me explicou que o mercado de trabalho era assim, não só no mundo da moda. E que esse era um problema que precisávamos resolver. As pessoas se chocam quando digo essa frase: "Nossa, mas ele te disse que ser negro é um problema?". Gente, mas é um problema. Ele quis me alertar. E me ajudou a dar nome àquilo que eu já vivia. Nessa breve época como modelo, de 2007 a 2009/2010, até o início da faculdade, quando morei um pouco na França, um pouco na Inglaterra, um pouco na África do Sul, sempre era muito crítica com a gama de papéis que me eram delegados. A moda me abriu muitas portas, de viajar para fora, conhecer novas culturas, mas a gama de trabalhos era sempre muito limitada. Eram trabalhos relativos ao que as pessoas brancas imaginam de África, sempre com muitos prints animais, muitas coisas de selva, e cachês menores do que os das minhas amigas brancas. Então, em 2010, comecei a escrever um blog chamado "O lado negro da moda" para justamente colocar no papel como processo catártico um pouco dessas vivências. E comecei a observar as vivências da minha mãe e da minha avó no mercado de trabalho. As duas tiveram cargos bastante operacionais, apesar de serem grandes lideranças em casa e na minha vida. Boa parte das pessoas negras está em cargos operacionais mesmo quando apresenta grande liderança e competência no que fazem e têm até diploma. E aí a gente percebe o quanto o racismo é estrutural e institucional.
No seu primeiro livro, você dá espaço para muitas pessoas relatarem as experiências delas no mercado de trabalho. O que você encontrou em comum nesses relatos?
Nesse livro, entrevistei 16 pessoas de diferentes raças: pretas, pardas, amarelas e brancas. A grande maioria das pessoas pretas e pardas ocupa cargos operacionais. Tem uma entrevista de um porteiro negro que diz que saiu do Nordeste para vir para o Rio de Janeiro em busca de oportunidade de emprego, e o que mais importava era não morrer de fome. Ele não tinha grandes aspirações profissionais. De outro modo, você tem profissionais negros que, ainda que tenham ascendido, como um engenheiro negro que eu entrevistei, que ascendeu e ocupou uma superposição em uma empresa, as pessoas olham como se não tivessem legitimidade para estar naquele lugar. São duas pessoas dentro de um mesmo grupo racial que têm vivências e ganhos diferentes, mas os dois relatam as mesmas vivências em termos raciais, de que a cor da pele deles influencia em como o mercado os trata, duvidando de suas capacidades intelectuais. No caso dos brancos, o Theo Van Der Loo, ex-CEO da Bayern, diz que nunca ninguém duvidou da capacidade de entrega dele e considera isso parte do privilégio que ele vive. Quando a gente fala sobre privilégio, não está desmerecendo a competência de alguém. Para você chegar a um cargo, trilhar uma carreira, tem que ser competente. Só que, quando você é competente e não tem ninguém que duvide da sua competência, isso lhe favorece.
Como as pessoas negras podem furar essa bolha e ascender a cargos estratégicos?
Estou mais preocupada com como fazer esse movimento de ascensão das pessoas negras como um movimento coletivo. O mercado ainda se valida muito com a meritocracia, aí pega exemplos de pessoas negras absolutamente excepcionais, quando a gente está falando de uma população de quase 120 milhões de pessoas. O que tenho visto como mais eficaz para que essas histórias sejam coletivas, e não individuais, são as cotas. No Ensino Superior, elas se mostraram bastante eficazes, ainda que compreendam uma parcela muito pequena da população negra. Faço parte dessa parcela. Sou a primeira mulher negra da minha família a ter acesso ao Ensino Superior, assim como muitas outras pessoas e consequentemente isso também abre portas, como poder escrever um livro, ter acesso a outras culturas, viajar, ter outras oportunidades que a minha família nunca pensou ser possível. De outro modo, o que falta é que essas mesmas cotas que foram implementadas no Ensino Superior também sejam reproduzidas no mercado de trabalho para a população negra. Temos um gap: várias pessoas negras com diploma debaixo do braço, mas não conseguem cargos estratégicos nas empresas. Precisamos implementar essas cotas no mercado de trabalho, em especial em cargos de liderança.
Eu não acredito em mais ou menos racismo, até porque racismo não dá para pôr numa balança.
O mercado de trabalho se tornou menos racista ao longo dos anos?
Eu não acredito em mais ou menos racismo, até porque racismo não dá para pôr numa balança. Mas a sociedade está mais coagida a ter ações antirracistas, existe uma pressão do mercado e da sociedade para que as empresas mostrem nos seus balanços conselhos com mais mulheres, pessoas negras. A sociedade vai cobrar se você postar uma foto do seu time e não tiver pessoas negras. Isso já é um passo, porque antes todo mundo colocava foto dos seus times e todo mundo estava ok com um time 100% branco. Na nossa consultoria, eu vou fazer uma série de perguntas que valem para qualquer mercado, para que a gente construa ações antirracistas. A sociedade e as empresas continuam racistas, porque estamos falando de uma estrutura, mas existe uma pressão para que as empresas construam cada vez mais ações antirracistas.
Em Mais Forte: Entre Lutas e Conquistas, você diz que as pessoas negras cansam de estar sempre lutando pela igualdade racial, mas, ao mesmo tempo, você construiu sua carreira voltada para essa luta. Como ter força para seguir?
Eu trago a expressão "mais forte" como algo que me remete a diversas sensações. De um lado, eu tinha um ranço dessa expressão, de que tem que ser mais forte, tem que ser sempre a mais arrumada, para ninguém te parar na rua ou te confundir com uma babá. Se você é negro, tem que estar sempre com documentos, para a pessoa não te parar, então tem que estar forte, estar arrumado, mostrar mais competência, porque se não sempre vão te nivelar por baixo. Isso é cansativo. Eu tento olhar essa expressão "mais forte" tanto por um lado de não romantizar o cansaço que isso é, de estar sempre lutando, como também falando sobre como isso nos fortalece, porque isso nos forja. Sei que hoje o fato de eu ter passado por essas vivências também me deu olhares que eu não teria de outra forma. Quando você contrata uma mulher negra, ela é resiliente. Não porque ela quer, mas porque a vida dela a forjou para ser dessa forma. Quando você vê que os cotistas negros têm índices de evasão menor, isso mostra que eles abraçaram essa vaga como se fosse a oportunidade da vida deles.
Quais seus projetos para 2022?
Dominar o mundo (risos). A gente está em um ano político, então, primeiro é alinhar todos os chacras possíveis e ter muita concentração espiritual, porque 2022 tende a ser um ano bastante duro. Tenho lido muito sobre espaços de participação cívica e política. Não estou falando de candidatura, mas de influência desses espaços para que quem se candidate ou esteja fazendo um projeto político não deixe de pautar a questão antirracista. Isso é fundamental. Vou martelar em todos os veículos e mídias que não tem como a gente progredir como país sem pautar a questão racial. Isso vale tanto para pessoas negras quanto especialmente para pessoas brancas que estão nos processos de poder. Entre os projetos mais pessoais, pretendo lançar um livro infantil em 2022. Já estou rascunhando algumas ideias e tenho um acordo com uma nova editora. Como executiva, tenho trilhado um caminho de muita escuta com meu time. Temos hoje quase 50 pessoas no ID_BR, grupo majoritariamente negro e feminino. Tenho me cunhado como líder que quer escutar, entender. E já tem novas temporadas do Sexta Black programadas no GNT. Vamos gravar em fevereiro.