No que depender de Débora Falabella, ninguém se sentirá sozinha neste período de distanciamento social. Quem tem a possibilidade de ficar em casa está aproveitando para recordar um dos papéis mais importantes da carreira da atriz, segundo ela própria: Mel, de O Clone, no ar no Canal Viva. Nas noites de terça-feira, é a vez de acompanhar a primeira temporada de Aruanas, pela TV Globo.
Mas nada se compara com o que foi visto na reprise de Avenida Brasil, novela emblemática de João Emanuel Carneiro que, pela segunda vez, fez o país reviver a rivalidade Nina x Carminha. A nostalgia também pegou de surpresa a atriz, que assume sentir saudades deste formato de produção, mesmo com os muitos meses de envolvimento.
E se a ideia até aqui é enxergar essa mineira de 41 anos como uma boa amiga em tempos de ficar mais horas em casa, uma história que nasceu nos bastidores da trama ambientada no bairro do Divino adiciona ainda mais carinho no coração dos fãs.
– Eu e Adriana Esteves assistimos ao último capítulo juntas naquela tarde, via Skipe (risos). Só sendo muito amigas poderíamos nos odiar tanto em cena.
Mas a potência criativa da artista não permite que este período seja apenas de boas recordações. Débora, sempre discreta, descobriu uma nova forma de se relacionar com as redes sociais. Mais uma vez tem sido parceira, agora dos seguidores, em momentos em que uma risada ou um texto certeiro fazem a diferença.
Entre os projetos, está uma série de vídeos no IGTV com a personagem Dani, protagonista do filme Depois a Louca Sou Eu, com direção de Julia Rezende, cuja estreia estava prevista para abril e foi adiada por tempo indeterminado. Nos episódios, a ansiedade é o mote.
De uma forma divertida e com identificação imediata, são abordados temas como home office, cuidados com os pais (que insistem em sair de casa para comprar “pão novinho”), e a necessidade de ser produtivo e sociável em meio a abalos emocionais - leia-se aqui participar de muitos encontros virtuais. Mas, como diz Dani, nada que um “posso fingir que a internet parou” não resolva.
Também há espaço para um trabalho no Instagram, o Cara Palavra, que mistura leitura de textos com músicas. Um deles traz Débora, Mariana Ximenes, Bianca Comparato e Andréia Horta recitando A Peste, de Albert Camus. E o início não poderia ser mais adequado para o momento: “Quando estoura uma guerra, as pessoas dizem: ‘não vai demorar muito’”.
Enquanto não se sabe o tempo que a pandemia vai paralisar a vida, Débora atua em ações para ajudar profissionais ligados à cultura que estão em situações emergenciais. Teme pelo futuro de cinemas e teatros, pelo desmatamento e pela violência contra a mulher. Responde ao seu jeito: com arte, escolhendo as parcerias e mostrando a cara em campanhas, como a Mexeu com Uma Mexeu com Todas.
Em São Paulo para cumprir seu distanciamento social com a filha, Nina, de 11 anos, conversou por telefone com a Revista Donna. Confira a entrevista abaixo:
Como foi transformar a personagem do filme Depois a Louca Sou Eu em uma figura que conversa com os internautas no Instagram?
Eu e a Julia Rezende, diretora do filme, estávamos na expectativa da estreia em abril. O filme já havia sido apresentado no Festival do Rio e em uma mostra em São Paulo, e fomos surpreendidas. Como é uma personagem de muita identificação com o público, como pudemos ver nas primeiras apresentações, decidimos falar sobre ansiedade neste momento, uma forma de causar uma identificação e fazer com que as pessoas se sintam menos sozinhas. Além de deixar essa personagem conhecida do público e continuar falando de cinema. Temos um certo medo, porque eu acredito que uma das coisas que mais irão demorar a voltar são os cinemas e os teatros, pois são lugares que por si só já aglomeram.
E como é feito esse trabalho? Você mesma grava?
Tudo é feito de uma forma despretensiosa. Tenho filmado na minha casa, com os recursos que eu tenho, e a Julia vai me direcionando.
Com a suspensão das gravações, você se viu com três trabalhos no ar (Avenida Brasil, O Clone e a primeira temporada de Aruanas). Como foi ver as pessoas acompanhando as histórias e falando com o entusiasmo da primeira vez?
Por mais que as coisas estejam mudando na forma de consumir dramaturgia, eu acredito que a novela é algo muito nosso, faz parte da nossa cultura. Avenida Brasil já era um formato diferente, o João (Emanuel Carneiro) escrevia de forma episódica. Neste momento em que as pessoas estão muito em casa, foi algo que tomou conta. Foi uma volta ao hábito de sentar com a família, não só aquela coisa de assistir ao streaming no metrô. Fora a questão de assistir comentando na internet, o que deixou os trabalhos ainda mais potentes.
E agora? Como ficou a rotina, fora os episódios do IGTV?
Não estamos saindo, mas os projetos não podem parar. Eu tenho uma companhia de teatro, ia ficar um mês viajando por Portugal. É um momento mais de entender como a gente vai voltar. Fui inventando projetos paralelos, porque temos uma necessidade de produzir, criar, trabalhar. Além de estar muito envolvida com questões que envolvem o setor cultural. Tem gente que está passando muita necessidade. Eu trabalho com companhia de teatro, que depende de técnicos, camareiras, costureiras. Quando eles vão voltar? Tenho participado de fundos de arrecadações de cestas, de itens básicos para pessoas ligadas às artes cênicas e à cultura que estão realmente em situações emergenciais.Tenho uma parte do meu tempo voltada para isso. Na outra, me dedico a um projeto com a Mariana Ximenes, a Bianca Comparato e a Andréia Horta. É um trabalho com o Chuck Hipolitho, pai da minha filha, feito com leitura de textos por atores com acompanhamento musical. Já tem episódios no meu Instagram e batizamos de Cara Palavra.
Vocês estavam trabalhando na segunda temporada de Aruanas. Como foi parar neste momento e como a exibição da primeira parte na TV aberta pode levantar essa discussão?
Estávamos filmando a segunda temporada cheias de gás. Falar de meio ambiente no meio de uma pandemia tem a ver com a forma como estamos lidando com o planeta. É hora de parar e perceber que não somos divididos da terra.
É um momento mais de entender como a gente vai voltar. Fui inventando projetos paralelos, porque temos uma necessidade de produzir, criar, trabalhar.
Como você imagina o retorno dos trabalhos?
Vai mudar pelo menos por um tempo. Ficávamos em salas com muita gente, conversando, se maquiando. É difícil imaginar um set com muitos figurantes, coisas grandiosas. Como fica o contato físico? Como contar histórias de amor em tempos de pandemia? Tento não me antecipar e acreditar que isso irá durar apenas por um tempo. Agora é hora de cumprir o nosso distanciamento social de forma correta.
Aruanas é uma equipe majoritariamente feminina. Tu sente a diferença nesse protagonismo?
Eu fiz dois trabalhos com esse perfil e era algo que nem deveria mais ser discutido, mas sabemos que é. Em Depois a Louca Sou Eu, a diretora era uma mulher e fez toda a diferença, pois é uma personagem que sofre de ansiedade, tem seus medos, mas supera. É uma mulher protagonista, mas que não foca em relacionamentos amorosos. Assim também acontece em Aruanas: são mulheres fortes que têm seus dramas pessoais, mas passa algo maior, como a luta, a relação com o meio ambiente. São trabalhos que falam de mulheres de uma forma que eu gosto de enxergar, com que me identifico.
Você era um dos nomes fortes do Mexeu com Uma Mexeu com Todas. Como era lidar com críticas e pessoas que tentavam invalidar a campanha?
Pude vivenciar essa nova onda feminista, que para mim aconteceu de uma forma muito forte. Na maneira de agir, de repensar a minha vida. Foi algo que não consegui separar no trabalho e na vida pessoal, e me fez crescer muito. Vejo meninas mais jovens, até mesmo minha filha, de 11 anos, já enxergando tudo de outro jeito. Não tenho nenhum problema em parecer chata e sofrer críticas. Sempre tem pessoas que vão achar um exagero, um mimimi. Na peça Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante falávamos da violência contra a mulher e foi muito forte, pois a história parte de um estupro coletivo. Tocava em assuntos pesados de forma sensível, em um texto que foi escrito por uma mulher (Silvia Gomez), e era muito lindo de ver as reações da plateia. Inclusive de homens, que saíam muitos mexidos e com a sensibilidade de falar sobre esse assunto.
Pude vivenciar essa nova onda feminista, que para mim aconteceu de uma forma muito forte. Na maneira de agir, de repensar a minha vida. Foi algo que não consegui separar no trabalho e na vida pessoal, e me fez crescer muito.
Como você vê isso tudo impactar na vida da tua filha?
Vejo a maneira como estou criando ela. Quando ela era um pouco menor, eu já tinha uma consciência feminina forte, mas cresceu muito mais nos últimos anos. A maneira como a crio e educo, a forma como ela quer se vestir e se expressar. Para mim, é muito importante que seja algo livre, e ela tem uma personalidade própria, desde muito nova. É um orgulho ver que ela pode ter uma voz e vejo nela e nas amigas a forma como lidam com tudo, até a questão de gênero. As coisas são mais fáceis para elas, e isso me dá um certo alívio.
Como tem sido o distanciamento social em casa e o desafio dos estudos com a Nina?
Acho que escola tem melhorado cada vez mais a maneira de se conectar. Mas temos que passar por isso, não podemos cobrar da criança como se estivesse na escola. Ela já passa dentro de casa, é uma energia diferente. Tenho ficado próxima, como um pouco de bola com o homeschooling, mas a cada semana tem ficado melhor, a gente aprende mais, e as crianças vão lidando melhor. Tem momentos que são muito lindos, e outros mais difíceis, inclusive para eles.
Sobre a questão maturidade, hoje você se cobra menos?
Tem muitas coisas que eu acho que a gente fica mais tranquila. Mas tem alguns acúmulos de paranoias. Tem sempre que cuidar para não envelhecer no mau sentido. Vejo algo muito bom, na confiança e como lido com o meu trabalho. Por mais que a gente erre, a gente tenta enxergar com mais tranquilidade e aprender, depois de ter passado por tanta coisa.
Você falou que fazer os 40 anos foi muito simbólico...
Até a juventude tem lidado de forma diferente com a questão de imagem, e isso reflete na gente. É uma geração que está menos preocupada com o corpo. Tem uma gama de meninas com um movimento muito lindo que se aceita, e nós também estamos vivendo esse reflexo. Eu sinto mais liberdade na minha maturidade, como saltar no escuro.
Você já posou sem maquiagem e photoshop. É uma questão de gerar identificação?
Eu sempre acredito na identificação. Agora venho descobrindo uma forma de usar as redes sociais com mais prazer. Mais ligado a um trabalho, e não à minha pessoa. Sempre tive dificuldade com isso e quis chegar ao público através dos personagens. Não queria que as pessoas tivessem mais interesse na minha vida. Como a gente precisou aprender a lidar com as redes, descobri uma troca muito importante. E quando eu me mostro, gosto que seja da forma mais verdadeira. Claro que já fiz ensaios, gosto de estar bem maquiada e quase viver um personagem. Mas acho importante essa identificação com quem te assiste e consome o que você está mostrando ali.