O cenário turbulento do polarizado Brasil de hoje faz parecer ainda mais distante o ano de 2012, quando estreou, em 26 de março, Avenida Brasil, novela das nove da Globo que se tornou um dos maiores fenômenos da teledramaturgia nacional. A trama escrita por João Emanuel Carneiro refletia à época o que se convencionou chamar de ascensão da classe C, proporcionada por um período de vigor na economia. Avenida Brasil volta ao ar nesta segunda-feira (7), com sua primeira reprise na TV aberta, no Vale a Pena Ver de Novo, às 16h40min, na RBS TV.
Com epicentro na guerra entre as personagens Carminha (Adriana Esteves) e Nina (Débora Falabella), o folhetim tem como cenário principal o fictício bairro Divino, no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Abandonada em um lixão quando criança pela madrasta Carminha, a órfã Nina cresce com a identidade de Rita e planeja sua vingança contra a gananciosa mulher que arruinou sua vida, agora rica graças ao casamento com o famoso ex-jogador de futebol Tufão (Murilo Benício).
Segundo Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana pela Universidade de São Paulo (USP), Avenida Brasil representou a retomada das grandes premissas da clássica telenovela: personagens caracterizados com fortes tintas, trama convergente e valorização dos ganchos em cada capítulo como dinâmica da narrativa.
A ambientação no Divino ajudou na identificação junto a uma grande massa de telespectadores.
– Essa concepção positiva dos moradores do subúrbio, não tenho dúvidas, criou o que chamamos de cânone e tornou Avenida Brasil um dos grandes referenciais para a teledramaturgia mundial (a novela teve seus direitos vendidos para mais de 150 países). A questão não foi apenas o focar no subúrbio, mas um novo olhar estético sobre a vida suburbana – explica Alencar.
Este pensamento é compartilhado por Claudino Mayer, pesquisador e professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que aponta o cenário da novela como essencial para a repercussão que ela causou na época – e que segue popular em 2019:
– Todos os personagens do Divino tinham um carisma tão grande que remetiam a algum telespectador real. O bairro é uma representação de diferentes públicos, desde a classe A até a D, sobretudo a classe média. Trazia essa vontade de vencer, de chegar em algum lugar. As situações dos personagens eram como se fossem de um mundo real, em que você acredita no que está acontecendo. Eu tenho um vizinho assim, um tio, uma cabeleireira, com as pessoas falando da vida um do outro. Quando o autor consegue fazer isso, é sucesso.
Conflito
Entre as situações da trama mais lembradas pelos público está a batalha entre Carminha e Nina, situação que gerou muitos memes nas redes sociais. Para Mayer, Avenida Brasil conseguiu o trunfo de ter espectadores torcendo pelas duas personagens, mesmo que uma seja a representação do bem e a outra, do mal:
– A torcida para Nina esbofetear a Carminha ou para a Carminha dar tapas na cara da mocinha é comum. No entanto, sempre prevalece o bem, já que deixamos de lado o coração e somos guiados pela razão.
Os embates entre duas mulheres, segundo Alencar, seguem presentes na teledramaturgia e espelham uma sociedade marcada pelo papel masculino em posição de superioridade e poder:
– Dentro da concepção mitológica da formação de gênero, encontramos uma resposta para a questão dessa briga de mulheres. As deusas transformavam-se em arquétipos da violência dos deuses masculinos. Por outro lado, dentro do mesmo campo de compreensão, há que se ressaltar a mulher como base geradora e organizacional da sociedade, com infinitos matizes. Tudo isso, no espectro da arte, contribui para tocar o público quando este depara com duas mulheres em conflito.