Às 18h em ponto, tocou o telefone da redação de Donna. Era Costanza Pascolato, pontual como não poderia deixar de ser a mestra da elegância. A primeira frase que disse, logo após me cumprimentar, foi um pedido de desculpas por ter mudado o horário da entrevista – teve que ir a uma consulta médica.
Em pouco mais de meia hora de conversa, mostrou na prática o equilíbrio ao qual se refere quando defende, em seu novo livro, A Elegância do Agora, que resgatemos a cordialidade com o outro. Gentil e bem-humorada, reafirmou regras básicas de etiqueta, como a pontualidade – “qualidade indispensável para quem pretende manifestar o mínimo de respeito”.
Ser elegante hoje, para a empresária, é um meio do caminho entre a formalidade que ditava a vida na época em que nasceu, em 1939, e o universo digital e despojado das influenciadoras de 2019, circuito do qual Costanza faz parte, com seus mais de 600 mil seguidores no Instagram. Aliás, entre as dicas publicadas neste que é seu quinto livro estão orientações para uma boa selfie.
O cuidado com a aparência, sinônimo de cortesia para a consultora de moda que acaba de completar 80 anos, é herança dos pais, cujas histórias também fazem parte da obra recém-lançada. Ao longo de mais de 200 páginas, Costanza revisita a chegada da família italiana ao Brasil, em dezembro de 1945, deixando para trás uma Europa destroçada pela Segunda Guerra Mundial.
Durante os anos do conflito, os Pascolato aprenderam a poupar e afastar do lar qualquer tipo de ostentação, o que se reflete no estilo Costanza. A papisa da moda costuma usar peças lisas, cores neutras, sapatilhas ou tênis, sem grifes à mostra. Sua marca registrada são os óculos, cujos aros grossos ultrapassam o contorno do rosto. Dos netos, ganhou outros acessórios que passaram a completar o look: dois grandes anéis de caveira. Com frequência, a vovó octogenária é clicada fazendo os “chifres do rock” com os dedos, exibindo as joias –com uma dose de humor.
Em oitenta anos de história, já deu tempo de transgredir – seja na primeira minissaia que vestiu nos anos 1960 ou no divórcio assinado no início dos 1970 – e meditar, prática que começou aos 77 anos de idade. Quando Costanza separou-se do primeiro marido, foi deserdada pelos pais e perdeu a guarda das duas filhas. Tudo para ficar com Giulio Cattaneo della Volta, o grande amor com quem viveu por 21 anos. Não se arrepende. Pelo contrário, olha para trás e orgulha-se da família que construiu. À Revista Donna, contou que sua maior alegria hoje é ver os netos. Nesta entrevista, reafirma a paixão pelo trabalho, celebra a inclusão da diversidade nas passarelas e, falando sobre a morte, ensina sobre a vida:
– Eu tenho, no máximo, 10, 15 anos. A gente tem mais é que pensar nisso e viver melhor os anos que restam. Se você não aproveitar o máximo, qual é a graça?
A seguir, confira a entrevista:
Em seu novo livro, você afirma que a “deselegância é prolixa”. No mundo de excessos das redes sociais, há espaço para a elegância?
Sou uma pessoa de outra geração, portanto não tenho essa intimidade (com as redes). Quer dizer, tenho para trabalhar, é útil, e realmente mudou a vida da gente. Quem me obrigou a começar foi Nelsinho Motta. Quando era casada com ele, me obrigou a ter um computador (risos). O negócio é que não fico atrás dessas conversas na internet. Eu me informo, porque a gente precisa saber o que está acontecendo, e sou curiosa, estou interessada na política mundial e local. Mas discussão entre pessoas acho deprimente, perda de tempo.
Onde está a elegância hoje?
Na empatia. Você precisa se interessar pelo outro. A elegância está em você não invadir o espaço do outro. Sei que é difícil a gente deixar de observar a si próprio para observar o outro.
As pessoas acham que moderno é não ter regrinhas do bem viver. Então você pisa no outro, fala o que quer, grita no telefone, ocupa o espaço que não é só seu.
Também no novo livro, você se preocupou em resgatar “rituais de dignidades sociais” que caíram no esquecimento. O que a gente perde quando ignora esses códigos sociais?
Não é que se perderam, nunca foram conhecidos (risos). Esse é o drama! As pessoas acham que moderno é não ter regrinhas do bem viver. Então você pisa no outro, fala o que quer, grita no telefone, ocupa o espaço que não é só seu. Tá difícil... E não é só no Brasil, não.
O quanto isso é cultural?
Acho que é muito do contemporâneo. Se você olha para a moda, é muito simples. Saímos do século 19 muito formais. Depois, ainda imitamos a burguesia durante a primeira parte do século 20. De lá para cá, tudo se tornou mais casual, não somente a roupa, mas o comportamento. Não temos mais esse formalismo. Por outro lado, não sabemos mais nem cumprimentar as pessoas direito. Ou exageramos, o que também não é necessário. As pessoas da minha geração, quando querem ser bacanas, são muito formais. Tem que conhecer as regras e ter uma certa, digamos, suavidade na adaptação.
Como você avalia a cobertura de moda no Brasil?
A moda está encontrando outra maneira de existir. Fiz minha carreira na editoria de moda de revista impressa. Você sabe muito bem que mudou totalmente o panorama. As revistas que sobreviveram tentam incluir, na discussão, outros valores que não somente a moda. A cobertura ficou um pouquinho menos interessante porque você encontra tudo na internet ou pelo menos aquilo que interessa saber para a vida de hoje, que é menos formal, com menos ocasiões. Só tem roupa de festa quando tem casamento.
A internet é um grande mosaico. Não faz falta uma curadoria inteligente de tudo o que está disponível hoje?
Acho que faz. Houve tentativas interessantes que fizeram muito sucesso no começo, tipo o (site norte-americano) Refinery 29, que misturou comportamento a moda. Mas hoje você tem tantas imagens na internet, sobretudo no Instagram, que é mais fácil acompanhar uma blogueira ou influenciadora que tem a personalidade parecida com a sua. Assim como as atrizes eram um espelho da gente na época, hoje são essas meninas influenciadoras. E tem uma de cada gênero. A minha filha Consuelo (Blocker), de 55 anos, tem um público superfiel. Conheço bem a Camilinha, as duas Camilas (Coutinho e Coelho), e elas estão o tempo todo se mexendo, avançando, mudando a maneira de comunicar. Porque não é só moda, é comportamento. E o que é a moda senão o retrato do comportamento de uma época?
Você também é próxima de outras jovens influenciadoras, como a Luiza Brasil e a Jana Rosa.
Adoro! Elas são minhas amigas. Elas me atualizam, sabe? Eu não tenho preconceito. Preconceito é horrível porque a gente não vai pra frente, né. Pré-conceito, quer dizer, ter um conceito antes de ver o que é. Elas me dizem como as coisas são. A Luiza me policia até na linguagem (risos). Porque o politicamente correto é meio complicado. Desde que comecei a escrever, a ortografia mudou cinco vezes (risos)! E ainda tem o politicamente correto! Além disso, estou sem memória, então, você imagina, ela tem que repetir muito (risos). A gente se diverte à beça.
O politicamente correto é elegante ou deselegante?
Eu acho complicado (risos). Não é uma coisa nem outra.
Muitas mulheres querem copiar o estilo das influenciadoras. Qual o caminho para criar um estilo próprio?
Sempre fui cercada de pessoas que se interessavam pela aparência. Inclusive meus avós. Minha avó materna e minha bisavó iam para Turim, Paris fazer roupa da temporada, inverno e verão. Estou falando do século 19 quase, comecinho do 20. Minha mãe sempre foi súper bem-vestida. Arrumar-se e vestir-se bem não é só uma questão de vaidade, é uma vontade de estar bem consigo. Ao mesmo tempo, como dizia Oscar Wilde, “só os tolos não julgam pelas aparências”. Nós, homens e mulheres, vivemos num mundo competitivo e vivemos ativamente, não é que a gente fique em casa, sem fazer nada. Antigamente, era mais importante, mas estar bem arrumada faz uma diferença danada. Meu pai dizia: “Não saia de casa desarrumado, é uma questão de cortesia com os outros”.
Vestir-se bem não é só uma questão de vaidade, é uma vontade de estar bem consigo.
Como foi para você encontrar o seu estilo?
Para encontrar meu estilo, acompanhei o tempo das modas. Minha mãe falava de moda desde os anos 1950. Quando me dei por gente, tinha 15 anos e fazia o look dos 1950. Os anos 1960 foram a época em que casei, e foi uma revolução, porque as ideias jovens surgiram, foi a reconstrução do Ocidente no pós-guerra. E aí surgiu a minissaia e tudo o mais, e eu era bem bonita nessa época. Mas não gastava fortuna, nunca. A gente veio da guerra e nunca ostentou. Fui educada para comer o prato até o final, não jogar comida fora nem comprar roupa demais. Pelo contrário, durante a guerra, por anos, inclusive quando a gente chegou ao Brasil, minha mãe reciclava roupa, cortina, tudo. Mas, nos anos 1970, quando fui editora (de moda, na revista Claudia), comecei a errar porque tinha muita coisa disponível (risos). Aí você fica encantada com coisas que funcionam para fotos e você vira uma bobona fashion (risos). Ah, meu deus! Mas aí, nos anos 1980, voltei a ser séria. Sou discreta, gosto do preto.
Você é presença confirmada nas semanas de moda. O que mais lhe chama atenção hoje em relação a tudo que já viu?
A coisa mais interessante que aconteceu, e é bastante recente, é a inclusão de vários tipos físicos e de idades diferentes. Isso está acontecendo porque é necessário. A moda errou em permanecer um tempão dentro de padrões que eram absolutamente fictícios. Veja o sucesso que faz aquela menina “bad girl”, que, aliás, me segue no Instagram. É uma cantora americana famosíssima, como chama? Ela tem uma linha de lingerie. É a “badgalriri” (“Rihanna?”, ajuda a assessora, que acompanha a conversa). Isso, Rihanna. Ela me segue já faz três anos. Descobri ela pela Luiza (Brasil). (Em 2018, Rihanna lançou a marca de lingerie Savage X Fenty, com opções para tamanhos de corpos variados. Seu perfil no Instagram é @badgalriri).
Quais são os estilistas da nova geração que têm a ver com o estilo Costanza?
Tem os meus amigos, o Reinaldo (Lourenço), a Gloria (Coelho). Mas não faço muito mais questão de estar na moda, visto as coisas que ficam melhor para o meu corpo. Mas tô toda torta, com a coluna toda entortada. Escolho a dedo certas pecinhas que mostram o melhor de mim, sem grandes etiquetas ou grifes. Durante um tempão, gostei muito da Prada, ainda tenho uma ou outra coisa dela. E uso bastante vintage e Miu Miu.
Temos muitas leitoras com mais de 60 anos que reclamam que a moda acaba esquecendo essas mulheres. Como você vê isso?
Elas têm toda a razão, é muito chato. A maioria das roupas é feita para gente jovem. Lá fora, já começaram a fazer roupa para pessoas de mais idade, sobretudo os norte-americanos. Temos uma série de problemas: a cintura não está mais no lugar, tem umas coisas diferentes. A confecção tem que estudar (essas características). Não é questão de tendência, é sobre como vestir melhor corpos que não são mais aqueles chamados de “ideais”. Hoje nem falamos mais nisso porque o respeito à diversidade é fundamental. Apesar de a juventude aqui me parecer estranha porque as meninas de 15, 18, 20 anos fazem umas coisas no rostos, vão modificando o próprio corpo com essas novas técnicas para ficar dentro de um padrão “x” que acham interessante. Esquecem que a natureza é tudo, elas vão envelhecer e aquilo vai ficar estranho, fora da naturalidade.
Como tem sido a experiência de envelhecer?
O mais importante é a saúde. Faço questão de me cuidar, faço pilates desde 2011. Se você para, começa a ficar cada vez pior. Além disso, cuido para comer o melhor possível, fazer exames. O mais importante foi quando decidi, aos 60 anos, que não ia mais casar nem namorar porque estava interessada em outras coisas. Não me faz falta uma companhia assim, estou bem sozinha, com meus amigos, filhas e netos. Gosto de estudar, viajar, trabalhar. Eu não sou do lazer, sabe. E o lazer sentimental nunca mais foi lazer (risos).
O que mais lhe dá prazer hoje?
Ver meus netos (Cosimo, 26, e Allegra, 23 anos).
Você passou a meditar há quase três anos. O que mudou com essa nova prática?
Foi muito legal. Medito todo dia. E também faço análise, porque a gente tem que se preparar para as grandes mudanças da vida. Tenho feito meditação guiada com um aplicativo. Parece que o universo conspira a seu favor, você fica mais alinhada. Como o corpo fica retinho quando você faz o exercício, o espiritual fica mais alinhado também, você entra em contato consigo mesma. E a gente vive no “burnout do dia a dia”. Entre o computador, o trabalho, o que você tem que fazer, horários, o dinheiro que precisa ganhar, a saúde que tem que cuidar...
Você está prestes a completar 80 anos de idade (a entrevista foi feita em 17/9, dois dias antes do seu aniversário). Quando olha para trás, do que mais se orgulha?
De ter sobrevivido até agora. Parece ridículo, mas estou bem.
A que episódios você se refere?
Tive dois cânceres (em 1993 e em 2013), uma depressão profunda, uma escarlatina, labirintite, a perda de pessoas que amava… São coisas que fui superando. Também me orgulho de ter uma família do bem. Minhas filhas, meus netos, sou supergrata. A gratidão é uma coisa que aprendi na meditação, e você precisa exercê-la o tempo todo. Dá paz. Tenho ajudado muita gente agora, coisa que não conseguia fazer antes porque estava preocupada comigo mesma.
Temos mais é que pensar nisso (na morte) e viver melhor os anos que restam. Se você não aproveitar o máximo, qual é a graça?
Que tipo de ajuda?
Ah, tem gente que não tem possibilidades. Por exemplo, meu zelador conseguiu tratar umas coisas complicadíssimas com médicos que eu conhecia. Para outros, dei abertura para conseguir estudar em algum lugar. Dou uma ajuda financeira também, mas, sobretudo, consigo ajudar porque conheço muita gente, e essas pessoas têm grande apreço pela minha família.
Voltando ao livro, há um trecho em que você comenta sobre seus anéis de caveira, presente de seus netos. Você diz que as imagens evocam “nossa breve passagem pela Terra”. Você pensa sobre a sua morte? Como a encara?
Penso bastante. Tenho, no máximo, 10, 15 anos de vida. Não adianta não enfrentar esse fato. Temos mais é que pensar nisso e viver melhor os anos que restam. Se você não aproveitar o máximo, qual é a graça? É isso que procuro fazer, isso que me dá ânimo para continuar fazendo as coisas.