Costanza Pascolato disse, outro dia, algo que me impactou. Foi o seguinte:
“Você é tão jovem quanto o seu sapato”.
Costanza Pascolato, lembre-se, é aquela mulher requintada que já foi chamada de “papisa da moda” do Brasil. Ela sabe do que fala, portanto.
Isso me deixou apreensivo. Porque o sapato de que mais gosto é uma botina de couro marrom, de bico redondo, com cadarço. Tenho essa botina há um tempão, ela já está desgastada de tanto afundar na neve durante as tempestades de inverno e nas poças d’água durante as chuvas de verão. Uso-a nessas condições porque ela é impermeável como as cabeças dos bajuladores de políticos, mas não apenas nessas condições: uso-a com tempo bom, em dias de sol e noites estreladas, em manhãs amenas e tardes de calor. O problema é que a Marcinha odeia a minha botina. Vou me calçar para sair e ela ralha:
– Essa bota de novo?!?
Críticas. Só o que ouço são críticas. E agora a Costanza Pascolato veio com essa. Sou tão jovem quanto a minha botina, diz ela. Ou seja: não sou jovem. Não somos. Nem eu, nem a botina.
Tudo bem, assumo a idade que tenho. É preciso envelhecer com dignidade, afinal, sem essas vaidades de pintar o cabelo e outros que tais.
Você haverá de entender que não tem mais aquela elasticidade e que começará a se preocupar com coisas nas quais antes nem pensava, como as articulações.
Você terá de mudar.
Dormir mais cedo. Beber menos. Comer menos também. Nas atividades amorosas, nada de acrobacias. Pensando bem, nada de acrobacias em nenhuma atividade. Esporte? O xadrez. Emoções? As literárias. O que nós queremos, nós que nos aproximamos da idade provecta, é paz e um plano de saúde confiável.
Sei que, falando assim, tudo parece sombrio, mas há uma vantagem. Uma só. E não é essa tolice de “melhor idade”. Também não é a experiência. Nada disso. A vantagem da madureza passa por algo que citei acima: as críticas. O homem mais velho, se sorveu com sabedoria o tempo que lhe coube, pouco se importa com elas. Ele sabe que tem de ser quem é, a despeito do que querem que ele seja. Ele sabe que sempre haverá quem desaprove o que ele faz, por melhor que seja feito. Ele sabe que a opinião dos outros não vale um minuto de inquietação do seu dia.
Esse é o verdadeiro e único proveito do entardecer da existência: você gosta de ser quem é. Eu gosto. Por isso, Marcinha, não adianta resmungar: vou continuar usando a minha botina.