
Mães não são todas iguais — mas são parecidas no excesso de proteção.
Na minha infância, a mãe tinha obsessão por fortificantes.
Eu era franzino, um bambu, sustentado à base de fotossíntese particular. Comia pouco. Era o rei das bainhas e das dobras nas roupas.
Ela vivia me dando Emulsão de Scott para estimular o apetite e prevenir o raquitismo: um xarope feito de óleo de fígado de bacalhau, com gosto forte e marcante de peixe adormecido e ferrugem. Nem o dulçor da fragrância de laranja disfarçava o seu ranço.
No rótulo da garrafa de vidro âmbar escuro, num fundo amarelo-claro, havia o desenho de um homem de suíças, terno e chapéu, carregando nas costas, mediante cordas, um bacalhau enorme, quase do seu tamanho.
Eu achava que Dona Maria queria que eu me transformasse no Scott. Não compreendia bem o que ele significava: um pescador executivo? Um entregador de peixe do Mercado Público?
Como ele sorria com aquele peso? Ele bebia a Emulsão que levava seu nome?
Na minha fantasia, cumpria o papel moderno de um herói grego mitológico, a exemplo de Hércules — um verdadeiro Atlas do Ômega 3.
Seu conteúdo correspondia a um castigo líquido, um pesadelo para o paladar, a certeza do nó górdio no estômago.
Por mais que eu fugisse para o pátio, a mãe me localizava. Cessava a perseguição unicamente diante da minha careta ao sorver tudinho sem cuspir.
Experimentei, nos anos 70 e início dos 80, uma época efervescente dessas poções miraculosas. Lembro-me de algumas:
Biotônico Fontoura — Tônico de ferro com sabor adocicado. Virou jingle popular na televisão:
A de Abre o apetite
B de Bom de tomar
C de Comer, de crescer, fortalecer
E de Entender
D de Decorar
T de Tá na hora de tomar
B A BÁ
B E BÉ
B I Biotônico Fontoura!
Sadol — Indicado para recuperação após gripes ou fadiga. Tinha fórmula com vitaminas do Complexo B e ferro. O slogan grudava: “Sadol dá força!”.
Capivarol — Um tônico também à base de extrato de fígado. O nome, que lembra “capivara”, desencadeou uma confusão entre os usuários que supunham que ele funcionava como antiparasitário.
Ferrograd — Suplemento de ferro prescrito para combater a anemia infantil, geralmente em comprimidos ou gotas.
Sustagen — Suplemento alimentar em pó, misturado com leite, muito usado para reforçar a nutrição das crianças.
Karo — Um xarope de milho dado como fonte de energia e calorias.
Hemolitan — Suplemento vitamínico líquido, com ferro, muito receitado por pediatras.
Citoneurim — Vitaminas do Complexo B, para casos de fraqueza ou convalescença.
A mãe sempre acreditou que poderia me salvar da imundície do pátio e da minha compulsão pela várzea de futebol.
A colher de sopa era extensão de sua mão, materialização do seu afeto.
Eu me distraía e ela surgia com o antídoto, jurando que eu tinha engolido terra ou posto os dedos sujos na boca.
Os remédios pararam quando entrei na adolescência e encorpei.
Mas Dona Maria só trocou a obsessão antiga por uma nova: a vitamina C.
Tornou-se, pelo jeito, sua prescrição eterna.
O curioso é que ela não se detém nos primeiros sintomas de resfriado — espirros e coriza.
É todo santo dia.
Ela defende que a vitamina é um escudo. Uma muralha contra a gripe. Confia no seu feitiço protetor.
Quando me telefona, antes de desligar com seu típico “até logo” — ela não diz “tchau”, mas “até logo”, assim como não diz “alô”, mas “pronto” —, ela já emenda:
— Já tomou a sua vitamina C hoje?
Será que ela trabalha secretamente para a indústria farmacêutica? Ou será só amor escancarado?
A mãe não cansa de me cuidar. Mesmo distante, continua tentando me curar do mundo.