Sem pensar muito, responda: o que é mais saudável, uma maçã ou um brigadeiro? Aposto que você escolheu a primeira opção, certo? Pois bem. A nutrição comportamental defende que tudo depende do contexto. Se, por acaso, você estiver em uma festa e com vontade de comer o doce, mas optar pela fruta que levou de casa para "não cair em tentação", pode ser que essa não seja a melhor decisão. Afinal, a saúde é um combo que envolve não só o bem-estar físico, mas também o mental.
— A grande questão, quando a gente fala sobre melhorar a relação com a comida, é pensar na liberdade alimentar. Uma maçã comida por sofrimento e punição é menos saudável do que um brigadeiro comido por prazer — explica a nutricionista comportamental e terapeuta alimentar Paola Prunzel.
Equilíbrio é fundamental e, por isso, a nutrição comportamental busca trabalhar a consciência dos pacientes. Ao contrário da abordagem tradicional, que é mais prescritiva e calcada na dieta e no "pode versus não pode", leva em consideração fatores como sentimentos, crenças, traumas, ambientes, relacionamentos.
— É muito focada no "como" e "por que" eu estou comendo — reforça a profissional.
A área, que tem tido um crescimento principalmente nos últimos 10 anos, trabalha não só com quem tem transtornos alimentares, mas também com qualquer pessoa que precise melhorar sua relação com a comida. Por exemplo, quem vai a um rodízio e sente culpa ou busca conforto no prato quando está triste.
— Diferente dos atendimentos convencionais da nutrição, aqui a gente faz um aconselhamento, se colocando em uma posição horizontal, de igual para igual com o paciente. Juntos, buscamos maneiras de melhorar a relação dele com a comida — reforça a nutricionista comportamental e terapeuta alimentar Brenda Archeleigar.
A partir desse viés, perguntamos às profissionais quais frases, expressões ou palavras devemos abolir do vocabulário para ter um relacionamento mais saudável com a alimentação:
"Dia do lixo"
Além de "lixo", a recomendação é também excluir derivados, como "porcaria", "besteira", "comida ruim". Primeiramente, esses termos reforçam a ideia de restrição, que, de acordo com as nutricionistas, gera compulsão.
— O proibido é muito mais gostoso e gera um grande desejo — diz a nutricionista Brenda Archeleigar.
— Já ouvi de pacientes: "Só de você ter falado que está tudo bem comer o doce, nem tive vontade". É tirar da zona do proibido e trabalhar para a da neutralidade alimentar, na qual você aprende a dizer sim para poder aprender a dizer não. Não existe alimento bom ou ruim, e sim alimentação boa ou ruim. Ou seja, você "pode" comer doce, desde que exista um equilíbrio — acrescenta.
Além disso, tipificar como "ruim" é sintoma de uma sociedade que passou a classificar a qualidade dos alimentos em números (calorias, nutrientes) por conta da pressão estética e das dietas restritivas. Dessa foma, esquecemos que há outros significados igualmente importantes, como prazer, sabor, lembrança afetiva.
— Sabemos que a culpa não é das pessoas, é muito comum ouvir esses termos por aí, até mesmo vindo de profissionais da saúde. O convite aqui é a fazer uma reflexão sobre o impacto que pode causar se referir ao alimento dessa forma. Hoje, no Brasil, existem 33 milhões de brasileiros passando fome. Mais 125 milhões não sabem o que vão comer amanhã. Tem gente literalmente revirando lixo. Essa comida "lixo" seria "luxo" para muita gente, e é triste demais usar como deboche — conclui a profissional.
"Não posso/não mereço"
Além de também contribuir para a ideia de proibição, a sensação de que você não tem permissão ou "não merece" determinada comida é muito comum em pessoas com transtornos alimentares, alerta a nutricionista Paola Prunzel.
Transtornos como anorexia e bulimia costumam desencadear um medo muito grande no ato de comer. Essa reação costuma ter uma explicação psicológica, relata a profissional.
— Como terapeuta nutricional, vamos entender esse medo e essa relação da pessoa com a comida. Às vezes, ouvimos histórias de abuso, "não quero que meu corpo seja visto, então quanto mais magra, melhor". Normalmente, o paciente tem alguma comorbidade psiquiátrica. Depressão e ansiedade são as mais comuns. Existe um contexto que a gente precisa observar — destaca.
"Preciso fechar a boca"
Exagerou e acha que precisa mudar os hábitos alimentares nos próximos dias? Que tal trocar a expressão acima por "vou tentar equilibrar mais", "buscarei estar mais consciente em relação à comida" ou "vou comer comidas mais confortáveis"?
— Não é sobre você fechar a boca, parar de comer, fazer um sacrifício danado para manter o foco da dieta. É sobre aprender a comer de tudo com equilíbrio, com consciência de escolha — resume Brenda.
"Não posso ter em casa, senão vou comer tudo"
Ainda que a atitude em um primeiro momento seja uma boa maneira de monitorar a compulsão com certos alimentos, essa relação pode ser aperfeiçoada de outras formas mais eficientes.
— Se você tiver uma vontade louca, não irá atrás (do alimento)? Será que não ter em casa é a melhor opção? Pode ser, mas é importante trabalhar esse comportamento. Por que estou comendo? É automático? Virou um hábito? O não ter (à disposição) fica óbvio. Mas e quando tiver? — questiona Paola.
"Estou uma baleia", "Vou comer uma gordice"
Ou qualquer outro pensamento depreciativo sobre o seu próprio corpo. Esse tipo de fala acaba refletindo na sua relação com a alimentação. O termo "gordice", em especial, tem um viés gordofóbico muito forte.
— Tem que sumir para ontem do vocabulário. Você atribuir qualquer comportamento a um formato de corpo não é construtivo. É um termo preconceituoso e uma imensa ignorância, porque magreza não é sinônimo de saúde — pontua Brenda.
Entender que o nutricionista "não é só emagrecedor" também é importante para o processo, afirma Paola.
— Eu falo que o emagrecimento vai ser consequência da mudança de comportamento. Saúde é geral, mental, física e social — explica. — Costumamos associar o corpo magro ao sucesso. "Se emagrecer, vou conseguir um namorado, um emprego, vou ter mais respeito". Todo mundo em algum momento da vida tem alguma questão ou algum pensamento conturbado nessa questão. Mas a culpa não pode fazer parte da alimentação.
"É só ter força de vontade"
Discursos como "foco, força e fé" e "no pain, no gain" costumam ignorar que a escolha alimentar não é totalmente racional, explicam as nutricionistas.
— Seria muito simples dizer: "É só seguir esse script aqui, só comer assim e está tudo certo". Pensando na razão, a gente resolveria o problema de todo mundo. Mas isso é resumir o alimento ao nutriente, e a função dele vai muito além. Existe um outro lado da escolha alimentar que precisa ser entendido. Mais importante do que você está comendo é como você come e por que você está come — reforça a nutricionista Brenda.
O autoconhecimento também é destacado por Paola.
— É muito mais complexo do que isso. É preciso entender por que é difícil emagrecer, o que me faz ganhar peso... É necessário consistência, consciência, autoconhecimento, mas não força de vontade. É preciso entender por que isso é difícil para mim — acrescenta.
Seguem algumas outras sugestões de frases motivacionais alternativas mais saudáveis:
- "Emoção sentida não vira comida"
- "Menos restrição, mais inclusão"
- "Entre o 'oito ou 80' existem 72 possibilidades"
"Sou viciada em doce"
Não existe vício em comida, esclarecem as nutricionistas, por mais que a pessoa exagere no consumo de determinado item. Comer doce, o mais comum de ser chamado de "viciante" não é errado, não é uma substância que não pode ser ingerida de jeito nenhum.
Não é que você seja viciado em açúcar, mas talvez não tenha outros momentos de prazer no seu dia.
BRENDA ARCHELEIGAR
Nutricionista comportamental
Contudo, o consumo de açúcar costuma ser um problema observado nos consultórios e deve ser tratado da forma correta.
— A cada cem pacientes que atendo, pelo menos 90 falam que o problema é o doce. Acredito que por conta do centro de recompensa do cérebro, que ativa hormônios de bem-estar. Quando você consome alimentos ricos em açúcares, carboidratos e gorduras, atinge essa região. Assim, seu cérebro vai registrando que esses alimentos são gostosos. O problema está quando, em um dia estressante, em que você está desanimado, vai querer consumir esse tipo de comida como estimulante. Não é que você seja viciado em açúcar, mas talvez não tenha outros momentos de prazer no seu dia —avalia Brenda.
*Produção: Luísa Tessuto